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— Quantas pessoas você acha que existem neste continente? — perguntou.

— Sei lá — respondeu Conina, sem se virar. — Milhões?

— Se eu fosse inteligente, não estaria aqui — resmungou Rincewind.

Eles estavam em Al Khali, porta de entrada a todo o misterioso continente de Klatch, havia várias horas. O mago começava a padecer.

Qualquer cidade decente deveria ter um pouco de neblina, considerou, e as pessoas deveriam viver dentro de casa, em vez de passar o dia inteiro nas ruas. Não deveria haver tanta areia e calor. Quanto ao vento…

Ankh-Morpork era famosa pelo cheiro, tão cheio de personalidade que poderia reduzir um homem forte às lágrimas. Mas Al Khali tinha o vento, soprando da vastidão dos desertos e continentes próximos à borda. Era uma brisa suave, mas não parava, e acabava surtindo o mesmo efeito nos visitantes que um ralador de queijo num tomate. Depois de um tempo, parecia ter nos arrancado a pele e açoitado os nervos.

Às narinas sensíveis de Conina, trazia mensagens aromáticas do coração do continente, compostas de frio do deserto, fedor de leão, estéreo das selvas e gases de gnus.

Rincewind, evidentemente, não sentia o cheiro de nada. A adaptação é algo maravilhoso, e a maioria dos morporkianos não conseguiria sentir cheiro de colchão de pena queimado a um metro e meio de distância.

— Para onde, agora? — indagou. — Para algum lugar longe do vento?

— Meu pai passou algum tempo em Khali, quando estava em busca da Cidade Perdida de Ee — observou Conina. — E lembro que falou muito bem do soak. E um tipo de bazar.

— Imagino que baste a gente procurar pela barraca de chapéus usados — ironizou Rincewind. — Porque a idéia toda é completamente…

— O que eu esperava é que talvez fôssemos atacados. Parece o plano mais sensato. Meu pai disse que pouquíssimos estrangeiros que entravam no soak saíam. Tem uns tipos assassinos por lá.

O mago refletiu sobre o assunto.

— Você pode repetir, por favor? — pediu. — Depois que falou que deveríamos ser atacados, parecia ter uma campainha no meu ouvido.

— Bem, nós queremos achar os criminosos, não queremos?

— Não exatamente queremos — reagiu Rincewind. — Não é o verbo que eu teria escolhido.

— Como você diria, então?

— Hã… Acho que a expressão “não queremos” resume muito bem a situação.

— Mas você concordou que deveríamos recuperar o chapéu!

— Sem morrer no percurso — protestou. — Não faria bem a ninguém. Pelo menos, não a mim.

— Meu pai sempre disse que morrer não é nada além de dormir — argumentou Conina.

— É, o chapéu falou isso — admitiu Rincewind, ao dobrarem uma rua estreita e abarrotada, entre muros brancos de barro. — Mas, no meu modo de ver, fica bem mais difícil acordar de manhã.

— Olhe aqui — disse Conina. — Não há perigo. Você está comigo.

— E, e você está ansiosa para ir, não está? — perguntou Rincewind acusadoramente, enquanto Conina os conduzia por um beco sombrio, com o séqüito de empreendedores púberes no seu encalço. — E o velho heridiatário em jogo.

— Cale a boca e se finja de vítima.

— Sei fazer isso muito bem — disse, afastando um membro do Conselho Infantil do Comércio particularmente teimoso. — Tenho muita prática. Pela última vez, eu não quero comprar ninguém, menino infeliz!

Desanimado, olhou para os muros à volta. Pelo menos, ali não havia nenhuma daquelas imagens perturbadoras, mas a brisa quente ainda soprava poeira ao redor, e ele já estava farto de ver areia. O que queria mesmo eram duas cervejas geladas, um banho frio e uma muda de roupas limpas. Nada disso, provavelmente, o faria sentir-se melhor, mas ao menos faria com que se sentir péssimo fosse mais agradável. Não que ali houvesse cerveja. Era engraçado, mas, em cidades frias como Ankh-Morpork, a bebida consagrada era a cerveja, que nos gela o corpo, e, em lugares como aquele, onde o céu inteiro era um forno de porta aberta, as pessoas tomavam pequenas bebidas viscosas que deixavam a garganta em brasa. E a arquitetura era toda errada. E havia estátuas nos templos que, bem, simplesmente não convinham. Aquilo não era lugar para um mago. Obviamente, possuíam a alternativa local — encantadores, ou qualquer coisa parecida, mas não o que se pode chamar de boa magia…

Conina seguia na frente, cantarolando para si mesma.

Você gosta dela, não gosta? Dá para sentir, disse uma voz na cabeça dele.

Ah, inferno, pensou Rincewind. Não é minha consciência de novo, é?

Sua libido. Está um pouco entulhado, aqui. Você não limpou, desde minha última visita.

Olhe, vá embora. Eu sou um mago! Os magos são guiados pela cabeça, não pelo coração!

Mas recebi os votos das suas glândulas, e elas dizem que o coração está em minoria.

É, só que ele tem o voto de Minerva.

Ah! E o que você pensa. Seu coração não tem nada a ver com isso. Aliás, não passa de um órgão muscular que aciona a circulação do sangue. Mas, vejamos… Você gosta dela, não gosta?

Bem… titubeou Rincewind. Gosto, pensou, hã…

Ela é ótima companhia, hein? Bela voz…

Bem, claro…

Gostaria de passar mais tempo com ela?

Bom… Com alguma surpresa, Rincewind se deu conta de que sim, gostaria. Não que estivesse completamente desabituado à companhia de mulheres, mas isso sempre parecia trazer problemas, e era fato conhecido de todos que fazia mal à proficiência mágica. Embora ele tivesse de admitir que sua proficiência mágica, equivalendo aproximadamente à de um martelo de borracha, já era tosca o bastante.

Então você não tem nada a perder, salientou a libido, num tom de pensamento meloso.

Foi nesse momento que Rincewind deu falta de uma coisa importante. Levou algum tempo para perceber o que era.

Ninguém tentava lhe vender nada havia vários minutos. Em Al Khali, isso provavelmente significava que a pessoa estava morta.

Ele, Conina e a Bagagem encontravam-se a sós, num beco comprido e escuro. Dava para ouvir a balbúrdia da cidade à distância, mas à volta não havia nada além de um vigilante silêncio.

— Eles saíram correndo — disse Conina.

— Vamos ser atacados?

— Talvez. Três homens vêm nos seguindo pelos telhados.

Rincewind olhou para cima quase no mesmo instante em que três homens, vestidos com mantos negros esvoaçantes, surgiram à frente. Quando olhou ao redor, outros dois apareceram da esquina. Todos os cinco traziam longas espadas recurvas e, embora a metade inferior dos rostos se encontrasse coberta, era quase certo que estivessem rindo com malícia.

Rincewind bateu com força na tampa da Bagagem.

— Mate — ordenou.

A Bagagem permaneceu imóvel durante algum tempo e, depois, arrastou-se para o lado de Conina. Parecia ligeiramente orgulhosa e, Rincewind notou, enciumado, um tanto constrangida.

— Ora, sua… — rosnou, e deu-lhe um chute — … sua maleta.

Rincewind aproximou-se da menina, parada com um sorriso meditativo no rosto.

— E agora? — perguntou. — Vai oferecer a todos um permanente rápido?

Os homens se avizinharam mais. Ele notou que só estavam interessados em Conina.

— Não estou armada — disse ela.

— O que aconteceu com o legendário pente?

— Deixei no navio.

— Não tem nada aí?

Conina mudou ligeiramente de posição, a fim de manter o maior número de homens possível em seu campo de visão.

— Duas presilhas — respondeu, com o canto da boca.