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Ele deixou a cabeça bater no balcão, com um tinido. Suspendeu-a novamente.

— Ovelha.

— Não era — argumentou Fome, erguendo o dedo fino e vacilante. — Era outro animal domésss… manso. Tipo porco. Bezerro. Talvez gato. Assim. Não era ovelha.

— Abelha — arriscou Peste, e escorregou suavemente da cadeira.

— Tudo bem — disse Guerra, ignorando-o. — Então mais uma vez. Do início.

Ele bateu no copo, em busca do tom certo.

— Somos pequenos… animais domésticos não identificados… que perderam o rumo… — cantou, com a voz trêmula.

— Mééémééé — murmurou Peste, no chão.

Guerra sacudiu a cabeça.

— Não é igual — lamentou. — Não sem ele. Ele mandava bem no grave.

— Mééémééé — repetiu Pestilência.

— Ah, fique quieto — pediu Guerra, estendendo o braço para outra garrafa.

A ventania açoitava o alto da torre: um sopro quente e desagradável, que uivava com vozes estranhas e roçava a pele como lixa fina.

No centro de tudo, Coin erguia a vara por sobre a cabeça. Enquanto a poeira tomava conta do ambiente, os magos viam os fios de força mágica verterem do nada.

Os fios curvaram-se para formar uma grande bolha, que cresceu até ficar, quem sabe, maior do que a cidade. E surgiram vultos nela. Eram volúveis e indistintos, oscilando pavorosamente como imagens em espelho torto. Tão substanciais quanto anéis de fumaça ou desenhos de nuvem, mas pareciam terrivelmente familiares.

Por um instante, surgiu o focinho dentado de Offler. Num átimo da tempestade, apareceu Cego Io, o chefe dos deuses, com seus olhos orbitantes.

Coin mexeu os lábios, e a bolha começou a encolher. Ela se arqueava e produzia movimentos obscenos, à medida que as criaturas de seu interior lutavam para sair, embora não conseguissem deter a contração.

Agora, estava pouco maior do que o campus da Universidade.

Agora, era pouco mais alta do que a torre.

Agora, era o dobro da altura de um homem normal, e cinza.

Agora, era uma pérola iridescente, do tamanho de… bem, do tamanho de uma pérola grande.

A ventania havia desaparecido, substituída por um silêncio pesado. O próprio ar gemia de tensão. A maioria dos magos estava deitada no chão, mantida ali pelas forças soltas que engrossavam a atmosfera e abafavam o som, como um monte de penas, mas todos ouviam seu próprio batimento cardíaco, alto o suficiente para derrubar a torre.

— Olhem para mim — ordenou Coin.

Eles voltaram os olhos para o menino. Não havia como desobedecer.

O garoto segurava o objeto brilhante numa das mãos. Na outra, sustentava o bastão, que desprendia fumaça das pontas.

— Os deuses — anunciou ele. — Aprisionados num pensamento. E, talvez, jamais tenham passado de um sonho.

A voz ficou envelhecida, grave.

— Magos da Universidade Invisível, então não dei o poder absoluto a vocês?

Atrás de Coin, o tapete erguia-se lentamente, junto à torre, com Rincewind tentando manter o equilíbrio. Os olhos do mago estavam arregalados por causa do medo que vem naturalmente quando se está sentado num pedaço de pano a vários metros do chão.

Ele saltou da peça voadora para a torre, rodando a meia em movimentos amplos e perigosos.

Coin o viu refletido no olhar assombrado dos magos ali reunidos. Virou-se com cuidado, e observou o intruso avançar, aos trancos, em sua direção.

— Quem é você? — perguntou.

— Vim desafiar o fonticeiro — respondeu Rincewind. — Cadê ele?

E examinou o grupo de magos, segurando o meio tijolo na mão.

Hakardly arriscou olhar para cima e mexer as sobrancelhas para Rincewind, que, mesmo nas melhores circunstâncias, não era muito bom em interpretar qualquer comunicação que não fosse verbal. Aquela não era a melhor circunstância.

— Com uma meia? — surpreendeu-se Coin. — De que adianta uma meia?

O braço que segurava a vara se ergueu. Ligeiramente aturdido, Coin olhou o próprio membro.

— Não, pare — pediu. — Quero falar com esse homem.

O menino encarou Rincewind, que oscilava sob a influência de sono, medo e efeitos colaterais de uma overdose de adrenalina.

— Ela é mágica? — indagou. — Seria a meia de um arqui-reitor? Uma meia de poder?

Rincewind concentrou-se nela.

— Acho que não — respondeu. — Acho que a comprei numa loja. Hum. Tenho outra por aí.

— Mas existe alguma coisa pesada na ponta.

— Ah, sim — disse Rincewind. E acrescentou: — E meio tijolo.

— Mas isso tem muito poder.

— Hã… Dá para botar coisas sobre ele. Se tivéssemos outra metade, seria um tijolo inteiro.

Rincewind falava vagarosamente. Estava assimilando a situação por uma espécie de osmose hedionda, e avistava a vara, girando ameaçadoramente na mão do menino.

— Sei. É um tijolo comum, dentro de uma meia. O todo transformado em arma.

— Hum. É.

— Como funciona?

— Hum. A gente roda, e acerta alguma coisa. Ou o dorso da mão, às vezes.

— E, então, talvez destrua a cidade? — insistiu Coin.

Rincewind mirou os olhos dourados de Coin, depois a meia.

Já havia botado e tirado aquela peça uma centena de vezes. Ela possuía cerziduras que ele conhecia, e odor… bem, conhecia. Algumas das cerziduras já tinham até formado família. Havia inúmeras descrições que se aplicariam à meia, mas aniquiladora-de-cidades não era uma delas.

— Não exatamente — respondeu, afinal. — Mata as pessoas, mas deixa os prédios.

A mente de Rincewind vinha operando na velocidade da migração dos continentes. Parte dela dizia que ele estava diante do fonticeiro, mas esta se encontrava em conflito direto com outras partes. Rincewind já ouvira falar muito no poder do fonticeiro, na vara do fonticeiro, na maldade do fonticeiro, e assim por diante. A única coisa que ninguém havia mencionado era a idade do fonticeiro. Ele fitou a vara.

— E isso, faz o quê? — perguntou, devagar.

A vara interveio:

Mate este homem.

Os magos, que, com cuidado, vinham se levantando, trataram de se estirar no chão novamente.

A voz do chapéu era pavorosa, mas a voz da vara era metálica e exata. Não parecia dar conselho, apenas afirmar como seria o futuro. Era impossível ignorá-la.

Coin começou a suspender o braço e hesitou.

— Por quê? — perguntou, afinal.

Não desobedeça.

— Você não tem de fazer isso — apressou-se a intervir Rincewind. — É só um objeto.

— Não vejo por que machucá-lo — argumentou Coin. — Ele parece tão inofensivo! Como um coelho nervoso.

Ele nos desafia.

— Eu, não — desmentiu Rincewind, ocultando nas costas a mão com a meia, e tentando ignorar a parte do coelho.

— Por que tenho de fazer tudo que você manda? — rebelou-se Coin. — Sempre faço tudo o que você manda, e isso não ajuda a ninguém.

As pessoas devem temê-lo. Será que não aprendeu nada do que ensinei?

— Mas ele é tão engraçado! Tem uma meia — comentou Coin.

O menino soltou um grito e sacudiu o braço. Os cabelos de Rincewind se arrepiaram.

Você vai fazer o que estou mandando.

— Não vou.

Você sabe o que acontece com os meninos que não se comportam. Houve um estalo e um cheiro de carne chamuscada. Coin caiu de joelhos.

— Ei, espere aí… — começou Rincewind.

Coin abriu os olhos. Ainda estavam dourados, mas salpicados de castanho.

Rincewind girou a meia num arco amplo, que atingiu o meio da vara. Houve uma breve explosão de pó de tijolo e lã queimada, e o bastão saltou da mão do garoto. Os magos dispersaram-se quando a vara rolou pelo chão.