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É claro que deixei Michael e corri pelo corredor para o quarto das crianças. Richard já estava lá, segurando Katie em seus braços. Simone estava sentada em sua esteira, esfregando os olhos. Os três ficaram olhando para o meu corpo nu, na porta. “Eu tive um sonho horrível”, disse Katie, agarrando-se com força a Richard. “Uma octoaranha estava me comendo.”

Eu entrei no quarto. “Está se sentindo melhor agora?”, perguntei, estendendo os braços para Katie. Richard continuou a abraçá-la, e ela não fez o menor esforço para vir para mim. Depois de um momento meio constrangido, fui até Simone e passei meu braço sobre os seus ombros.

“Onde estão seus pijamas, mamãe?”, perguntou minha filha de quatro anos. Richard e eu quase sempre dormimos com versões ramaianas de pijamas.

As meninas estão perfeitamente habituadas com meu corpo nu — nós três tomamos banho de chuveiro juntas quase todos os dias — mas de noite, quando entro no quarto das crianças, estou quase sempre de pijamas.

Estava a ponto de dar uma resposta engraçada a Simone, quando reparei que Richard estava de olhos fixos em mim. Seu olhar era positivamente hostil.

“Eu posso dar conta das coisas aqui”, disse ele em tom rude. “Por que não vai terminar o que estava fazendo?”

Voltei para Michael, para mais uma tentativa de conseguir uma relação sexual e a conseqüente concepção. Foi uma péssima decisão. Foi inútil a tentativa de excitar Michael durante uns dois minutos, até que ele afastou minha mão. “Não adianta”, disse ele. “Estou com quase 63 anos e há cinco que não tenho uma relação sexual. Jamais me masturbei e faço um esforço consciente para não pensar em sexo. Minha ereção de há pouco foi apenas uma questão de sorte temporária.” Ficou em silêncio por quase um minuto. “Sinto muito, Nicole”, acrescentou então, “mas não vai funcionar”.

Ficamos deitados lado a lado em silêncio por vários minutos. Eu estava me vestindo e me preparando para sair quando notei que a respiração de Michael caíra no esquema rítmico de respiração que antecede o sono. De repente, lembreime de ter lido que homens com impotência psicológica muitas vezes têm ereções durante o sono, e minha mente concebeu uma outra idéia louca. Fique acordada, deitada ao lado de Michael, esperando até ter a certeza de que ele estava em sono profundo.

Toquei-o muito de leve, a princípio, e fiquei encantada quando ele reagiu rapidamente. Após algum tempo, aumentei um pouco o vigor da massagem, porém tomando o maior cuidado para não acordá-lo. Quando ele ficou definitivamente pronto, preparei-me e passei para cima dele. Estava a instantes de conseguir concretizar meu objetivo quando esbarrei nele com força demais e o acordei. Tentei continuar, mas em minha pressa devo tê-lo machucado, pois ele soltou um ganido e olhou-me assustado e feroz. Em segundos, sua ereção desaparecera.

Rolei para ficar de costas e soltei um profundo suspiro. Estava muitíssimo desapontada. Michael estava me fazendo perguntas, mas eu estava aflita demais para poder responder. Meus olhos ficaram rasos de lágrimas, vesti-me depressa, beijei Michael levemente na testa e saí aos tropeços para o corredor. Ah fiquei por uns cinco minutos até ter forças para voltar para Richard.

Meu marido ainda estava trabalhando, ajoelhado ao lado do Pozzo, de Esperando Godot. O robozinho estava no meio de uma de suas falas longas e aparentemente confusas sobre a inutilidade de tudo. A princípio, Richard ignorou-me. Depois, após silenciar Pozzo, virou-se para mim: “Você acha que demorou o tempo suficiente?” indagou ele com sarcasmo.

“Continuou a não funcionar”, respondi deprimida. “Acho que…”

“Não me venha com essa merda”, gritou Richard de repente, com raiva.

“Não sou estúpido a esse ponto. Você espera que eu acredite que você passou duas horas nua com ele e não aconteceu nada? Eu sei como são as mulheres.

Você pensa que…”

Não me lembro do resto do que ele disse. Lembro-me do meu pavor quando ele avançou para mim, com os olhos injetados de raiva. Pensei que ele fosse me bater e preparei-me para o golpe. Lágrimas jorraram de meus olhos e derramaram-se por minhas faces. Richard chamou-me de nomes horríveis e chegou mesmo a fazer um ataque racista. Estava enlouquecido. Quando ele levantou o braço em fúria, eu fugi correndo do quarto, disparando pelo corredor até subir as escadas para Nova York. Quase atropelei a pequena Katie, que acordara com a gritaria e estava de pé, atônita, na porta de seu quarto.

Já era dia em Rama. Eu saí caminhando, chorando e parando de chorar, durante quase uma hora. Estava furiosa com Richard, mas também profundamente infeliz comigo mesma. Em sua fúria, Richard dissera que eu estava obcecada com a minha idéia, e que esta não passava de uma “desculpa esperta”

para ter relações com Michael, para que pudesse me tornar “a rainha da colméia”. Eu não respondera a nenhuma de suas agressões. Será que haveria algum mínimo grão de verdade em sua acusação? Seria alguma parte de meu entusiasmo pelo projeto um desejo de minha parte de fazer sexo com Michael?

Convenci-me de que todos os meus motivos haviam sido corretos, seja lá o que isso queria dizer, mas que eu fora inacreditavelmente estúpida a respeito de todo o caso, desde o início. Por certo, depois de ver a reação inicial de Richard (e a de Michael também, para falar a verdade), eu deveria ter abandonado a idéia imediatamente. Talvez Richard estivesse certo sob alguns aspectos. Talvez eu seja teimosa, e esteja obcecada com a idéia de fornecer um máximo de variações genéticas para nossos descendentes. Mas tenho a certeza de que não inventei toda essa história só para fazer sexo com Michael.

Estava escuro em nosso quarto quando eu voltei. Vesti meu pijama e desabei, exausta, em minha esteira. Após alguns segundos, Richard virou-se para mim, abraçou-me fortemente e disse: “Meu bem, Nicole, eu sinto muito, muito, mesmo. Por favor, perdoe-me.”

Desde então não ouço sua voz. Há seis dias que ele se foi. Eu dormi profundamente naquela noite, sem ter consciência de que Richard arrumou suas coisas para sair e deixou-me um bilhete. Às sete da manhã, o despertador tocou.

Uma mensagem ocupava toda a tela negra, dizendo:

“EXCLUSIVAMENTE PARA NICOLE DES JARDINS —

Aperte o K quando quiser ler.”

As crianças ainda não tinham acordado, de modo que apertei o K no teclado.

“Minha querida Nicole”, começava a mensagem, “esta é a carta mais difícil que escrevo em minha vida. Vou deixar você e a família por uns tempos. Sei que isso vai criar muitas dificuldades para você, Michael e as meninas, mas creia que é o único jeito. Depois da noite passada ficou claro para mim que não há outra solução.

“Minha querida, eu te amo de todo o coração e sei, quando meu cérebro tem controle sobre minhas emoções, que o que você está tentando fazer é pensando no que seja melhor para a família. Sinto-me péssimo a respeito das acusações que fiz ontem à noite. Sinto-me pior ainda por causa de todas as coisas de que eu a chamei, em particular as ofensas raciais e o uso freqüente da palavra ‘cadela’. Espero que possa me perdoar, embora não tenha a certeza de poder perdoar a mim mesmo, e em minha lembrança o que fica é o meu amor e não minha raiva insana e desatinada.

“O ciúme é uma coisa terrível. Dizer que ele ‘debocha da carne que o alimenta’ é muito pouco. O ciúme nos consome inteiramente, é totalmente irracional e enfraquece de modo absoluto. As pessoas mais maravilhosas do mundo não passam de animais ferozes quando apanhadas nas garras do ciúme.

“Nicole, querida, eu não lhe contei toda a verdade a respeito do final de meu casamento com Sarah. Eu suspeitei durante meses que ela estava se encontrando com outros homens nas noites que passava em Londres. Havia toda uma série de sinais reveladores — seu interesse desigual no sexo, roupas novas que não eram nunca usadas comigo, fascinação repentina por posições novas e práticas sexuais diferentes, telefonemas sem ninguém no outro lado da linha — mas eu a amava tão loucamente, e tinha tamanha certeza de que nosso casamento estaria terminado se eu a confrontasse com esses fatos, que não fiz nada até ficar enlouquecido de ciúmes.