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— Não há nada que eu possa fazer — ela disse. Teve de pôr as mãos nos joelhos para se levantar. — Lamento, Rand.

Por um momento ele ficou ali, parado, sem entender, enquanto ela começava a voltar para a casa. Então correu atrás dela e a puxou para que o encarasse.

— Ele está morrendo! — gritou.

— Eu sei — respondeu ela simplesmente, e ele quase desabou de franqueza.

— Você precisa fazer alguma coisa. Tem de fazer. Você é a Sabedoria.

A dor contorceu o rosto dela, mas somente por um momento. Depois ela se mostrou resoluta novamente, os olhos fundos e a voz firme e sem emoção.

— Sim, eu sou. Sei o que posso fazer com meus remédios e sei quando é tarde demais. Não acha que eu faria algo se pudesse? Mas não posso. Não posso, Rand. E há outros que precisam de mim. Pessoas a quem eu posso ajudar.

— Eu o trouxe até você o mais rápido que pude — ele murmurou.

Mesmo com a aldeia em ruínas, a Sabedoria era uma esperança. Sem isso, ele não tinha mais nada.

— Eu sei que sim — ela disse gentilmente. E tocou-lhe o rosto com a mão. — Não é culpa sua. Você fez o melhor que qualquer um poderia fazer. Desculpe, Rand, mas tenho outros para tratar. Receio que nossos problemas estejam apenas começando.

Ele a seguiu com o olhar vazio até a porta da casa se fechar atrás dela. Não conseguia pensar em nada, a não ser em que ela não iria ajudar.

Subitamente Rand cambaleou para trás quando Egwene se atirou sobre ele, envolvendo-o com os braços. O abraço foi forte o bastante para fazer com que ele soltasse um grunhido em qualquer outra ocasião; agora ele ficou simplesmente olhando em silêncio para a porta atrás da qual suas esperanças haviam desaparecido.

— Lamento tanto, Rand — ela disse encostada em seu peito. — Luz, eu queria poder fazer alguma coisa!

Anestesiado, ele passou os braços ao redor dela.

— Eu sei. Eu… eu tenho de fazer alguma coisa, Egwene. Não sei o quê, mas não posso simplesmente deixar que ele… — Sua voz falhou, e ela o abraçou ainda mais forte.

— Egwene! — Com o grito de Nynaeve vindo da casa, Egwene deu um pulo. — Egwene, preciso de você! E lave as mãos de novo!

Ela se soltou dos braços de Rand.

— Ela precisa da minha ajuda, Rand.

— Egwene!

Rand pensou ter ouvido um soluço quando ela se virou, afastando-se. Então ela se foi, e ele ficou sozinho ao lado da maca. Por um momento olhou para Tam no chão, sem sentir nada além de uma sensação vazia de desamparo. Subitamente seu rosto endureceu.

— O Prefeito saberá o que fazer — ele disse, levantando as traves mais uma vez. — O Prefeito saberá.

Bran al’Vere sempre sabia o que fazer. Com uma obstinação exausta ele partiu para a Estalagem Fonte de Vinho.

Outro dos garanhões Dhurran passou por ele, as tiras de seus arreios atadas nos tornozelos de uma forma grande coberta por um cobertor sujo. Braços cobertos de pelos duros arrastavam-se na poeira atrás do cobertor, e um canto estava levantado, revelando um chifre de bode. Os Dois Rios não eram lugar para as histórias se tornarem horrivelmente reais. Se os Trollocs pertenciam a algum canto, era ao mundo lá fora, a lugares onde havia Aes Sedai e falsos Dragões e somente a Luz saberia mais o quê, coisas saídas das histórias de menestréis. Não aos Dois Rios. Não a Campo de Emond.

Enquanto ele percorria o Campo, as pessoas o chamavam, algumas de dentro das ruínas de suas casas, perguntando se podiam ajudar. Ele as ouvia apenas como murmúrios ao fundo, mesmo quando caminhavam ao seu lado por um tempo enquanto falavam. Sem de fato pensar no que dizia, ele conseguia emitir palavras que expressavam que ele não precisava de ajuda, que tudo estava sendo resolvido. Quando as pessoas o deixavam, com olhares preocupados, e às vezes um comentário sobre enviar Nynaeve, ele notava apenas vagamente. A única coisa de que tinha consciência era do objetivo que havia metido na cabeça. Bran al’Vere poderia fazer alguma coisa para ajudar Tam. No que de fato poderia ser feito, ele tentou não pensar demais. Mas o Prefeito seria capaz de fazer alguma coisa, de pensar em algo.

A estalagem escapara quase completamente à destruição que havia arrasado metade da aldeia. Algumas poucas marcas de incêndio maculavam suas paredes, mas as telhas vermelhas reluziam na luz do sol com o brilho de sempre. Tudo que restava da carroça do mascate, porém, eram os aros de ferro das rodas, enegrecidos, encostados na carcaça esturricada, agora caída no chão. Os grandes elos redondos que sustentavam a cobertura de lona inclinavam-se para todos os lados, cada um num ângulo diferente.

Thom Merrilin estava sentado de pernas cruzadas nas pedras da velha fundação, cortando cuidadosamente as pontas chamuscadas dos remendos de seu manto com uma pequena tesoura. Pôs de lado manto e tesoura quando Rand se aproximou. Sem perguntar se Rand precisava ou queria ajuda, ele pulou das pedras e segurou a parte de trás da maca.

— Lá dentro? Claro, claro. Não se preocupe, garoto. Sua Sabedoria vai cuidar dele. Eu a vi trabalhar, desde ontem à noite, e ela tem a mão boa e grande habilidade. Poderia ser bem pior. Alguns morreram ontem à noite. Talvez não muitos, mas qualquer morte já é demais para mim. O velho Fain simplesmente desapareceu, e isso é o pior. Trollocs comem qualquer coisa. Você deveria agradecer à Luz por seu pai ainda estar aqui, e vivo para que a Sabedoria o cure.

Rand bloqueou as palavras — Ele é meu pai! — reduzindo a voz a um ruído sem sentido que não passou de um zumbido de mosca. Não podia suportar mais compaixão, mais nenhuma tentativa de animá-lo. Não agora. Não até que Bran al’Vere lhe dissesse como ajudar Tam.

De repente ele se descobriu encarando algo rabiscado na porta da estalagem, uma linha curva arranhada com um pedaço de pau chamuscado, uma lágrima de carvão equilibrada na ponta. Tanta coisa havia acontecido que ele não se surpreendeu ao encontrar a Presa do Dragão marcada na porta da Estalagem Fonte de Vinho. Por que alguém iria querer acusar o estalajadeiro ou sua família de praticar o mal ou de trazer má sorte à estalagem, ele não fazia ideia, mas a noite o havia convencido de uma coisa: tudo era possível. Absolutamente tudo.

Com um empurrão do menestrel, ele ergueu o trinco e entrou.

O salão estava vazio, exceto por Bran al’Vere, e frio também, pois ninguém havia encontrado tempo para acender a lareira. O Prefeito estava sentado a uma das mesas, mergulhando sua pena em um tinteiro, a testa franzida em concentração e a cabeça de franja grisalha curvada sobre uma folha de pergaminho. Com o camisolão enfiado apressadamente dentro das calças, sobrando ao redor da cintura considerável, ele coçava distraído um pé descalço com os dedos do outro. Seus pés estavam sujos, como se ele tivesse estado do lado de fora mais de uma vez sem se importar em calçar botas, apesar do frio.

— Qual é o seu problema? — ele perguntou sem levantar a cabeça. — Fale rápido. Eu tenho duas dúzias de coisas a fazer neste instante, e outras tantas que já deveriam ter sido feitas há uma hora. Portanto não tenho nem muito tempo nem paciência. Então? Desembuche!

— Mestre al’Vere? — disse Rand. — É o meu pai.

O Prefeito levantou a cabeça bruscamente.

— Rand? Tam! — Ele jogou a caneta em cima da mesa e derrubou a cadeira ao se levantar num salto. — Talvez a Luz não tenha nos abandonado completamente. Temia que vocês dois estivessem mortos. Bela chegou galopando à aldeia uma hora depois que os Trollocs foram embora, espumando e resfolegando, como se tivesse corrido o tempo todo da fazenda até aqui, e eu pensei… Bem, não há tempo para isso agora. Vamos levá-lo para cima. — Ele agarrou a parte de trás da maca, empurrando o menestrel com o ombro, tirando-o do caminho. — Você vá buscar a Sabedoria, Mestre Merrilin. E diga a ela que mandei que se apressasse, ou vou querer saber o porquê! Fique tranquilo, Tam. Num instante você vai estar numa cama boa e macia. Vá, menestrel, vá!