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— Eu quero que seja monótono e desinteressante — rebateu Rincewind, com azedume. — Meu medo é que seja curto.

— Vire-se — ela pediu, entrando num beco.

— Nem por decreto — ele objetou.

— Vou tirar a roupa.

Rincewind deu meia-volta, o rosto vermelho. Ouviu um leve ruge-ruge e sentiu um sopro de perfume. Depois de um tempo, ela disse:

— Pode olhar.

Não olhou.

— Não se preocupe. Vesti outra.

Ele abriu os olhos. A menina usava um recatado vestido branco de renda, com mangas encantadoramente bufantes. Ele abriu a boca. Notou com grande clareza que, até então, o problema havia sido simples e modesto. Nada de que não pudesse escapar, se tivesse uma boa chance, ou, se isso não acontecesse, com uma boa corrida. O cérebro começou a enviar mensagens urgentes a correr pelos músculos, mas, antes que eles pudessem reagir, a garota já tinha lhe agarrado o braço outra vez.

— Você realmente não deveria ficar tão nervoso — observou com doçura. — Agora, vamos dar uma olhada nisso.

Ela removeu a tampa da caixa redonda, que se encontrava nos braços de Rincewind, e retirou o chapéu de arqui-reitor.

As octarinas em torno da copa cintilavam nas oito cores do espectro, criando, no beco enevoado, o tipo de efeito que demandaria um diretor de efeitos especiais muito talentoso e toda uma série de filtros para que fosse realizado por meios que não envolvessem mágica. Quando ela o suspendeu no ar, o objeto criou uma nebulosa de cores própria que muito poucas pessoas chegam a ver em circunstâncias lícitas.

Rincewind caiu de joelhos.

Ela o fitou, intrigada.

— Cansaço nas pernas?

— E… é o chapéu! O chapéu de arqui-reitor! — exclamou Rincewind, com a voz rouca. Os olhos se comprimiam. — Você o roubou! — gritou, voltando a se levantar e tentando pegar a aba brilhante.

— É só um chapéu.

— Passe para mim, agora mesmo! Mulher não pode encostar nele! Pertence aos magos!

— Por que você está tão nervoso? — surpreendeu-se.

Rincewind abriu a boca. Rincewind fechou a boca. Ele queria dizer: “É o chapéu de arqui-reitor, entende? É usado pelo cabeça de todos os magos, bem, na cabeça do cabeça de todos os magos, não, metaforicamente é usado por todos os magos, pelo menos em tese, e é ao que todo mago aspira, é o símbolo da magia organizada, o ponto alto da carreira, um símbolo, que significa para todos os magos…”

E assim por diante. Rincewind fora avisado sobre o chapéu no primeiro dia de Universidade, e aquilo havia se afundado em sua mente impressionável feito peso de chumbo em gelatina. Ele não tinha certeza de muita coisa nesse mundo, mas estava certo de que o chapéu de arqui-reitor era importante. Talvez até os magos precisassem de um pouco de magia na vida.

Rincewind, chamou o chapéu.

Ele encarou a garota.

— Falou comigo!

— Como uma voz na sua cabeça?

— É.

— Também falou comigo.

— Mas sabia meu nome!

É claro, idiota. Afinal de contas, somos um chapéu mágico.

A voz do chapéu não era apenas aveludada. Tinha, também, um estranho efeito de coral, como se diversas vozes falassem ao mesmo tempo, em uníssono quase perfeito.

Rincewind se aprumou.

— Ó grande e maravilhoso chapéu — disse, cheio de pompa —, acabe com essa menina insolente, que teve a audácia, mais que isso, a…

Ah, cale a boca. Ela nos roubou porque ordenamos que o fizesse. E foi coisa rápida.

— Mas ela é… — começou Rincewind, e então vacilou. — Ela é do sexo feminino… — sussurrou.

Sua mãe também.

— E, bem, mas ela fugiu antes de eu nascer — murmurou Rincewind.

De todas as tavernas infames da cidade, você tinha de entrar na dele, reclamou o chapéu.

— Foi o único mago que achei — respondeu a garota. — Parecia direito. Tinha “Mago” escrito no chapéu e tudo o mais.

Não acredite em tudo que lê. Bem ou mal, agora é tarde. Não temos muito tempo.

— Espere aí, espere aí — apressou-se em intervir Rincewind. — O que está acontecendo? Você quis que ela o roubasse? Por que não temos muito tempo? — Ele apontou um dedo acusatório para o chapéu. — De qualquer maneira, você não pode sair por aí se deixando roubar, deveria estar na… na cabeça do arqui-reitor! A cerimônia era hoje à noite, eu deveria estar lá…

Vem acontecendo algo terrível na Universidade. E vital que não voltemos para lá, entende? Vocês precisam nos levar para Klatch, onde existe alguém digno de nos usar.

— Por quê?

Havia algo muito estranho na voz, decidiu Rincewind. Parecia impossível desobedecê-la, como se fosse o próprio destino. Se ela o mandasse atravessar um despenhadeiro, ele estaria a meio caminho do chão quando lhe ocorresse desobedecer.

A morte de todos os magos está próxima.

Rincewind olhou à volta, a consciência pesada.

— Por quê? — indagou.

O mundo vai acabar.

— De novo?

Estou falando sério, irritou-se o chapéu. A vitória dos Gigantes do Gelo, o Apocralipse, a Hora do Chá dos Deuses, essa coisa toda.

— Podemos impedir?

O futuro é incerto nesse ponto.

A fisionomia horrorizada de Rincewind serenou aos poucos.

— É um enigma? — perguntou ele.

Talvez fosse mais fácil se você apenas fizesse o que estamos pedindo e não tentasse entender tudo, sugeriu o chapéu. Moça, por favor, coloque-nos de volta à caixa. Em breve muita gente estará nos procurando.

— Ei, espere aí — insistiu Rincewind. — Há anos eu o vejo por aí, e você nunca falou.

Não havia nada a ser dito. Rincewind assentiu. Parecia razoável.

— Ponha isso logo na caixa e vamos dar o fora — propôs a garota.

— Senhorita, um pouco mais de respeito — pediu Rincewind, cheio de orgulho ferido. — Você está falando do símbolo da magia dos magos.

— Então você leva — decidiu ela.

— Ei — chamou Rincewind, arrastando-se atrás da menina, que só se deteve depois de atravessar algumas vielas, cruzar uma rua estreita e entrar num beco entre duas casas de tal modo inclinadas que os andares superiores chegavam a se tocar.

— O quê? — perguntou ela, afinal.

— Você é o ladrão misterioso, não é? — quis saber. — Todos andam falando de você, de como roubou coisas de lugares impossíveis e tal. Você é diferente do que imaginei…

— Ah — soltou ela. — Como?

— Bem, é… mais baixa.

— Ora, vamos.

Os lampiões de rua, não exatamente comuns naquela parte da cidade, ali acabavam por completo. Não havia nada adiante, além da escuridão absoluta.

— Eu disse vamos — repetiu. — De que está com medo?

Rincewind respirou fundo.

— Assassinos, assaltantes, bandidos, malfeitores, ladrões, facínoras, espancadores, estupradores, duelistas e vândalos — respondeu ele. — Você está entrando nas Sombras![7]

— E, mas ninguém vai entrar aqui para nos procurar — ela argumentou.

— Ah, vão entrar, sim, só não vão sair — respondeu Rincewind. — Nem nós. Quer dizer, mulher bonita como você… nem é bom pensar… as pessoas daqui…

— Mas eu terei você para me proteger — alegou.

Rincewind imaginou ouvir barulho de passos algumas ruas distante.

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7

O boletim do Grêmio dos Mercadores de Ankh-Morpork, Bem-vindus a Ankh-Morporke, Cidadi di Mil Surpresas, descreve a área de Morpork chamada de “As Sombras” como “uma redi folclórica de becus velhos e ruas pitorescas, ondi animação e romanci si incontram im cada isquina e ondi si podem ouvir us tradicionais gritus di rua e também u risu dus cidadões qui cuidam di seus negócios”. Em outras palavras: nós avisamos.