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Tomei de um bloco de notas gentilmente cedido pela Senhora Ana René, que de simples espectadora, passou a coadjuvante dos acontecimentos. E ele prosseguiu: «Para ser claro e direto, tudo indica que a pessoa que retém nas veias o sangue de cuja amostra foi concluído o exame que o Senhor examinou é um ser abominável, uma singularidade incompreensível, um aborto da natureza. Sua constituição inteiro contém todas as contradições de uma obra prima de imperfeição. Esta imperfeição é traduzida também no número 6. O 6 é o número imperfeito por excelência. As relações perfeitas na natureza são expressas no número 7, creio que o Senhor deve saber disso muito bem. As 7 no5tas musicais, 7 cores do arco-íris, o ciclo de 28 dias da Lua, sendo 28 um múltiplo de 7 que deu origem aos 7 dias da semana. Este número está também na íntima formaçào estrutural do ser humano. A altura da cabeça multiplicada por 7 dá a altura do indivíduo bem proporcionado. 1/7 é ainda a relação entre os componentes sódio/potássio do sangue humano. No entanto, nessa criatura a essência do número 7 foi substituída pelo número 6. Suas relações sangüíneas realmente tem como base 6,36 (que é o quadrado de 6) e 666. Se o Senhor somar os números de 1 a 36, obterá a soma 666.

A intimidade dessa criatura com o carbono também é muito grande, pois o carbono é o elemento de número atômico 6 na tabela periódica, sendo o elemento das matérias fósseis e carbonizadas. Sua relação astral é com a Lua, que tem enorme influência sobre o sangue de qualquer ser vivo. E o sangue é a essência viva que liga o espírito, a mente e o cérebro à parte física, o corpo com seus ossos e músculos. O elemento da Lua é a prata, de número atômico 47 e incompatível com o carbono, sendo mortal à criatura. Se o Senhor ainda se lembra, o elemento de número atômico 66 é o disprósio, da série dos lantanídeos, também chamados de «Terras Raras». Perdoe-me se estou desordenado na exposição de dados e informações, muitas das quais provavelmente o Senhor já esteja cansado de ouvir. Mas no momento é a melhor solução que me ocorre. Pois, Sr. Flamínio, tudo indica que estamos diante de um VAMPIRO».

Do Estranho Caso de Mata Ulm

O Dr. Paul René então pediu um dopo d’água, tomou um pouquinho e chamou a criada para recomendar-lhe que naquela noite não receberia mais ninguém. Em seguida descansou durante uns dez minutos e recomeçou a narrativa. «É necessário que eu conte a história desde o começo. Espero que você tenha paciência e atenção suficientes para captá-la no todo. Meu registro comprova minha nacionalidade francesa, mas eu nasci em Frankfurt, há 72 anos atrás. Nossa família foi obrigada a retirar-se às pressas da Alemanha quando eu tinha 15 anos, por problemas políticos da época. O fato mais marcante para mim, no entanto, não era o perigo da perseguição política da qual meu pai fugia, mas sim o fato de que eu estava então vivendo minha primeira e violenta paixão adolescente na figura de minha prima Mata Ulm. Ter que abandona-la foi para mim um duplo sofrimento solitário, pois os padrões morais e familiares da época jamais permitiriam um amor entre primos. Além de abandoná-la, eu teria que manter segredo eterno sobre nossa relação. Digo nossa relação, mas não tenho certeza se era ou não correspondido por ela em minha paixão. Eu a achava belíssima, com seus longos cabelos negros emoldurando aquele rosto suave e de traços finos. Mas ela mantinha sempre um ar ausente, onde nunca era possível identificar maiores emoções. Foi com esse ar ausente que a surpreendi na nossa primeira relação de cumpliciosa intimidade. Ela havia atingido naquele dia sua plena maturidade sexual. Eu entrava sorrateiramente no celeiro do sítio de seus pais, para tentar surpreender um outro pombo nos ninhos que eles construíram nas beiradas do telhado. Mata Ulm estava sentada num monte de feno, nua da cintura para baixo e com a cabeça entre as pernas recolhidas, olhando fixamente para a própria vagina. Eu me aproximei suavemente. Com o dedo indicador na mão direita ela acariciava delicadamente o clitóris. Isso automaticamente provocava contrações na vagina, que apertava os lábios cuspindo porções de uma gelatina vermelho escura. Eu perguntei o que era aquilo ela respondeu que era a mãe Natureza gritando de vontade de gerar filhos. Daí por diante, todo ciclo completado pela Lua, a natureza diria através do sangue se estava satisfeita ou não. Se estivesse, silenciaria por nove luas — ou três estações — e gritaria novamente através da boca de um novo ser, envolto em sangue e feito do seu sangue.

Carinhosamente então ela tomou meu pênis ereto e latejante entre as mãos e acariciou-o até que ele lhe doasse o meu sangue, que ela colheu e cuidadosamente misturou com o seu. Depois me beijou suavemente e voltou a contemplar abstrata sua gruta de mistério onde daí por diante os seres humanos iriam entrar e sair.

Faço este relato como preâmbulo do comportamento profundamente mágico e místico que marcaram a vida de minha prima. Este ato de consolação perpetrado por ela pode ser reencontrado na carta número 14 do Livro de Toth, chamada «A Temperança» e situada entre a Morte e o Diabo. No entanto, ela não parece ter tido sorte ou discernimento suficiente para se safar dos perigos que esses caminhos oferecem. Passamos cerca de 20 anos sem nos encontrarmos, apesar de nos correspondermos durante os cinco últimos desses vinte anos. O motivo de nosso encontro foi exatamente uma carta desesperada dela, pedindo que eu fosse urgentemente à Alemanha para ajudá-la a escapar da morte. Dizia então que não poderia contar maiores detalhes. Já residia em Munique e dizia estar sendo perseguida pelo Diabo. Sei que o que lhe digo pode estar parecendo uma montagem maluca, mas é a pura realidade. Fui então para a Alemanha e nosso encontro foi um tanto patético, em sua própria resistência. Ela ainda morava com os próprios pais, havia perdido o marido com uma doença não identificada e curiosamente até então não tinha conseguido gerar filhos. Sua loucura se acentuara enormemente a partir do encontro que havia tido com um frade dominicano que se interessara profundamente por ela a partir das confissões íntimas que ele lhe induzira a fazer dentro de um confessionário da Catedral de Munique. Ela dizia que o poder tanto pessoal quanto político desse frade é enorme. Entre outras coisas ele é capaz de hipnotizar e controlar pessoas com grande facilidade e colocá-las a seu serviço. A relação entre ambos se tornara tão absurda, que o frade havia lhe mostrado uma obra intitulada «Tractatus de Calcatione de Monum y Flagellum Haerecticorum Fascinorum», datada de 1458 e escrita por ELE MESMO! Ele tanto insistira queacabou por covencêla que ela teria sido Madeleine Bavent, irmã da Terceira Ordem Franciscana, membro do Convento de São Luís e Isabel em Louviers. Madeleine foi a figura principal de um famoso processo de bruxaria medieval repleto de cenas de mais dantesca heresia e blasfêmia. Foi queimada na fogueira junto com outras pessoas envolvidas no processo, mas o Inquisidor que dirigira os interrogatórios deixou documentos onde declarava que Madelaine não tinha sido suficientemente torturada. Por isso deveria ser perseguida em encarnações futuras, parapoder saldar completamente sua dívida. Para «ganhar o reino dos céus», teria que ser novamente «purificada pelo fogo». Ora, o famo9so processo de Louviers acontecera por volta de 1647, há cerca de 300 anos atrás! E o «Tractatus» do frade teria nada menos que uns 500 anos! No entanto, seu poder hipnótico tinha-a conduzido a viver numa para-realidade onde eram raros os momentos de lucidez. Num desses momentos ela pôde escrever a carta que eu recebera. O estado de minha prima era deplorável e eu já não conseguia identificar nela absolutamente nada daquela beleza que eu vira resplandecente nos meus quinze anos. Pelo contrário, seu olhar desvairado num semblante azulado de pele e ossos, com os lábios roxos e sempre trêmulos era insuportável por muito tempo. Enquanto ela falava, eu sentia um cansaço enorme me pesando as pálpebras e um sentimento amargo me apertando o peito. Uma vontade enorme de voltar para a França e apagar aquilo da memória de uma vez por todas. No entanto ela prosseguiu na narrativa e o que veio em seguida até hoje me gela até os ossos pela simples lembrança. O tal frade convenceu-a de que só havia uma possibilidade dela saldar definitivamente sua enorme dívida com relação à Santa Madre Igreja e continuar viva. Isso poderia ser feito com o oferecimento de um ‘cordeiro’ humano em sacrifício ritual. E esse cordeiro teria que ser seu próprio marido, o grande culpado histórico por tudo. Depois de alguns meses de argumentos e insistência ele convenceu-a a colocar em sua comida um veneno suave que minaria sua resistência gradativamente até que ele entraria em coma e seria enterrado como morto.[3] Assim fizeram os dois amantes, se é que se poderia chamar de amor a relação entre o frade e minha prima. Ela dizia que eles só se encontravam à noite e que ele sempre estava gelado e cheirando a mofo. Quando perguntei do que ela gostava nele, a resposta foi «não sei». Depois do enterro do marido, à noite eles se encontraram e on desenterraram. O cemitério ficava ao lado da Catedral de Munique, o que facilitava enormemente a tarefa dos dois. Levaram o corpo para os subterrâneos da Catedral, onde pela primeira vez ela pôde contemplar os instrumentos de tortura da Inquisição Medieval. O frade então acendeu todas as velas e amarrou-a numa cadeira pesada de madeira, para que ela pudesse assistir ao espetáculo. Em seguida pendurou o corpo do marido pelos pés e colocou diante de seu nariz um vidrinho destampado e contendo um líquido esverdeado.[4] O homem pendurado acordou repentinamente e começou a gritar. O frade então entrou em coro com ele e começou a correr e gargalhar em torno do corpo, colocando-o para rodar no ar com safanões. Em determinada altura, o frade pendurou-se no homem, cravou seus dentes na garganta e juntos balançavam urrando terrivelmente. Seus berros ecoavam pelas abóbadas de pedra da masmorra e só eram interrompidos quando o frade se engasgava com os borbotões de sangue que jorravam da ferida. Em uma das vezes que conseguiu abrir os olhos, Mata Ulm pode observar que o sacerdote tinha colado o seu corpo ao corpo do seu marido na mesma posição dependurada e isto lhe lembrou a posição dos morcegos nas cavernas. Depois de algum tempo o frade soltou-se satisfeito e babando pegou um vaso onde coletou cuidadosamente os últimos litros de sangue da ‘ovelha’ pendurada e agonizante. Esperou ainda algum tempo para que todo o sangue escoasse e desceu o corpo que em seguida foi esquartejado e colocado a defumar em uma enorme lareira em espetos compridos de ferro. Ela assistiu a tudo em estado catatônico até ouvi-lo dizer mansamente «por muito tempo não precisaremos nos preocupar com carne, querida.» Ela desmaiou e quando acordou pareciam Ter passado séculos, mas se sentia estranhamente bem. O toque suave de sua mãe com o café da manhã a havia despertado. O luto amargo da genitora lhe deu a certeza de que o marido realmente morrera, mas e o resto? Seria um pesadelo ou teria acontecido realmente?

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3

Um veneno capaz de induzir o estado de Catalepsia costuma ser utilizado pelo Vodu, principalmente no Haiti.

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4

N. do C. Geralmente, na prática Vodu, esses vidros contêm substâncias que exalem um forte mal cheiro, como a amônia.