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LITANIA DOS VAMPIROS

Em nome de Satanás, espirito do mal, senhor das trevas — amém!

Satanás esteja conosco — amém!

E com o nosso espírito — amém!

Satanás, amaldiçoai-nos;

Príncipe das fornicações, amaldiçoai-nos;

Rei da Luxúria, amaldiçoai-nos;

Pai do Incesto, amaldiçoai-nos;

Satanás, que fazei com que

Os homens se destruam como feras, amaldiçoai-nos;

Serpente do Gênesis, amaldiçoai-nos;

Satanás, que moveste o braço de Caim, amaldiçoai-nos;

Protetor dos ladrões e assassinos, amparai-nos;

Ânfora de peçonha, ajudai-nos;

Mestre das Ciências Malditas, velai por nós;

Príncipe imenso dos espaços infinitos,

Matéria e Espírito,

Razão e Força, nós vos adoramos.

Satanás esteja conosco — Amém!

E com o nosso espírito — amém!

Terminou a missa demoníaca.

Sejam nossos poderes mágicos invioláveis

Em toda a superfície da terra,

Nas profundezas do mar,

E no espaço infinito. Amém! Amém! Amém!

PARA QUE OS VAMPIROS NÃO NOS INCOMODEM

Se sois perseguidos pelos vampiros, deveis limpar a cabeça de todo mau pensamento. Não penseis mal de ninguém; não faleis mal de ninguém, nem mesmo de vossos inimigos. Quando vos lembrardes de um morto, rezai três ave-marias. Não mostreis inquietação, porque bem pode ser que os vampiros não sejam realmente maus, ou então que desejam, e se não disserem, mandai-os com bons modos que vão para o lugar donde vieram. Eles irão, porque nada podem fazer com os vivos, exceto se estes se deixarem dominar por eles. Rezai um padre-nosso e uma ave-maria e atirai um pouco de incenso ao braseiro segurando na mão esquerda uma cruz de prata.

Outro processo consiste no seguinte: nos dias ímpares, rezai três ave-marias, e enquanto estiverdes rezando cravai um punhal de prata na cabeça de um alho.

Quinta Parte

O Estranho Caso de Mata Ulm numa cidadedezinha da Espanha

Este documento é uma declaração de amor. Jamais pensei que um dia pudesse ter que escrevê-lo, bem como jamais imaginei que poderia passar pelas experiências que o antecederam. Ainda não compreendo plenamente os fatos e suas relações entre si, apesar do enorme esforço de percepção a que fui obrigado a me submeter. O que consegui perceber nesse período crítico é um privilégio enorme, mas com um sacrifício de mesmas proporções. Na verdade, há muito tempo que não consigo separar as duas coisas, o prêmio e o esforço para consegui-lo. No entanto, os caprichos do destino nem sempre nos deixam escolher nossas provações. Talvez porque o Destino saiba que se deixar por nossa conta, seremos sempre condescendentes demais conosco mesmos. Gostaria de não reclamar, mas dessa vez acho que ele exagerou um pouquinho.

Ninguém precisa visitar o Horror com tanta intimidade. Mas agora eu sei o que é o Amor. Amo profundamente, pessoal e individualmente. Sem teorias, mitologias e fobias. Eu sou o amor. E amo a humanidade e os seres vivos. Na clausura da individualidade de meu ser esta experiência é pessoal e intransferível. Mas posso transforma-lo em algo maravilhoso para todos. Ainda há tempo. Espero com tudo que a Esperança pode ser, que este meu relato ultrapasse as outras muitas clausuras e censuras e atinja a muitos. Antes de tudo, preciso falar um pouquinho de mim mesmo. As omissões são absolutamente necessárias, pois o importante é a pesquisa, a compreensão e a transformação dos fatos ocorridos e não a identificação das pessoas envolvidas. Não que sejam todas inocentes, mas um levante de populações contra essas pessoas inevitavelmente provocaria desnecessários aborrecimentos, injustiças e derramamentos de sangue. Amo o Sol e a Vida, mas não posso esquecer das trevas, das sombras e da Morte, quando elas guiam turbas enfurecidas. Meu recado é sobretudo para o que existe de melhor em cada um, para regar essa semente que só pode das bons frutos. Usarei o pseudônimo de Flamínio de Luna.

Apesar de tudo, acho que ainda posso afirmar que sou um cidadão comum. Nasci numa cidadezinha da Espanha, próxima de Barcelona. Desde novinho foi muito fácil identificar em mim um temperamento fleumático, com tudo o que isto possa Ter de virtudes e desvantagens. Mas numa criança, essa característica sempre incomoda aos adultos. Principalmente na Espanha, onde uma criança que prefira brincar sozinha, seja mais quieta e sossegada enão fale tão rápido quanto seus coleginhas, deve ter vermes em grande quantidade ou então pode acabar se tornando um adulto um tanto passivo demais. Realmente, eu preferia mais observar do que participar. Apanhei muito. Não por invadir territórios dos meus colegas de brinquedo, mas por não resistir suficiente à inovação do meu território. Vi minhas bolas de gude serem levadas sem a menor cerimônia e meu caminhãozinho amarelo ser pisoteado por um rinoceronte enfurecido, o Pipocão. Para enfrentá-lo, só mesmo o Geremário, que felizmente era meu amigo. Este, admirável na sua agilidade longilínea, contrastada enormemente com Eustáquio, gordo e um tanto pachorrento. Tínhamos em comum, eu e Eustáqui, um temperamento calmo. Daí talvez nossa proximidade um tanto singular, pois eu era seu único amigo. Ele era um tipo que poder-se-ia chamar esquisito, trazia sempre o semblante um tanto carregado demais para um menino da sua idade. Tinha uma tendência a ficar deitado de bruços horas a fio, com um barbante aceso na mão direita, queimando uma por uma a fila de formiginhas que inteligentemente escolhera o canto da parede como passagem de suas tropas. Eustáquio as atacava sistematicamente com sua metralhadora de fogo.

Milhares de mortos. Com as maiores, ele fazia diferente. Empalava saúvas com agulhas bem finas, fazia com que elas se degolassem com as poderosas presas em forma de tesoura. Com outros grupos de saúvas aconteciam desastres pavorosos onde muitas morriam afogadas em um balde com água, outras eram incineradas em um prédio de caixa de papelão. Quem conseguisse se aproximar o suficiente de Eustáquio nesses movimentos de transe, poderia ouvi-lo sussurrando baixinho os gritos dos suplicados. Dali ele saía horas depois com uma cara um tanto aliviada e reacendendo a ácido fórmico. Com o passar do tempo suas vítimas foram se tornando cada vez maiores, gatos e pássaros. Até que o vi ajudando o pai a preparar um peru para a ceia de natal. Eles o embebedaram bastante e depois o soltaram no quintal. Então Eustáquio correu atrás dele com um facão afiado na mão e degolou-o de um só golpe, em movimento. A cabeça cortada mergulhou na poeira e me concentrei um segundo nela, sentindo meus próprios olhos a desagradável sensação da terra atrapalhando o piscar. O peru bêbado e acéfalo rodopiava e seu pescoço desgovernado ejaculava um caldo grosso, de um vermelho brilhante. A família ria.

De minha mãe herdei a calma e o temperamento passivo e observador. Ela tinha um pouco da imagem de Nossa Senhora e naqueles tempos elas eram prá mim quase que a mesma coisa, o mesmo sentimento, a mesma pessoa. Isso compensava a figura de meu pai, de um temperamento agressivo e autoritário. Ele se sentia bastante inferiorizado por não Ter conseguido nenhum diploma escolar e evidenciava isso de forma bastante desagradável quando suas bebedeiras o deprimiam suficientemente. Por vezes enveredava numa enfiada de maldições contra tudo e contra todos. No entanto outras vezes eu até gostava de ouvi-lo elaborar mais seu Espanhol para falar dos grandes homens, das grandes idéias políticas e das peripécias de um homem chamado Jesus. Nesses momentos seus olhos brilhavam e ele esquecia completamente sua condição de trabalhador braçal. Ele tinha uma predileção especial pelos nomes ligados às artes médicas e sempre citava um certo Samuel Hahnemann, que teria nascido em Meissen, na Saxônia em 1755. Eu gostava de vê-lo pronunciar «Hahnemann» corrigindo a postura e carregando na primeira sílaba. Ele sempre começava «O grande Samuel Hahnemann.» e na seqüência invariável viriam Hipócrates e Paracelso, até que ele se cansasse e fosse dormir. Para mim havia um tanto de magia naquilo tudo e ficava imaginando como teria sido a vida desses homens. Hoje já sei um pouco mais de tudo deles e, por influência dos discursos etílicos do meu pai ou não, tentei seguir o mesmo caminho e acabei me tornando um farmacêutico apaixonado pela Filosofia, pela Arte e pela História do Conhecimento.