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O fascínio que a natureza sempre me provocou hoje tem conteúdos bem mais elaborados intelectualmente. Mas perderam muito da espontaneidade original. Acho o resultado final compensador, mas sinto que jamais o cérebro superará o coração. Por mais que se conheça com técnicas sofisticadas a intimidade das plantas e o mecanismo de sua fisiologia, esse conhecimento jamais provocará em nós uma sensação mais intensa do que o cheiro fresco de uma moita de capim depois de uma tempestade. E esta experiência é tão subjetiva quanto a intuição. Na verdade a intuição me parece com o faro, em sua essência.

Está acesa, mas parece não estar. A gente nunca percebe que está respirando. Só quando aparece um cheiro característico, então o respirar se torna consciente. Se for cheiro de fumaça, por exemplo, dependendo da situação, pode significar fogo dentro de casa e todo nosso ser entra em estado de alerta. Com a intuição parece acontecer a mesma coisa. Uns a têm mais apurada, outros menos. No entanto, um farmacêutico jamais pode negligencia-la, sob pena de comprometer sua profissão. Pois a base de seu trabalho repousa no relacionamento humano. Tanto o relacionamento terapeuta/paciente quanto o relacionamento paciente/ambiente que o rodeia. E para o desenvolvimento da intuição é necessário tornar-se um poliglota e entender cada vez mais de todas as linguagens. Desde a de um vaso de Avenca que pede água a uma cadela com crias que diz «não se aproxime» com um simples olhar. Da corcunda contraída que caracteriza o asmático à cor amarelada do rosto nos que tem problemas intestinais. Infusões de castanheiro dos Alpes e Apeninos para o p0rimeiro e chá de sementes de abóbora para o segundo. Os feijões se parecem com os rins na forma e realmente sua relação é íntima. As folhas das plantas tem ramificações como os pulmões e realmente sua relação é íntima. Isto pode ser aprendido ou percebido intuitivamente. Mas a intuição é mais importante. O que não desmerece a escolástica. Pelo contrário. Ambos são profundamente necessários.

L’Autrec Laboratoires

Completei meus estudos superiores em Barcelona com grande dificuldade, como uma grande parte dos estudantes de minha época. Não podia depender do apoio de meus pais pobres, numa família com 7 filhos. No entanto, felizmente sempre encontrei amigos na mesma situação e nos incentivamos uns aos outros. Minha formatura foi um momento de glória para todos e nela tomei vinho junto com meu pai. O vinho tinha sido até então um símbolo de nosso distanciamento. ‘In vino veritas’. Depois de formado, fiquei num dilema enorme para escolher para onde ir trabalhar. O pai de um de meus colegas de escola, um certo Monsieur L’Autrec havia me convidade para trabalhar em sua rede de laboratórios recentemente montada em Toulouse. Eu me sentia dividido entre trabalhar em França ou em Gibraltar, que sempre me fascinou por ser um dedo mágico que suavemente toca o Continente Africano, sendo por isso mesmo um canal fantástico de energias trocadas entre civilizações milenares. Não gostaria nunca de voltar para minha cidade. Resolvi me estabelecer em Toulouse, com o risco de me aborrecer em pouco tempo com o fato de ser um estrangeiro que mal dominava o francês. As eternas especiarias de Giblaltar eu acabaria por conseguir no mercado local, provavelmente com uma atmosfera histórica menos intensa, mas com o risco do mercado pararelo. O futuro era para mim uma aventura.

A realidade se mostrou bastante mais rotineira do que os sonhos. A L’ Autrec Laboratoires era uma empresa interessada em lucros, como qualquer empresa. Apesar da afetividade que me ligava à família dos proprietários, a mecanicidade do serviço não me atraía muito. Mas eu aprendia cada vez mais e foi grande o fascínio que passaram a exercer sobre mim as inúmeras publicações e relatórios que sempre chegavam de todos os lugares. Isso cheirava a progresso e progresso estava muito em moda/ Só mais tarde eu pude ir sentindo que havia qualquer coisa de profundamente errada naquele comportamento progressista. Eu entendia e lidava pouco com política, mas intuitivamente podia perceber que a qualidade de vida das pessoas não estava sendo melhorada em nada. E que quanto maior o esforço e verbas aparentemente bem empregadas em pesquisas e trabalhos científicos, progrediam apenas os índices de desnutrição e doenças degenerativas. Passei a não ver, inclusive, muito sentido no meu próprio trabalho. Ms. L’ Autrec me confiou a chefia do laboratório de Hematologia de sua empresa, o que para um recém-formado podia ser um ótimo cargo. Mas pelo que pude observar no comportamento dos médicos, esses exames estavam contribuindo pouquíssimo na cura real das pessoas. Na verdade, mais tarde fui percebendo que a confiança nos laboratórios estava superando a confiança no próprio médico. Os médicos estavam se tornando incapazes de trabalhar sem os exames de laboratório. O grau de intuição de muitos que conheci tinha se reduzido a quase zero, a ponto de quando os exames não acusavam nada — o que é muito comum — eles ficarem sem saber o que fazer. Pude presenciar situações ridículas, onde o médico afirmava para o paciente que ele não tinha nada porque os exames não acusaram nada. E o paciente responder que tinha sim porque estava se sentindo muito mal, vomitando todo dia, incapaz de ficar de pé, etc. E mesmo assim anda continuei por alguns anos na L’Autrec Laboratoires, uma firma com centenas de vidrinhos e aparelhinhos capazes de definir o destino das pessoas muito mais do que seus próprios terapeutas ou elas próprias, mas sendo cegamente obedecida. E se tornando cada vez mais rica e poderosa para enganar-se à vontade, sem nenhum risco de punição, cercamento ou a menor advertência.

No entanto, talvez o sentimento de impotência com relação a uma situação tão deprimente onde eu era obrigado a chefiar um trabalho inútil e muito mal aproveitado em seus resultados me fez buscar então com muito mais cuidado outras soluções mais humanas para os problemas e sofrimentos humanos. Pude então pesquisar e aprender mais com o «grande Samuel Hahnemann» de que meu pai tanto falava. Paralelamente pude tomar contato com uma enorme quantidade de humanistas, pesquisadores e estudantes da Vida no Universo, que a tradição chama de Alquimistas e Ocultistas. Conheci muitas pessoas ligadas a essas tradições e confesso que nem todas eram boas e bem intencionadas. Mas isso acontece em todos os lugares. Nesse período meus pais vieram a falecer e eu fiquei cada vez mais afastado da minha terra natal e das plantas que tanto caracterizam a região dos Pirineus. Nunca fui um mago ou alquimista, mas o contato com seus documentos me foi muito enriquecedor. Através deles pude desenvolver de forma muito mais profunda minha visão da ciência em geral, principalmente da matemática. Gradativamente fui conseguindo uma independência cada vez maior do primeiro emprego e consegui montar uma farmácia modesta, onde passei a cultivar um círculo de amigos e clientes numa forma muito mais rica e humana. Fui então reduzindo meu período de trabalho na L’Autrec Laboratoires até poder ficar com a tarde e noite livres para minha farmácia e pesquisas individuais.