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Sombras, ele disse a si mesmo. Apenas sombras. A porta dos fundos rangeu quando alguém ou algo lá fora tentou abri-la à força. A boca de Rand ficou seca. Um estrondo sacudiu a porta em seu caixilho e o fez se apressar; ele escorregou pela janela como uma lebre entrando na toca, e se agachou encostado à lateral da casa. Lá dentro, a madeira se estilhaçou com o som de um trovão.

Rand forçou-se a se levantar um pouco e espiar o lado de dentro, só com um dos olhos, só no canto da janela. No escuro ele não conseguia enxergar muita coisa, no entanto o que via já era mais do que realmente queria ver. A porta pendia torta das dobradiças, e formas ensombreadas entraram cautelosamente na casa, falando em vozes baixas e guturais. Rand não entendeu nada do que foi dito; a linguagem soava áspera, inadequada a uma língua humana. Machados, lanças e objetos pontudos refletiam sem muito fulgor fragmentos dispersos de luar. Botas raspavam o chão, e havia um clique ritmado, como se fosse de cascos também.

Ele tentou umedecer a boca. Inspirando profunda e irregularmente o ar, gritou o mais alto que pôde:

— Estão vindo pelos fundos! — As palavras saíram num grasnado, mas pelo menos saíram. Ele não tinha certeza de que sairiam. — Eu estou aqui fora. Corra, pai! — Com a última palavra ele saiu em disparada, afastando-se da casa da fazenda.

Gritos roucos e furiosos na estranha língua soaram na sala dos fundos. Um som alto e agudo de vidros se quebrando, e em seguida alguma coisa desabou pesadamente no chão lá atrás. Rand deduziu que um deles havia passado arrombando a janela, em vez de tentar se espremer pela abertura, mas não olhou para trás para ver se tinha razão. Como uma raposa fugindo de cães, ele correu para as sombras mais próximas, como se tomasse a direção da floresta, e então caiu deitado de bruços e voltou se arrastando sorrateiramente para o celeiro, com suas sombras muito maiores e mais profundas. Alguma coisa caiu em seus ombros, e ele começou a se debater, sem saber se estava tentando lutar ou fugir, até perceber que lutava com o novo cabo de enxada que Tam estivera esculpindo.

Idiota! Por um momento ficou ali deitado, tentando acalmar a respiração. Seu burro, idiota, parece um Coplin! Por fim, voltou a se arrastar até os fundos do celeiro, levando consigo o cabo da enxada. Não era muita coisa, mas era melhor que nada. Com cuidado, olhou pelo canto do celeiro para ver o pátio e a casa.

Da criatura que havia pulado atrás dele não havia nem sinal. Podia estar em qualquer lugar. À caça de Rand, com certeza. Até mesmo espreitando às suas costas naquele exato instante.

Balidos assustados enchiam o redil das ovelhas à esquerda; o rebanho corria de um lado para o outro como se tentasse achar um jeito de escapar. Formas ensombreadas tremeluziam nas janelas iluminadas da frente da casa, e o clangor de aço contra aço ecoava na escuridão. Subitamente uma das janelas explodiu numa chuva de vidro e madeira quando Tam pulou por ela, ainda empunhando a espada. Ele caiu de pé, mas em vez de sair correndo para longe da casa, correu para os fundos, ignorando as criaturas monstruosas que saíam atrás dele pela janela quebrada e pela porta.

Rand ficou olhando aquilo sem acreditar. Por que o pai não estava tentando fugir? Então compreendeu. Tam havia ouvido sua voz na parte dos fundos da casa.

— Pai! — ele gritou. — Estou aqui!

No meio do caminho Tam girou, mas não correu na direção de Rand, e sim num ângulo que se distanciava dele.

— Corra, rapaz! — ele gritou, gesticulando com a espada como se para alguém à sua frente. — Esconda-se!

Uma dezena de formas imensas corria atrás dele, gritos roucos e uivos agudos estremecendo o ar.

Rand voltou para as sombras atrás do celeiro. Ali ele não podia ser visto, caso alguma das criaturas ainda estivesse dentro da casa. Estava a salvo; pelo menos por enquanto. Mas Tam, não. Tam, que estava tentando levar aquelas coisas para longe dele. Suas mãos apertaram com força o cabo da enxada, e ele precisou trincar os dentes para conter uma gargalhada repentina. Um cabo de enxada. Enfrentar uma daquelas criaturas com um cabo de enxada não seria muito parecido com brincar de bastão com Perrin. Mas ele não podia deixar Tam encarar sozinho as coisas que o perseguiam.

— Se eu me mover como se estivesse perseguindo um coelho — sussurrou para si mesmo —, eles não vão me ouvir nem ver. — Os gritos assustadores ecoavam na escuridão, e ele tentou engolir em seco. — Estão mais para uma matilha de lobos famintos. — Sem fazer ruído, ele se afastou do celeiro, indo na direção da floresta, agarrando o cabo da enxada com tanta força que suas mãos doíam.

De início, ao se ver cercado pelas árvores, sentiu-se aliviado. Elas ajudavam a escondê-lo do que quer que fossem aquelas criaturas que haviam atacado a fazenda. Enquanto se esgueirava pela floresta, entretanto, as sombras da lua se deslocavam, e começou a parecer que a escuridão da floresta mudava de formas e se movia também. Árvores assomavam, malévolas; galhos se contorciam em sua direção. Mas seriam mesmo apenas árvores e galhos? Ele quase podia ouvir os risos roucos sufocados em suas gargantas enquanto esperavam por ele. Os uivos dos perseguidores de Tam não enchiam mais a noite, mas no silêncio que os substituiu ele se encolhia toda vez que o vento raspava um galho contra outro. Ele foi se agachando cada vez mais e se movendo ainda mais devagar. Mal se atrevia a respirar por medo de ser ouvido.

Subitamente uma mão forte tampou sua boca por trás, e seu pulso foi agarrado pelo que parecia uma algema de ferro. Desesperado, ele tentou agarrar seu agressor por cima do ombro com a mão livre.

— Não vá quebrar meu pescoço, rapaz — disse Tam num sussurro rouco.

O alívio invadiu Rand, inundando e relaxando seus músculos. Quando o pai o soltou, ele caiu de quatro, arfando como se tivesse corrido por milhas. Tam desabou ao seu lado, apoiando-se em um cotovelo.

— Não teria tentado isso se tivesse pensado no quanto você cresceu nos últimos anos — sussurrou Tam. Seus olhos se movimentavam o tempo todo enquanto ele falava, atentos à escuridão. — Mas eu precisava ter certeza de que você não iria gritar. Alguns Trollocs têm a audição aguçada como a de um cão. Talvez até melhor.

— Mas Trollocs são só… — Rand deixou as palavras morrerem. Não eram só uma história, não depois daquela noite. Aquelas coisas podiam ser Trollocs ou o próprio Tenebroso, até onde ele sabia. — O senhor tem certeza? — ele sussurrou. — Quer dizer… Trollocs?

— Tenho certeza. Quanto ao que os trouxe até os Dois Rios… Nunca tinha visto um antes desta noite, mas já conversei com homens que viram, portanto sei um pouco. Talvez o bastante para nos manter vivos. Escute com atenção. Um Trolloc consegue ver melhor do que um homem no escuro, mas luzes brilhantes os cegam, pelo menos por um tempo. Essa pode ser a única razão para termos conseguido escapar de tantos deles. Alguns podem rastrear pelo faro ou pela audição, mas dizem que são preguiçosos. Se conseguirmos nos manter longe deles por tempo suficiente, eles devem desistir.

Isso fez com que Rand se sentisse apenas ligeiramente melhor.

— Nas histórias, eles odeiam os homens e servem ao Tenebroso.

— Se há algo que pertença aos rebanhos do Pastor da Noite, rapaz, são os Trollocs. Eles matam pelo prazer de matar, foi o que me disseram. Mas isso é tudo que sei, além do fato de que não se pode confiar neles, a menos que tenham medo de você, e mesmo assim não muito.

Rand estremeceu. Não tinha a menor vontade de conhecer alguém de quem um Trolloc tivesse medo.

— O senhor acha que ainda estão nos caçando?

— Talvez sim, talvez não. Eles não parecem muito espertos. Assim que chegamos à floresta, mandei os que estavam atrás de mim na direção das montanhas sem muito problema. — Tam apalpou seu lado direito e então aproximou a mão do rosto. — Mas é melhor agirmos como se estivessem.