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Nós três nos abraçamos e nos beijamos por vários minutos, e depois eles me fizeram seu relatório da Grande Excursão. Fora uma viagem muito fácil. Seus instrumentos mostraram que ainda havia boa quantidade de radiação por toda a nave militar, de modo que não ficaram lá muito tempo e nem trouxeram comida.

A base de dados científicos, no entanto, estava em ótimas condições. Richard usara suas sub-rotinas de compressão de dados para transferir muitos deles para cubos compatíveis com nossos computadores portáteis. Haviam trazido também uma grande mochila cheia de ferramentas, tais como a serra, que julgavam ser útil para terminar nossa nova habitação.

Richard e Michael trabalharam sem cessar daquele momento até o nascimento de Simone. Usando novas informações químicas que encontraram no banco de dados, tornou-se mais fácil pedir o que precisávamos aos ramaianos.

Cheguei até a experimentar salpicar ésteres inócuos e outros elementos orgânicos simples na comida, o que resultou em certa melhoria no gosto. Michael completou o quarto no fim do corredor, o berço de Simone foi construído, e nossos banheiros enormemente aprimorados. Considerando as limitações, nossas condições de vida tornaram-se então bastante aceitáveis. Talvez em breve… Um momento. Estou ouvindo um chorinho a meu lado; é hora de alimentar minha filha.

Antes que os últimos trinta minutos de meu aniversário passassem à história, quero voltar às vividas imagens de aniversários anteriores que precipitaram o agravamento de minha depressão esta manhã. Para mim, o dia do meu aniversário sempre foi o dia mais importante do ano. A época de Natal e Ano Novo é especial, porém de modos diferentes, para todos os que compartilham dessa celebração. Já um aniversário focaliza mais especialmente o indivíduo. Eu sempre usei meus aniversários como um momento para reflexão e contemplação sobre a direção de minha vida.

Se tentasse, é provável que eu pudesse lembrar-me de praticamente todos os meus aniversários, a partir dos cinco anos. Algumas lembranças, é claro, são mais pungentes do que outras. Na manhã de hoje muitas das imagens de comemorações passadas evocaram sentimentos de nostalgia e saudades de casa.

Em meu estado de depressão, deblaterei contra minha incapacidade de providenciar ordem e segurança para a vida de Simone. Mas bem no mais profundo de minha depressão, confrontada com a imensa incerteza que cerca nossa existência aqui, eu não desejaria realmente que Simone não estivesse aqui para experimentar viver comigo. Não, nós somos viajantes ligadas pelos mais profundos liames, mãe e filha, compartilhando o milagre de consciência que chamamos de vida.

Eu compartilhara de liame semelhante antes, não só com minha mãe e meu pai, como também com minha primeira filha, Geneviève. Bem… É espantoso que todas as imagens de minha mãe ainda se delineiam de modo tão incisivo em minha mente. Embora ela tenha morrido há 27 anos, quando eu tinha apenas dez, legou-me uma cornucópia de lembranças maravilhosas. Meu último aniversário com ela foi absolutamente extraordinário: nós três fomos a Paris de trem. Papai usava seu novo terno italiano e estava lindo. Mamãe optara por usar um de seus vestidos nativos brilhantes e multicoloridos. Com o cabelo arrumado em camadas, ela parecia a princesa Senoufo que fora antes de se casar com papai.

Jantamos em um restaurante sofisticado perto do Champs-Elysées, e depois caminhamos até um teatro onde vimos uma trupe negra executar um conjunto de danças nativas da África Ocidental. Depois do espetáculo tivemos permissão de ir aos camarins, onde mamãe me apresentou a uma das dançarinas, uma mulher alta e linda de excepcional negror. Era uma prima distante de mamãe, da Costa do Marfim.

Eu fiquei ouvindo a conversa das duas na língua tribal Senoufo, relembrando uns pedacinhos dos tempos de minha preparação para o Poro três anos antes, deslumbrando-me mais uma vez com o modo como o rosto de minha mãe sempre se tornava mais expressivo quando ela se via entre seu povo. Mas, por mais fascinada que me sentisse por toda aquela noitada, eu só tinha dez anos e teria preferido uma festa de aniversário normal, com minhas colegas de colégio.

Mamãe percebeu meu desapontamento quando viajávamos no trem de volta para nossa casa no subúrbio de Chilly-Mazarin. “Não fique triste, Nicole”, disse ela, “no ano que vem você pode ter uma festa. Seu pai e eu quisemos aproveitar esta oportunidade para lembrá-la um pouco mais da outra metade de sua herança cultural. Você é cidadã francesa e viveu toda a sua vida na França, mas parte de você é Senoufo pura, com raízes nos hábitos tribais da África Ocidental.”

Hoje cedo, ao relembrar as danses ivoiriennes executadas pela prima de mamãe e suas companheiras, imaginei por um momento, com o olhar da mente, entrar em um teatro lindo com minha filha Simone, de dez anos, a meu lado — mas a fantasia logo terminou. Não há teatros para além da órbita de Júpiter. Na verdade, todo o conceito de um teatro provavelmente jamais terá qualquer significação para minha filha. E isso me deixa perplexa.

Algumas de minhas lágrimas desta manhã caíram porque Simone jamais conhecerá seus avós, e vice-versa. Eles serão personagens mitológicos na trama de sua vida, e ela os conhecerá apenas por fotos e vídeos. Jamais terá a alegria de ouvir a espantosa voz de minha mãe. Nem jamais verá o suave e terno amor nos olhos de meu pai.

Depois que mamãe morreu, meu pai tomou o maior cuidado para fazer com que cada um de meus aniversários fosse muito especial. No décimo segundo, logo depois que nos mudamos para a villa em Beauvois, papai e eu caminhamos juntos sob a neve que caía pelos tratadíssimos jardins do Château de Villandry.

Naquele dia ele prometeu-me que estaria sempre a meu lado quando eu precisasse dele. Apertei mais a mão dele quando caminhamos ao longo das sebes.

Naquele dia eu também chorei, confessando a ele (e a mim também) o medo que tinha que ele também me abandonasse. Ele aconchegou-me contra o peito e beijou-me a testa. Jamais quebrou sua promessa.

Ainda no ano passado, no que agora parece ter sido em uma outra vida, meu aniversário começou em um trem de esquiadores perto da fronteira da França. Ainda continuava acordada à meia-noite, rememorando meu encontro com Henry no chalé na encosta do Weissfluhjoch. Não lhe havia dito, quando me perguntou indiretamente, que ele era o pai de Geneviève. Não lhe daria tal satisfação.

Mas lembro-me de ficar pensando, no trem, se era justo eu negar à minha filha o fato de seu pai ser o rei da Inglaterra. Serão meu auto-respeito e orgulho tão importantes que justifiquem impedir que minha filha saiba que é uma princesa? Eu estava remoendo a mesma indagação em minha mente, olhando sem ver a noite escura, quando Geneviève, como se atendendo a uma deixa, apareceu ao lado de meu leito. “Feliz aniversário, mamãe”, disse ela sorrindo.

Deu-me um abraço e quase que eu falei a respeito de seu pai. E o faria, estou certa, se soubesse o que iria acontecer na expedição Newton. Eu sinto sua falta, Geneviève. Queria que me tivesse sido permitido me despedir direito de você.

As lembranças são uma coisa muito esquisita. Hoje de manhã, em minha depressão, o fluxo de imagens de aniversários anteriores deu ênfase a minhas sensações de isolamento e perda. Agora, que estou me sentindo mais forte, saboreio as mesmas lembranças. Não me sinto mais tão terrivelmente triste por Simone jamais poder vivenciar o que conheci. Seus aniversários serão completamente diferentes dos meus, mas serão únicos para a vida dela. É meu privilégio e dever torná-los tão memoráveis e plenos de amor quanto me for possível.

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26 DE MAIO DE 2201

Há cinco horas uma série de acontecimentos extraordinários começou a ocorrer dentro de Rama. Estávamos sentados juntos, naquele momento, comendo nossa refeição noturna de carne assada, batatas e salada (como tentativa de nos convencermos de que o que estamos comendo é delicioso, temos nomes em código para cada uma das combinações químicas que obtemos dos ramaianos — sendo o nome em código aproximadamente derivado da espécie de nutrição ali oferecida, de modo que “carne assada” é rica em proteínas, “batatas” são basicamente carboidratos etc.) quando ouvimos um apito puro e distante. Todos nós paramos de comer e os dois homens se cobriram de roupas para subir à superfície. Quando o apito persistiu, eu agarrei Simone e minhas roupas pesadas, enrolei o bebê em inúmeros cobertores, e segui Richard e Michael para o frio lá fora.