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No centro do quarto, em um catre dos mais estranhos que já vi estava o corpo de um homem de idade impossível de ser avaliada, pois qualquer dos referenciais que normalmente utilizamos para deduzir a idade, nele eram como os de um ser de outro planeta, que tanto pode ter 50 quanto 200 anos. É a única forma que encontro para expressar o que vi. Tentei comportar-me normalmente. Ele dormia profundamente. Quando a vista ficou mais acostumada à escuridão, pude constatar que ele trajava o hábito dos monges dominicanos.

Tomei cuidadosamente seu pulso. Não pulsava. Então perguntei à jovem se ele estava vivo. Ela disse que sim, mas que ele havia desmaiado mais uma vez, pois estava extremamente enfraquecido.[5] Sugeri então a ela que eu necessitaria urgentemente de um exame de sangue dele e imediatamente abri minha maleta e coletei material suficiente. Tomei o bloco de pedidos e perguntei a ela o nome do tio. «Nicholas Jacquier», ela respondeu. No entanto, me espírito científico só teria certeza absoluta de que realmente se tratava do famigerado padre vampiro após o resultado do exame hematológico. Então pedi à garota que levasse o exame em seu laboratório, que entrega no mesmo dia e com o qual tenho convênio. Em seguida ela deveria trazer imediatamente em meu consultório o resultado. O resto você sabe, pois ela arrumou outra confusão ao pegar o exame. O que na verdade foi um incidente providencial que te trouxe até aqui. Fiquei no consultório, esperando que ela voltasse. Só que ela é uma das escravas do padre, seu nome é Sibila e não sabe tomar decisões sem consultá-lo. Como eu não lhe dei tempo de falar com ele (que só acorda à noite), ela desesperou-se e tentou me eliminar.»

Dito isto, o Dr. Paul René levantou a camisa e mostrou-me a barriga enfaixada e ensangüentada.

Fora esfaqueado violentamente e não sabia se teria condições de resistir aos ferimentos. Poucos colegas seus sabiam da realidade dos fatos. E nenhum sabia da existência de um vampiro por traz de toda a trama. Ele perdera a grande oportunidade de acabar com a fera. Havia inclusive já preparado o material para empreender o trabalho quando Sibila voltasse com o exame. A tarefa é enormemente facilitada durante o dia, enquanto dormem e perdem as forças. À noite, no entanto, a coisa se complica bastante. Principalmente em noites de Lua Cheia. Em seguida o Dr. Paul pediu à esposa que buscasse o material que havia me prometido e ainda conversamos longamente sobre o conteúdo dos mesmos. Deu-me inclusive o endereço onde havia encontrado a besta humanóide, mas ambos sabíamos que sería inútil procurar novamente no mesmo local.

Mesmo assim, eu iria para, quem sabe, encontrar algum indício. Fiquei distraído folheando os documentos, e em determinada altura resolvi fazer outra pergunta ao Dr. Paul. Quando ele não respondeu meu chamado, sua expressão suavemente sorridente e tranqüila me deu a certeza: estava morto. Do outro lado da cama, sua esposa fez um estranho sinal com uma das mãos apontando para o céu e a outra para a terra e deitou-se junto dele. Nesse momento, saí para tomar providências. O relógio marcava dez horas da manhã.

Diante do espelho negro

O enterro do Dr. Paul René foi muito concorrido. Era uma pessoa extremamente benquista. Durante as cerimônias fúnebres tive a oportunidade de fazer contato com diversos de seus amigos mais íntimos.

Antoine Didier me reconheceu e veio me cumprimentar. Ao perceber que estávamos distanciados dos outros, sussurrou-me «você não está só». Instintivamente olhei para a viúva, Senhora Ana René e percebi que ela nos observava atentamente de sob o véu negro que lhe cobria o rosto. Pude então sentir claramente a presença de uma rede de apoio que me foi muito confortante. Mas na verdade, eu teria que inevitavelmente correr riscos bastante sérios sozinho. O mais imediato seria visitar a casa onde o vampiro tinha sido visto pela última vez. Apesar da urgência, não gostaria de enfrentar tal empreitada desarmado. Recorri então ao que me foi possível reunir de informações, exorcismos, objetos mágicos e um facão afiado e rumei para a casa na tarde do dia seguinte ao enterro. Antes disso, no entanto, entreguei uma carta para a Senhora Ana René com todas as informações precisas de como recuperar todo o material que eu e seu marido havíamos coletado e que agora estava em lugar seguro, em caso de meu desaparecimento ou morte.

Cheguei à casa por volta das quinze horas. Como eu esperava, ninguém veio atender quando bati na porta. Rodei a maçaneta e ela abriu-se. Entrei cuidadosamente. Não encontrei nada do ambiente lúgubre descrito por meu amigo. A casa estava vazia e limpa. Cheguei a relaxar e suspirar desanimado. Meu primeiro grande erro. Um peso enorme desabou sobre meus ombros, vindo não sei de onde, enquanto uma gargalhada histérica ressoava pelo ambiente. Levei alguns segundos até perceber que era Sibila, a jovem assistente do vampiro me atacando de surpresa. Caímos ambos ao chão e ela rolou até o canto da sala. Levantou-se ainda gargalhando histericamente. Estava completamente nua e com uma força e elasticidade fantástica! Encarei-a nos olhos, tentando compreender o que faria a criatura em seguida. Meu segundo grande erro.

Imediatamente fiquei fascinado por aquele olhar. Suas pupilas negras possuíam um magnetismo irresistível, seus olhos eram os olhos mais lindos que jamais eu tinha visto. Ela se aproximou ondulando seu corpo macio e sorrindo docemente. À distância de dois palmos de mim, pude sentir o cheiro delicioso que seu corpo exalava, uma composição extremamente excitante onde o calor da vagina sequiosa se sobrepõe e é capaz de eliminar qualquer traço de razão no objeto direto de sua sede. Então ela estendeu a mão, abriu minha camisa, retirou delicadamente o crucifixo que eu trazia no pescoço e substituiu-o por um outro colar que eu via desfocado como sendo de contas brancas, pois não conseguia desviar os olhos de seu rosto. Ela sorria.

Quando as contas geladas tocaram minha pele, senti um pouquinho de desconforto e voltei rapidamente o olhar para o peito. Era um colar de dentes. Dentes humanos!

O choque me fez plenamente consciente por um instante e tentei rapidamente arrancar o colar do pescoço, mas ele não saiu. Arranquei então rapidamente do facão da cintura e parti para cima da criatura à minha frente. Ela havia se afastado dois passos, uma distância ideal para mim. Vibrei violentamente o facão em direção ao seu pescoço e consegui acertar em cheio! A cabeça separada do corpo rodopiou no ar e caiu rolando pelo chão, indo parar num dos ângulos da sala. Numa fração de segundo focalizei-a e a imagem se confundiu com a da cabeça do peru do Eustáquio e eu ouvi novamente as gargalhadas de sua família com a ejaculação sangrenta da ave bêbada. Meu terceiro erro. Nesta fração de segundo o corpo da mulher correu em direção à cabeça e suas mãos pegaram-na, levantando-a à altura do peito e caminhando em direção a mim. Foi então que ouvi a música. Uma música que mexia com todo o meu ser e vibrava cada célula de meu corpo, tornando-o cada vez mais leve. Sentia-me flutuar ao som de acordes que jamais havia ouvido semelhantes. O cheiro intenso da mulher parecia ter tomado a sala toda e a única coisa que realmente passou a me importar foi a possibilidade de me unir a ela de todas as formas possíveis. Vi o facão ensangüentado caindo suave e ondulantemente como uma pluma, para ser em seguida levado pelo vento de nossos movimentos para um canto da sala. Dançávamos separados. Ela ondulava os quadris e fazia movimentos com aquela cabeça entre as mãos diante do meu rosto enquanto eu rasgava minhas próprias roupas, na pressa de acompanha-la. A cabeça sorria e a língua vermelha e ágil fazia movimentos como os de uma serpente me provocando. Finalmente ela colocou a cabeça no lugar — deitou-se com as pernas abertas e me chamou. Meu desejo e a necessidade dela eram mil vezes mais intensos que meus desejos de adolescente. Neste momento pude perceber que sexualmente tinha sido um sonâmbulo até então. Meu sexo sempre tinha sido um lugar que quando excitado me chamava a atenção. Agora meu sexo era minha consciência e meu coração latejante dentro dele. Minhas pernas, meus braços e minha boca eram apenas tentáculos como os de um polvo que buscam avidamente o alimento para o centro faminto e desesperado. «Vem, não tema que nada no Universo te negará por isso!» Saltei sobre ela e vi meu corpo solto boiando suavemente no espaço e descendo também vagarosamente em direção àquele ventre que, arqueado, oscilava profundamente com a respiração disparada pela força máxima do ato de criação da vida. Um vórtice violentíssimo de energia partindo da região genital tomou-me todo e comecei a ejacular antes de qualquer contato físico com ela. Quando nossos corpos se encontraram vi um relâmpago vermelho iluminar toda a sala e o rosto dela transformar-se no rosto do Dr. Paul René. Beijei-o gulosamente, bebendo do sangue que escorria de sua boca. Então compreendi a fonte de energia que tinha alimentado nas últimas horas aquele ser que naquele momento eu amava e no qual me desintegrava. Estava num orgasmo contínuo. No fundo da música ouvia o riso dela enquanto seu rosto assumiu diversas formas. Masculinas, femininas, jovens e velhas. Depois vieram alguns animais e eu os lambia carinhosamente. As folhas e flores e eu cherei e comi. Algumas pedras engoli. Então ela me afastou suavemente e me girou no espaço. Minha ejaculação contínua, bombeada pelo coração alucinado já não tinha tempo para as transmutações fisiológicas e expelia diretamente um sangue vivo e brilhante. As gotas elásticas ficavam ondulando no espaço como se estivessem dentro d’água. Ela brincou por alguns instantes de pescálas com a boca, antes de tomar meu pênis entre os lábios e sugar diretamente na fonte. Gradativamente comecei a me esgotar e uma sonolência suave me arrastava aos poucos para a inconsciência total. Havia em mim um sentimento de plenitude. Quem está pleno não precisa mais lutar. Quem está pleno não quer mais lutar. Suavemente então fui deixando meu corpo deslizar em direção à superfície do espelho negro. Quando toquei-o com os dedos o colar no meu pescoço rapidamente apertou o laço e os dentes compuseram uma enorme boca em torno da garganta. A violência da mordida me fez reunir as últimas forças para tentar sair. Já era impossível. A última coisa que ouvi longe foi o grito angustiado de Antoine Didier, o terapeuta do Dr. Paul.

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5

Esta é uma descrição clássica do estado de catalepsia.