Forcei-me a ficar alerta até a placenta ser removida e acabei de costurar, com a ajuda de Michael, os cortes que ele fizera com o bisturi. E depois entrei em colapso. Não me lembro dos detalhes das 24 horas seguintes.
Estava tão cansada do longo trabalho e do parto em si (minhas contrações já estavam em cinco minutos onze horas antes de Simone nascer) que eu dormi todos os momentos que me foi possível. Minha nova filha mamou prontamente, sem qualquer necessidade de estímulo, e Michael insiste em que ela até mesmo mamou umas duas vezes enquanto eu estava apenas parcialmente acordada.
Meu leite agora inunda o seio tão logo Simone começa a sugar e ela parece perfeitamente satisfeita quando acaba. Fico encantada que meu leite lhe seja suficiente — estava preocupada que tivesse com ela o mesmo problema que tivera com Geneviève.
Um dos dois homens está sempre a meu lado quando acordo. Os sorrisos de Richard me parecem um tantinho forçados, mas são bem-vindos mesmo assim. Michael está sempre pronto para colocar Simone em meus braços ou em meu peito quando estou acordada. Ele a carrega muito à vontade, mesmo quando ela chora, e fica resmungando: “Ela é linda.”
Neste instante Simone está dormindo a meu lado, envolvida em um quase cobertor feito pelos ramaianos (é muito difícil definir tecidos, particularmente em termos qualificativos como “macio”, ou em quaisquer termos quantitativos que nossos anfitriões possam compreender). Ela realmente se parece com minha mãe. A pele é bem escura, talvez mais do que a minha, e seu chumaço de cabelo é negro como azeviche. Seus olhos são de um marrom forte, mas com sua cabeça ainda afunilada e deformada pelo parto difícil, não é fácil dizer que Simone seja bonita. Mas é claro que Michael tem razão. Ela é deslumbrante. Meus olhos podem perceber, com facilidade, a beleza que está por trás daquela criatura frágil e avermelhada que respira com velocidade tão frenética. Bem-vinda ao mundo, Simone Wakefield.
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6 DE JANEIRO DE 2201
Já há dois dias que estou deprimida. E cansada, muito cansada. Mesmo sabendo que estou sofrendo de um caso típico de síndrome pós-parto, não tenho sido capaz de me livrar de meus sentimentos depressivos.
A manhã de hoje foi a pior. Acordei antes de Richard e fiquei quieta no meu lado da esteira. Olhei para Simone, que dormia tranqüilamente em seu berço ramaiano encostado na parede. Apesar do amor que sinto por ela, não posso elaborar qualquer pensamento positivo quanto a seu futuro. A aura de êxtase que envolvera seu nascimento e durara 72 horas desaparecera completamente. Um fluxo sem fim de observações sem esperança e de questões sem resposta ficava percorrendo minha mente. Que espécie de vida será que vai ter minha pequena Simone? Como poderemos nós, seus pais, de algum modo garantir sua felicidade?
Minha filhinha querida, você vive com seus pais e seu bom amigo Michael O’Toole em uma toca subterrânea a bordo de uma espaçonave gigantesca de origem extraterrestre. Os três adultos em sua vida são todos astronautas do planeta Terra, parte da tripulação da expedição Newton, enviada para investigar um pequeno mundo cilíndrico chamado Rama há quase um ano. Sua mãe, seu pai e o general O’Toole eram os únicos humanos que permaneciam a bordo dessa nave alienígena quando Rama alterou abruptamente sua trajetória para evitar ser aniquilada por uma falange nuclear lançada por uma Terra paranóica.
Acima de nossa toca fica uma ilha de misteriosos arranha-céus, a que chamamos Nova York. Ela é circundada por um mar gelado que dá a volta a toda esta imensa espaçonave e a divide em duas. Neste momento, segundo os cálculos de seu pai, penetramos ligeiramente na órbita de Júpiter (muito embora a vasta bola de gás em si esteja lá longe, no outro lado do Sol), seguindo uma trajetória hiperbólica que eventualmente irá abandonar inteiramente o sistema solar. Não sabemos para onde estamos indo. Não sabemos quem construiu esta espaçonave ou por que eles a haviam construído. Sabemos que há outros passageiros a bordo, mas não temos idéia de onde terão vindo e, além do mais, temos razões para desconfiar que ao menos alguns deles sejam hostis.
Nestes últimos dois dias, é esse esquema que meus pensamentos não têm parado de remoer. E todas as vezes chego à mesma conclusão deprimente: é impossível que nós, supostamente adultos maduros, trouxéssemos um ser tão desamparado e inocente para um ambiente que conhecemos tão pouco e sobre o qual não temos o menor controle. Hoje de manhã, tão logo tomei consciência de que estávamos no meu 37º aniversário, comecei a chorar. A princípio as lágrimas foram suaves e silenciosas, porém à medida que lembranças de todos os meus aniversários anteriores foram inundando minha mente, soluços profundos foram substituindo as lágrimas suaves. Estava sentindo uma tristeza profunda e dolorosa, não só por Simone como também por mim mesma. E quando me lembrei do magnífico planeta azul de nossa origem e não consegui incluí-lo no futuro de Simone, fiquei fazendo-me sempre a mesma pergunta. Por que haveria eu de parir uma criança no meio desta porcaria?
Lá estava a palavra de novo. Era uma das favoritas de Richard. Em seu vocabulário, “porcaria” tinha usos virtualmente ilimitados. Qualquer coisa que estivesse caótica e/ou fora de controle, seja um problema técnico ou uma crise doméstica (tal como uma esposa aos prantos tomada por uma violenta crise de depressão pós-parto), é chamada de porcaria.
Os homens não foram de grande ajuda hoje de manhã. Suas tentativas de me fazer sentir melhor só ampliavam minha tristeza. Uma pergunta. Por que é que quase todo homem, quando defrontado com uma mulher infeliz, supõe imediatamente que essa infelicidade é de algum modo relacionada com ele? Para falar a verdade, não estou sendo justa. Michael já teve três filhos, ao longo dos anos, e tem certo conhecimento sobre os sentimentos que estou tendo. O que fez, principalmente, foi perguntar se havia alguma coisa que pudesse fazer para me ajudar. Mas Richard ficou arrasado com minhas lágrimas. Assustou-se quando acordou e me encontrou em prantos. A princípio pensou que eu estivesse sentindo alguma horrenda dor física. E não ficou mais do que ligeiramente consolado ao saber que eu estava simplesmente deprimida.
Depois de estabelecer que ele não era culpado por meu estado de ânimo, Richard ficou ouvindo em silêncio enquanto eu expressava minha preocupação quanto ao futuro de Simone. Confesso que eu estava um tanto perturbada, mas ele não parecia compreender nada do que eu dizia. Ele ficava repetindo a mesma frase — que o futuro de Simone não era de modo algum mais incerto do que o nosso — acreditando que, não havendo base lógica para eu ficar tão agitada, minha depressão deveria desaparecer instantaneamente. Afinal, depois de mais de uma hora de problemas de comunicação, Richard concluiu corretamente que ele não estava me ajudando em nada e resolveu me deixar sozinha.
(Seis horas mais tarde.) Estou me sentindo melhor agora. Ainda faltam três horas para o meu aniversário acabar. Tivemos uma festinha de noite. Eu acabo de amamentar Simone e ela está novamente deitada ao meu lado — Michael nos deixou há uns quinze minutos e foi para seu quarto, do outro lado da sala. Richard adormeceu cinco minutos depois de pousar a cabeça sobre o travesseiro. Tinha gasto o dia inteiro trabalhando no meu pedido de umas fraldas mais aprimoradas.