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— Oi — leu Nijel, em voz alta. — Não largue a lâmpada, seu pedido é muito importante para nós. Por favor, deixe seu desejo depois do sinal e, em breve, será uma ordem. Enquanto isso, tenha uma boa eternidade. — Ele acrescentou: — Acho que o gênio está realmente sobrecarregado.

Conina não disse nada. Estava olhando a tempestade escaldante de magia. De vez em quando, parte dela se desprendia e voava para alguma torre distante. A menina estremeceu, apesar do calor crescente do dia.

— Temos de chegar lá o mais depressa possível — alertou. — É muito importante.

— Por quê? — indagou Creosoto.

Uma taça de vinho não havia lhe restaurado a antiga natureza despreocupada.

Conina abriu a boca e — o que era bem incomum para ela — fechou-a novamente. Não havia como explicar que todos os genes de seu corpo a impeliam adiante, afirmando que ela deveria participar. Visões de espadas e bolas cheias de pontas presas a correntes não paravam de invadir os salões de beleza da sua consciência.

Nijel, por outro lado, não sentia nenhum desses ímpetos. Tudo de que dispunha para movê-lo adiante era a imaginação, mas ele a tinha o bastante para impulsionar um navio de guerra de tamanho médio. Mirou a cidade com o que teria sido, caso tivesse queixo, uma fisionomia de determinação.

Creosoto deu-se conta de que estava em desvantagem.

— Tem bebida lá? — perguntou.

— Muita — respondeu Nijel.

— Não está mal para começar — avaliou o xerinfe. — Tudo bem, avante, ó filha dos seios de pêssego…

— E chega de poesia.

Eles se desembaraçaram da moita e desceram a encosta até a estrada que, pouco adiante, passava pela taverna mencionada acima ou, como Creosoto insistia em chamá-la, caravançará.

Hesitaram em entrar. O lugar não parecia querer clientes. Mas Conina, que por educação e criação costumava verificar os fundos das casas, achou quatro cavalos amarrados no quintal.

Os três examinaram os animais com atenção.

— Seria roubo — advertiu Nijel.

Conina abriu a boca para concordar, e as palavras “Por que não?” lhe escaparam dos lábios. Ela deu de ombros.

— Talvez devêssemos deixar algum dinheiro — sugeriu Nijel.

— Não olhem para mim — alarmou-se Creosoto.

— Ou escrever um bilhete e deixar debaixo das rédeas. Ou qualquer coisa assim. Vocês não acham?

À guisa de resposta, Conina montou no cavalo maior, que parecia pertencer a um soldado. Havia armas penduradas por todos os lados.

Sem jeito, Creosoto subiu no segundo cavalo, um baio arisco, e suspirou:

— Ela está com cara de caixa de correio — avisou. — Eu faria o que está mandando.

Desconfiado, Nijel estudou os outros dois cavalos. Um deles era imenso e extremamente branco — não o branco amarelado da maioria dos cavalos, mas um branco ebúrneo e translúcido, a que Nijel sentiu vontade inconsciente de chamar de “sudário”. Também lhe deu a nítida sensação de ser mais inteligente do que ele.

Escolheu o outro. Era um pouco magro, mas dócil. E o rapaz conseguiu montar depois de apenas duas tentativas.

Eles partiram.

O barulho dos cascos mal chegou a penetrar na escuridão da taverna. O dono do local se movimentava como em sonho. Sabia que tinha clientes, havia até conversado com eles e podia mesmo vê-los sentados em torno da mesa próxima à lareira. Mas, se lhe pedissem que descrevesse com quem havia conversado ou o que tinha visto, teria ficado desorientado. Isso se dá porque o cérebro humano é excelente para bloquear coisas de que não quer saber. Naquele momento, o dele poderia guardar um cofre de banco.

E as bebidas! Da maioria delas, ele nunca tinha ouvido falar, mas as garrafas surgiam nas prateleiras, sobre os barris de cerveja. O problema era que, sempre que tentava pensar no assunto, as idéias se perdiam…

Os vultos em torno da mesa ergueram as cartas.

Um deles levantou a mão. Fica na extremidade do braço e tem cinco dedos, disse a mente do dono da taverna. Deve ser mão.

Uma coisa que o cérebro dele não conseguia bloquear era o som das vozes. Aquela ali soava como se alguém estivesse batendo em pedra com uma barra de chumbo.

— PESSOA DO BAR.

O dono da taverna soltou um gemido. As lanças térmicas do pânico abriam caminho nas portas de aço de sua mente.

— VEJAMOS. ESSE ERA… COMO SE CHAMA, MESMO?

— Bloody mary.

Aquela voz fazia um mero pedido de bebidas parecer declaração de guerra. — AH.É. E…

— O meu era martini — disse Peste.

— UM MARTINI.

— Com azeitona.

— ÓTIMO — mentiu a voz pesada. — PARA MIM, UM VINHO DO PORTO E — ele fitou o quarto membro do grupo e suspirou — É MELHOR VOCÊ TRAZER OUTRA TIGELA DE AMENDOIM.

A cerca de trezentos metros dali, os ladrões de cavalos tentavam se acostumar à nova experiência.

— Sem dúvida, uma viagem tranqüila — arriscou Nijel, afinal.

— E uma vista gloriosa — concordou Creosoto, a voz perdida no vento.

— Mas eu continuo me perguntando — argumentou Nijel — se fizemos a coisa certa.

— Estamos andando, não estamos? — irritou-se Conina. — Deixe de ser chato.

— Só que, bem, ver essas nuvens… esses cúmulos de cima, é…

— Cale a boca.

— Desculpe.

— De qualquer maneira, são estratos. No máximo, estratos-cúmulos.

— Entendo — disse Nijel, com tristeza.

— Faz alguma diferença? — perguntou Creosoto, que se encontrava deitado sobre o pescoço do cavalo, de olhos fechados.

— Uns trezentos metros.

— Ah.

— Talvez duzentos e cinqüenta — admitiu Conina.

— Ah.

A torre da fonticeria vibrava. Fumaça colorida corria pelos cômodos abobadados e corredores reluzentes. Na grande sala do cume, onde o ar estava denso, escuro e cheirava a lata queimada, vários magos haviam desmaiado por causa do simples esforço mental da luta. Mas muitos resistiam. Estavam sentados num grande círculo, concentrados.

Era possível ver o tremor da fonticeria em estado bruto saindo da vara, nas mãos de Coin, e lançando-se para o centro do octograma.

Formas bizarras surgiam por um instante, e depois desapareciam. Ali, o tecido da própria realidade era passado a ferro.

Carding estremeceu e afastou o olhar, com medo de acabar vendo alguma coisa que realmente não pudesse ignorar.

Os magos sêniores sobreviventes tinham um simulacro do Disco flutuando à sua frente. Quando Carding voltou a olhá-lo, o pequeno brilho vermelho sobre a cidade de Quirm cintilou e se apagou.

O ar rangeu.

— Lá se vai Quirm — murmurou Carding.

— Agora, só falta Al Khali — disse um dos outros.

— Ali há muito poder.

Taciturno, Carding assentiu. Sempre gostara muito de Quirm, que era… que havia sido uma cidadezinha deliciosa, banhada pelo Oceano Periférico.

Lembrou vagamente a ocasião em que fora levado para lá, quando pequeno. Por um instante, contemplou o passado com tristeza. Havia gerânios silvestres, recordou, enchendo as ruas inclinadas de perfume almiscarado.

— Crescendo nas paredes — comentou, em voz alta. — Rosa. Eram rosa.

Os outros magos lançaram-lhe olhares melindrados. Um ou dois, de tendência particularmente paranóica, até mesmo para os padrões de um mago, olharam desconfiados para as paredes.

— Você está bem? — perguntou um deles.

— Hum? — disse Carding. — Ah. Sim. Desculpe. Estava longe daqui.

Ele se voltou para Coin, que se encontrava sentado no círculo com a vara apoiada sobre os joelhos. O menino parecia dormir. Talvez estivesse. Mas, no fundo de sua alma atormentada, Carding sabia que a vara não dormia. Ela o observava, testava sua mente.