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Por um instante, os lábios de Coin mexeram-se em silêncio.

— Você está querendo dizer que a magia atrai essas criaturas? — perguntou, afinal.

A voz parecia muito diferente. Faltava a agressividade. A vara pairava sobre o corpo caído de Carding, girando vagarosamente. Todos os magos mantinham os olhos cravados nela.

— Parece que sim — respondeu Hakardly. — Quem estuda o assunto diz que a presença delas se faz ouvir por um rumorejo enrouquecido.

Coin pareceu confuso.

— Elas zumbem — esclareceu um dos outros magos.

O menino ajoelhou e examinou Carding de perto.

— Ele está muito parado — observou. — Tem alguma coisa de ruim acontecendo com ele?

— Talvez — respondeu Hakardly, com cautela. — Ele está morto.

— Eu gostaria que não estivesse.

— Imagino que ele seja da mesma opinião.

— Mas posso ajudá-lo — lembrou Coin.

O menino estendeu as mãos, e o bastão voou para elas. Se tivesse rosto, a vara teria sorrido.

Quando Coin tornou a falar, a voz novamente apresentava a inflexão fria e distante de alguém falando em cômodo revestido de aço.

— Se o fracasso não tivesse penalidades, o sucesso não seria um prêmio — disse.

— O quê? — perguntou Hakardly. — Não entendi.

Coin deu meia-volta e retornou para a cadeira.

— Não podemos temer nada — disse, e parecia mais uma ordem. — O que tem de mais nesse Calabouço das Dimensões? Se nos incomodarem, acabamos com as tais criaturas! Mago de verdade não tem medo de nada! Nada! Levantou-se novamente e avançou para o simulacro do mundo. A imagem era perfeita em todos os detalhes, até no que se referia ao fantasma de Grande A Tuin, seguindo devagar pelas profundezas interestelares, a alguns centímetros do chão.

Com desdém, Coin agitou a mão.

— Nosso mundo é mágico — declarou. — E existe alguém neste mundo que possa fazer frente a nós?

Hakardly achou que se esperava uma resposta dele.

— Ninguém — arriscou. — Fora os deuses, é claro.

Instaurou-se um silêncio mortal.

— Deuses? — murmurou Coin.

— Bem, é. Evidentemente. A gente não desafia os deuses. Eles fazem o trabalho deles, nós o nosso. Não tem por que…

— Quem governa o Disco? Os magos ou os deuses?

Hakardly pensou rápido.

— Ah, os magos. É claro. Mas sob a lei dos deuses.

E terrível quando metemos um pé no pântano. Mas não é tão terrível quanto enfiar o outro pé, e também ouvi-lo afundar. Hakardly prosseguiu.

— A magia é…

— Então, não somos mais poderosos do que os deuses? — admirou-se Coin.

Alguns dos magos, no fundo da sala, começaram a mudar de posição.

— Bem, sim e não — respondeu Hakardly, agora afundado até os joelhos.

A verdade era que os magos ficavam nervosos em relação aos deuses. As criaturas que habitavam Cori Celesti jamais haviam deixado claro o que pensavam da magia, que, afinal de contas, incluía certa divindade, e os magos evitavam o assunto. O problema dos deuses era que, se não gostavam de alguma coisa, não se limitavam apenas a enviar sinais. Por isso, o senso comum sugeria ser imprudente deixá-los em posição de ter de tomar alguma decisão.

— Parece existir um pouco de dúvida — considerou Coin.

— Se eu puder consultar… — começou Hakardly.

Coin agitou a mão. As paredes sumiram. Os magos estavam no alto da torre, e todos os olhos se voltaram ao pico distante de Cori Celesti, morada dos deuses.

— Quando já vencemos todo o mundo, só falta lutar com os deuses — observou Coin. — Alguém aqui já viu os deuses?

Ouviu-se um coro de negativas hesitantes.

— Então, vou mostrá-los a vocês.

— Meu camarada, ainda há tempo para mais uma — disse Guerra.

Peste vacilou.

— A gente precisa ir — murmurou, sem muita convicção.

— Ah, qual é?

— Então só meia. Depois a gente vai.

Guerra deu-lhe um tapa nas costas e olhou para Fome.

— Também é melhor pedir mais quinze sacos de amendoim — acrescentou.

— Oook — concluiu o bibliotecário.

— Ah — disse Rincewind. — Então o problema é a vara.

— Oook.

— Ninguém tentou tirá-la do fonticeiro?

— Oook.

— E o que aconteceu com eles?

— Eeek.

Rincewind soltou um gemido.

O bibliotecário havia apagado a vela, porque a chama vinha incomodando os livros. Mas, agora que Rincewind se acostumara com a escuridão, notou que não estava nem um pouco escuro. O leve brilho octarina dos livros enchia o interior da torre de uma coisa que, embora não fosse exatamente luz, era um breu no qual se podia enxergar. De vez em quando, ouvia-se a agitação de folhas.

— Portanto, basicamente, não há jeito de derrotá-lo com a nossa magia. E isso?

O bibliotecário oookou com tristeza e continuou girando no chão.

— Mas então é inútil. Você já deve saber que não sou muito prendado no departamento mágico. Qualquer duelo vai se dar nos termos de “Oi, eu sou Rincewind”, seguido de um bum.

— Oook.

— O que você está dizendo é que estou completamente sozinho.

— Oook.

— Obrigado.

Com a iluminação deles próprios, Rincewind observou os livros, que haviam se enfileirado junto às paredes da velha torre.

Suspirou, e marchou animado para a porta, mas reduziu a velocidade notadamente ao alcançá-la.

— Então estou indo — disse.

— Oook.

— Para enfrentar não se sabe quais perigos terríveis — acrescentou Rincewind. — Para arriscar minha própria vida, em prol da humanidade…

— Eeek.

— Tudo bem, dos bípedes…

— Au, au.

— … e quadrúpedes.

Ele olhou o vidro onde estava o Patrício, um homem arruinado.

— E dos lagartos — corrigiu. — Posso ir agora?

Um vendaval soprava do céu claro quando Rincewind saiu em direção à torre da fonticeria. As altas portas brancas estavam de tal modo fechadas que mal se divisava seu contorno na superfície leitosa da parede de pedras.

Ele bateu na madeira, mas não aconteceu nada. As portas pareciam absorver o som.

— Maravilha — murmurou para si mesmo. Depois, lembrou-se do tapete.

Estava no mesmo lugar em que o havia deixado, o que era outro sinal de que Ankh havia mudado. Nos dias de gatunagem, anteriores à vinda do fonticeiro, nada permanecia no mesmo local durante muito tempo. Pelo menos, nada que fosse considerado interessante.

Ele desenrolou a peça no chão, e os dragões dourados estenderam-se outra vez contra o fundo azul — a menos que fossem dragões azuis voando num céu dourado.

Sentou-se.

Levantou-se.

Sentou-se novamente, ergueu o manto e, com alguma dificuldade, tirou uma das meias. Depois, voltou a calçar a bota e andou um pouco entre os destroços até achar meio tijolo. Meteu o meio tijolo na meia e girou-a no ar.

Rincewind havia sido criado em Morpork. Numa briga, o que todo cidadão de Morpork gostava de ter a seu dispor era vantagem de vinte a um, mas, não sendo este o caso, meia com meio tijolo e beco escuro, em geral, eram considerados mais seguros do que qualquer espada mágica.

Ele se sentou de novo.

— Para cima — ordenou.

O tapete não obedeceu. Rincewind examinou o desenho, então levantou uma ponta do tapete e tentou ver se o lado inferior era mais nítido.

— Tudo bem — reconheceu. — Para baixo. Com muita, muita calma. Para baixo.

— Ovelha — resmungou Guerra. — Era ovelha.