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A oscilação era maior na direção de Ankh-Morpork, onde raios e chafarizes de ar contorcido indicavam que a luta não havia abrandado. Uma coluna semelhante erguia-se sobre Al Khali. Rincewind se deu conta de que não era a única.

Aquilo não era uma torre sobre Quirm, onde o Mar Círculo desembocava no grande Oceano Periférico? E havia outras.

Tudo ia de mal a pior. A magia dos magos se dissolvia. Adeus Universidade, níveis e ordens. No fundo do coração, todos os magos sabiam que o número natural da magia dos magos era 1. As torres se multiplicariam e brigariam até sobrar apenas uma delas. Daí os magos lutariam até que restasse somente um.

A essa altura, ele certamente lutaria consigo mesmo.

Toda a estrutura que funcionava como estabilizadora da magia estava ruindo. Rincewind sentia-se péssimo. Nunca havia sido bom em mágica, mas a questão não era essa. Ele conhecia o seu lugar. Era no fundo, lá embaixo, mas pelo menos tinha o seu lugar. Podia erguer os olhos e ver toda a delicada máquina funcionar, suavemente absorvendo a magia natural gerada pela rotação do Disco.

Tudo que ele tinha não era nada, mas era alguma coisa. Agora, lhe tiravam aquilo.

Rincewind voltou o tapete para o brilho distante de Ankh-Morpork, que não passava de um pontinho cintilante à luz da manhã, e uma parte de sua mente, que não vinha fazendo nada, perguntou-se por que estaria tão claro. Também parecia haver lua cheia, e até Rincewind, cujo conhecimento de ciências naturais era bastante vago, estava certo de que houvera lua cheia poucos dias antes.

Bem, não importa. Chega! Ele não tentaria entender mais nada. Apenas voltaria para casa.

Só que mago nunca volta para casa.

Esse é um dos antigos ditados que mago algum jamais conseguiu entender. Eles não podiam ter esposas, mas podiam ter pais, e muitos voltavam para a cidade natal na noite de Reveillon dos Porcos, ou na Quinta-Feira Tamanca, para cantar um pouco e ver todos os valentões da infância tratando de evitá-los na rua.

É como o outro ditado que nunca conseguiram entender, que diz que não se cruza o mesmo rio duas vezes. Experiências com um mago de pernas compridas e um rio estreito revelaram que é possível cruzar o mesmo rio 30, 35 vezes por minuto.

Os magos não gostam muito de filosofia. No que lhes diz respeito, é possível aplaudir com uma única mão, mas o som sai pela metade.

Neste caso em particular, porém, Rincewind não podia voltar para casa porque ela não estava mais lá. Havia uma cidade cortada pelo Rio Ankh, mas o mago jamais havia deitado olhos nela. Era branca, limpa e não cheirava a latrina cheia de arenques mortos.

Em estado de choque, ele pousou no que outrora fora a Praça das Luas Partidas. Havia chafarizes. É claro que, antes, também havia chafarizes, mas eles apenas gotejavam, e a água parecia sopa rala. O chão, agora, era composto de lajes leitosas, com partículas brilhantes. E, embora o sol estivesse no horizonte como uma metade de laranja, quase não havia ninguém ali. Em geral, Ankh estava sempre abarrotada, e a cor do céu era mero detalhe de fundo.

Longas espirais de fumaça desprendiam-se da coroa fumegante, acima da Universidade. Era o único movimento no local, além dos chafarizes.

Rincewind sempre sentira orgulho do fato de estar só, no meio da cidade apinhada, mas era muito pior se sentir só quando se estava de fato sozinho.

Enrolou o tapete, botou-o no ombro e avançou, por entre ruas assombradas, em direção à Universidade.

O portão estava aberto, ao sabor do vento. Grande parte do prédio parecia arruinada por disparos perdidos e ricochetes. A torre da fonticeria, alta demais para ser de verdade, parecia ilesa. Não era o caso da antiga Torre de Arte. Metade da magia destinada à torre vizinha parecia ter repercutido nela. Pedaços haviam derretido.

Algumas partes fulguravam, outras tinham se cristalizado. Outras pareciam ter se torcido para além das três dimensões normais. Fazia a gente sentir pena das pedras por sofrerem aquele tipo de tratamento. Na verdade, havia acontecido quase tudo com a torre, menos o colapso propriamente dito. Ela estava tão devastada que parecia que até a gravidade tinha desistido dela.

Rincewind suspirou e contornou a base da torre, em direção à biblioteca.

Em direção ao lugar onde, um dia, havia sido a biblioteca.

Lá estava o arco do vão da porta, e a maior parte das paredes ainda se encontrava de pé, mas o teto havia caído e tudo estava preto de fuligem.

Rincewind limitou-se a olhar durante algum tempo.

Largou o tapete e correu, tropeçando no entulho que quase bloqueava a entrada. O chão de pedras ainda estava quente. Aqui e ali, restos de alguma estante ardiam em chamas.

Rincewind corria para a frente e para trás, por entre os montes reluzentes, subindo desesperadamente neles, jogando longe móveis carbonizados, livrando-se dos pedaços de teto caído com força menos que sobre-humana.

Parou uma ou duas vezes para recuperar o fôlego, mas logo mergulhava novamente nos escombros, cortando as mãos em cacos de vidro da cúpula do telhado. Ele parecia soluçar.

Por fim, os dedos ávidos tocaram uma coisa quente e macia.

O mago jogou para o lado uma viga queimada do telhado, avançou aos trancos por uma porção de azulejos partidos e olhou para baixo.

Naquele local, meio esmagado pela viga e queimado pelo fogo, havia um grande cacho de bananas maduras.

Com muito cuidado, pegou uma das frutas, sentou-se e olhou-a durante um bom tempo. Então, comeu-a.

— Não deveríamos tê-lo deixado ir assim — disse Conina.

— Como poderíamos impedir, ó formosa águia dos olhos de corça?

— Ele pode fazer uma besteira!

— Isso é bem provável — ironizou Creosoto.

— Enquanto a gente mostra que é inteligente e fica aqui nessa praia quente sem nada para comer nem beber. É isso?

— Você poderia me contar uma história — sugeriu Creosoto, tremendo ligeiramente.

— Cale a boca.

O xerinfe correu a língua pelos lábios.

— Imagino que uma piadinha rápida esteja fora de questão? — insistiu.

Conina suspirou.

— A vida é mais do que narrativa, sabia?

— Desculpe. Perdi o controle.

Agora, com o sol alto, a praia de conchas esmigalhadas reluzia como uma salina. O mar não tinha melhor aspecto à luz do dia. Movia-se feito óleo.

Para ambos os lados, a praia estendia-se em longas curvas planas, sem apresentar nada, além de uns poucos tufos de grama seca que viviam da umidade vaporizada. Não havia nem sinal de sombra.

— Estamos numa praia — observou Conina. — E, na minha opinião, isso significa que, mais cedo ou mais tarde, vamos dar num rio. Tudo que temos de fazer é seguir em uma direção.

— Por outro lado, adorável neve das encostas do Monte Eritor, não sabemos qual.

Nijel suspirou e enfiou a mão na bolsa.

— Hã — disse. — Desculpe. Será que isso aqui não pode ajudar? Eu roubei. Sinto muito.

Ele estendeu a lâmpada que estava no depósito de tesouros.

— E mágica, não é? — perguntou, cheio de esperanças. — Já ouvi falar. Não vale a pena tentar?

Creosoto sacudiu a cabeça.

— Mas você disse que o seu avô a usou para fazer fortuna! — protestou Conina.

— Uma lâmpada — advertiu o xerinfe. — Usou uma lâmpada. Não esta. A lâmpada verdadeira era um objeto velho, amassado. Um dia, surgiu um vendedor ambulante malvado, oferecendo lâmpadas novas em troca de velhas, e minha bisavó trocou-a por esta aí. A família guardou-a no cofre como uma espécie de recordação dela. Uma mulher terrivelmente burra. É claro que não funciona. — Já tentou?