É inconcebível para mim que os biomas tivessem acabado a instalação tão depressa. Há duas horas, o último deles, o louva-a-deus capataz, fez-nos um sinal (usando a “mão” no meio da sua “face”) para que inspecionássemos o novo espaço no início da tarde, depois subiu pesadamente a escada e desapareceu.
Richard disse que ele ficara em nossa toca até se certificar de que nós compreendêramos tudo.
O único objeto na nova sala é um tanque estreito e retangular que obviamente foi desenhado para nós. Ele tem lados de metal brilhante, de cerca de três metros de altura. Em cada extremidade há uma escada que leva até a borda do tanque. Uma plataforma-caminho corre ao longo do perímetro exterior do tanque, alguns centímetros abaixo da borda.
Do lado de dentro da estrutura retangular há quatro redes trançadas presas às paredes. Cada uma dessas criações fascinantes foi individualmente desenhada para cada membro de nossa família. As redes de Michael e Richard ficam a cada ponta do tanque; Simone e eu temos camas trançadas no centro, com a redinha dela bem ao lado da minha.
É claro que Richard já havia examinado todo o arranjo em detalhe. Porque o tanque tem uma tampa e as redes estão instaladas na cavidade, a um metro ou metro e meio do alto, ele concluiu que o tanque pode ser fechado quando então será provavelmente enchido com um fluido. Mas por que foi construído? Será que deveremos passar por alguma série de experiências planejadas? Richard tem a certeza de que estamos a ponto de sermos testados de algum modo, porém Michael acha que sermos usados apenas como cobaias é “incoerente com a personalidade ramaiana” observada até aqui. Tive de rir desse comentário.
Michael agora já conseguiu espraiar seu incurável otimismo religioso para englobar também os ramaianos. Ele sempre supõe, como o dr. Pangloss de Voltaire, que estamos vivendo no melhor de todos os mundos possíveis.
O louva-a-deus capataz tinha ficado por ali, observando do caminho em torno do tanque, até que cada um de nós efetivamente tivesse feito a experiência de deitar-se em sua rede. Richard ressaltou que muito embora as redes tivessem sido posicionadas em profundidades variadas ao longo das paredes, nós todos “afundaríamos” aproximadamente no mesmo nível quando ocupássemos nossas camas trançadas. A trama é ligeiramente elástica, lembrando o material das treliças que encontramos antes em Rama. Enquanto eu estava “testando” minha rede hoje à tarde, seu balanço lembrou-me tanto o medo quanto a euforia durante meu fantástico vôo com o arreio de treliça através do Mar Cilíndrico.
Fechando os olhos era fácil imaginar-me novamente sobre a água, suspensa debaixo das três grandes aves que me carregaram para a liberdade.
Ao longo da parede da toca, atrás do tanque do ponto de vista de nossa área de estar, há um conjunto de grossos canos ligados diretamente ao tanque.
Suspeitamos que seu objetivo seja o de conduzir algum tipo de fluido que irá encher o volume do tanque. Suponho que descubramos tudo muito em breve.
Então o que devemos fazer agora? Nós três concordamos que devemos apenas esperar. Sem dúvida, esperam que uma hora dessas passemos algum tempo naquele tanque. Mas supomos que seremos informados de quando será a hora certa.
10 DE JUNHO DE 2201
Richard tinha razão. Ficou certo de que o apito intermitente, de baixa freqüência de ontem, logo cedo, anunciava nova fase de transição da missão.
Sugeriu até mesmo que talvez devêssemos ir para o tanque e ficar preparados para tomar nossas posições nas redes individuais. Michael e eu discutimos com ele, insistindo em que não tínhamos nem de longe informações suficientes para tal conclusão precipitada.
Devíamos ter seguido os conselhos de Richard. Essencialmente, ignoramos o apito e prosseguimos com nossa rotina normal (se é que esse termo pode ser usado para nossa existência dentro de uma espaçonave de origem alienígena).
Cerca de três horas mais tarde, o louva-a-deus capataz apareceu repentinamente na porta de nossa sala principal e me deu um susto terrível. Ele apontou para o corredor com seus dedos esquisitos, deixando claro que devíamos seguir com certa pressa.
Simone ainda estava dormindo e não ficou nada contente quando eu a acordei. Estava também com fome, mas o louva-a-deus não permitiu que eu parasse para amamentá-la, de modo que Simone estava tendo acessos de choro quando fomos tangidos através da toca para o tanque.
Um segundo louva-a-deus estava à nossa espera no caminho que ladeia o tanque, segurando capacetes transparentes em suas estranhas mãos. Ele devia ser também o inspetor, pois não permitiu que descêssemos para nossas redes antes de verificar e ter a certeza de que os capacetes estavam corretamente colocados em nossas cabeças. O composto plástico ou vítreo que forma o capacete é notável; pode-se ver perfeitamente através dele. E as bases dos capacetes também são extraordinárias. São feitas de um composto grudento, meio borrachoso, que se adere muito firmemente à pele, criando um selo impermeável.
Fazia apenas trinta segundos que estávamos deitados em nossas redes quando um jato poderoso apertou para baixo os componentes trançados com tal força que afundamos até a metade do tanque vazio. Um momento depois, fios mínimos (que pareciam crescer do material das redes) envolveram os torsos de nossos corpos, deixando-nos livres apenas pernas, braços e pescoço. Dei uma olhada para Simone, para ver se estava chorando, mas tinha um vasto sorriso no rosto.
O tanque já começara a ser enchido com um líquido verde claro. Em menos de um minuto estávamos envolvidos pelo fluido. Sua densidade era muito próxima da nossa, pois ficamos meio flutuando na superfície até a tampa do tanque fechar-se e o líquido enchê-lo completamente. Embora eu julgasse pouco provável que estivéssemos correndo qualquer perigo real, fiquei assustada quando a tampa do tanque fechou-se por sobre nossas cabeças. Todos nós, afinal, somos ao menos um pouquinho claustrofóbicos.
Durante todo esse tempo a aceleração continuara. Por sorte, o interior do tanque não ficava inteiramente escuro. Havia pequenas luzinhas distribuídas pela tampa. Eu podia ver Simone a meu lado, seu corpinho pulando como uma bóia, e podia até ver Richard a distância. Ficamos dentro do tanque por um pouquinho menos de duas horas.
Richard estava excitadíssimo quando tudo acabou. Disse a Michael que por certo havíamos feito um “teste” para que vissem se poderíamos suportar forças “excessivas”.
“Eles não estão satisfeitos com as insignificantes velocidades que vínhamos experimentando até então”, informou-nos ele com entusiasmo. “Os ramaianos querem aumentar mesmo sua velocidade. Para fazê-lo, a espaçonave precisa ficar sujeita, por longos períodos, a forças-G de alto nível. Este tanque foi desenhado para fornecer-nos amortecedores suficientes para que nossa construção biológica possa assimilar ambientes inusitados.”
Richard passou o dia inteiro fazendo cálculos, e há poucas horas mostrounos sua reconstituição preliminar do “evento de aceleração” de ontem. “Olhem só isso!”, gritou, mal conseguindo conter-se. “Fizemos uma mudança de velocidade equivalente a setenta quilômetros por segundo, naquele breve período de duas horas. É uma coisa absolutamente monstruosa para uma espaçonave das dimensões de Rama! Estávamos acelerando a quase dez gês durante todo o tempo.” Depois ele riu. “Esta nave tem um modo de overdrive e tanto!”
Quando acabou o teste no tanque, inseri um novo conjunto de sondas de biometria em todos nós, inclusive Simone. Não notei até agora quaisquer reações inesperadas, pelo menos nada que detonasse um aviso, mas confesso que continuo um pouco preocupada com a maneira como nossos corpos reagirão a tais pressões. Há alguns minutos, Richard repreendeu-me. “Os ramaianos estão sem dúvida observando também”, disse ele, indicando que considerava a biometria desnecessária. “Creio que estão coletando seus próprios dados por intermédio daqueles fios.”