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Richard tem muito prazer em supervisionar e catalogar nossas interações com os ramaianos, ou sei lá com quem seja que opera os computadores que nós ativamos com o teclado em nosso quarto. Jamais vimos alguém ou alguma coisa no túnel escuro que fica exatamente atrás da tela negra. De modo que não temos certeza de que haja criaturas por lá reagindo a nossos pedidos e ordenando suas fábricas a manufaturar este ou aquele objeto para nós, mas por conveniência nós nos referimos a nossos anfitriões e benfeitores como ramaianos. Nosso processo de comunicação com eles é a um tempo complicado e direto. É complicado porque falamos com eles usando figuras na tela negra e fórmulas quantitativas precisas na linguagem da matemática, da física e da química. É direto porque as frases que nós efetivamente imputamos usando o teclado são de sintaxe espantosamente simples. Nossas frases mais usadas são “Gostaríamos de” ou “Nós queremos” (é claro que não tínhamos a menor possibilidade de saber a tradução exata de nossas necessidades, e apenas supúnhamos estar sendo polidos — havia a possibilidade de que as instruções que estávamos ativando tivessem forma de ordens grosseiras começando por “Dêem aqui”), seguidas de uma descrição detalhada daquilo que gostaríamos que nos fosse fornecido.

A parte mais difícil é a química. Objetos simples de uso quotidiano como sabão, papel e vidro são muito complexos do ponto de vista químico, e extremamente difíceis de especificar com exatidão em termos de seu número e espécie de compostos químicos. Às vezes, como Richard descobriu logo no início de seu trabalho com o teclado e a tela negra, temos também de esboçar o processo de manufatura, inclusive os regimes termais, pois de outro modo o que recebemos pode não ter a menor semelhança com o que foi requisitado. O processo de requisição implicou altíssimo número de tentativas e erros. A princípio o intercâmbio foi muito ineficiente e frustrante. Nós três ficávamos desejando que nos lembrássemos melhor de nossa química de faculdade. Na verdade, nossa incapacidade para alcançar progresso satisfatório no sentido de nos equiparmos com os objetos essenciais do quotidiano foi uma das forças catalisadoras no sentido da Grande Excursão, como Richard gosta de chamá-la, que ocorreu há quatro meses.

Aquela altura a temperatura ambiente, tanto na superfície de Nova York quanto no resto de Rama, já estava a cinco graus abaixo do ponto de congelamento, e Richard já confirmara que o Mar Cilíndrico voltara a ficar inteiramente congelado. Eu estava começando a ficar seriamente preocupada por sentir que não íamos estar devidamente preparados para o nascimento do bebê.

Nós levávamos tempo demais para realizar toda e qualquer tarefa. Conseguir e instalar uma privada operacional, por exemplo, acabou sendo um esforço de um mês, e o resultado era pouco satisfatório. Na maioria das vezes nosso problema básico era o de que fornecíamos especificações insuficientes a nossos anfitriões.

No entanto, por vezes a dificuldade eram os próprios ramaianos. Muitas vezes eles nos informaram, usando nossa linguagem mútua de símbolos matemáticos e químicos, que eles não podiam concluir a manufatura de algum item específico dentro do tempo previsto.

Seja como for, Richard anunciou certa manhã que ele ia deixar nossa toca e tentar alcançar a nave militar de nossa expedição Newton, que continuava atracada. Seu objetivo proclamado era a recuperação dos componentes-chave de dados científicos arquivados nos computadores da nave (o que nos ajudaria muito em nossos pedidos aos ramaianos), mas ele reconhecia também que estava terrivelmente faminto de comida decente. Nós vínhamos conseguindo manter-nos saudáveis e vivos com a gororoba química que nos era fornecida pelos ramaianos.

No entanto, a maior parte da comida era ou totalmente sem sabor ou horrível.

Justiça lhes seja feita, nossos anfitriões vinham correspondendo corretamente às nossas demandas. Embora nós soubéssemos grosso modo descrever os ingredientes químicos essenciais de que nossos corpos necessitavam, nenhum de nós jamais estudara em detalhe o complexo processo bioquímico que tem lugar quando provamos alguma coisa. Freqüentemente a papa era difícil, quando não impossível, de se engolir. Mais de uma vez a refeição foi seguida de náuseas.

Nós três passamos a maior parte de um dia discutindo os prós e contras da Grande Excursão. Eu estava na fase de azia de minha gravidez e sentindo-me bastante desconfortável. Mesmo que não me agradasse a idéia de ficar sozinha em nossa toca enquanto os dois homens atravessavam o gelo a pé, localizavam o jipe, cruzavam com ele a Planície Central e depois subiam, de elevador ou a pé, os muitos quilômetros até a estação rebatedora Alpha, reconheci que havia um grande número de circunstâncias nas quais um poderia ajudar o outro.

Concordei com eles também que a idéia de fazer tal viagem sozinho seria uma grande loucura.

Richard tinha certeza de que o jipe continuava funcionando, mas tinha menos esperança em relação ao pequeno elevador de cadeira. Discutimos longamente os danos que poderiam ter atingido a nave militar Newton, exposta como estava, do lado de fora de Rama, às explosões nucleares que haviam ocorrido fora do escudo protetor trançado. Richard conjecturou que já que não havia danos estruturais visíveis (usando nosso acesso ou produto dos sensores ramaianos, havíamos observado imagens da nave militar Newton na tela negra várias vezes nos meses anteriores), era possível que a própria Rama houvesse inadvertidamente protegido a nave de todas as explosões nucleares, o que resultava em não existir danos de radiação pelo lado de dentro, tampouco.

Eu era menos otimista em minhas perspectivas. Havia trabalhado com os engenheiros ambientais nos desenhos do escudo para a espaçonave, e tinha consciência da susceptibilidade à radiação de cada subsistema da Newton.

Embora pensasse que havia grande probabilidade de a base de dados científicos estar intacta (tanto o seu processador quanto todas as suas memórias eram feitas com componentes resistentes à radiação), estava virtualmente certa de que quaisquer reservas de comida estariam contaminadas. Sempre soubemos que nossos pacotes de comida ficavam em local relativamente desprotegido. Antes do lançamento, na verdade, tinha havido até mesmo certa preocupação de que um jato solar inesperado pudesse produzir radiação suficiente para deixar a comida imprópria para consumo.

Eu não tinha medo de ficar sozinha pelos poucos dias ou uma semana que poderiam levar os dois homens para fazer a viagem de ida e volta à espaçonave militar. Preocupava-me mais com a possibilidade de um ou outro, ou ambos, não voltarem. Não era só uma questão das octoaranhas, ou de quaisquer outros alienígenas que pudessem estar coabitando conosco esta imensa espaçonave. Havia incertezas ambientais a serem consideradas, também. O que aconteceria se Rama de repente começasse a manobrar? Ou se algum outro acontecimento inopinado ocorresse e eles não pudessem voltar para Nova York?

Richard e Michael garantiram-me que não incorreriam em riscos desnecessários, que não fariam nada a não ser ir até a nave militar e voltar. Os dois partiram na madrugada de um dia ramaiano de 28 horas. Era a primeira vez que eu ficava sozinha desde minha prolongada permanência solitária em Nova York, que começara quando eu caí no buraco. É claro que eu não estava realmente só, pois podia sentir Simone dar pontapés dentro de mim. Carregar em nós um bebê é um sentimento extraordinário. Há esquina de cada prédio antes de me aventurar. Afinal, descobri a fonte do ruído: Richard estava cortando pedaços de treliça, usando uma serra elétrica em miniatura que trouxera da Newton. Na verdade, ele e Michael estavam discutindo quando os descobri. Uma treliça relativamente pequena, com cerca de quinhentos nódulos quadrados, e talvez três metros de lado, estava presa a uma daquelas cabanas inexpressivas a cerca de cem metros a leste da entrada de nossa toca. Michael questionava o acerto de se atacar a treliça com a serra elétrica. Quando me viram, Richard justificava sua ação fazendo o elogio das virtudes do material elástico da treliça.