Na manhã seguinte às oito da manhã, estava no escritório da Harms, não se desse o caso de o senhor Tasker chegar mais cedo. Ele chegou às nove e abriu a porta.
- Bom dia, Sheldon.
Tentei avaliar pelo tom da voz dele se tinha gostado ou não das minhas músicas. Fora um ”bom dia” normal, ou será que detectara um toque de entusiasmo na voz dele?
Entramos no escritório.
- Teve oportunidade de ouvir as minhas músicas, senhor Tasker?
- Tive, sim. São muito agradáveis.
O meu rosto iluminou-se. Aguardei, à espera de ouvir o que mais tinha ele para dizer. Mas permaneceu silencioso.
- De qual delas gostou mais? Perguntei.
- Infelizmente, nenhuma delas é o que andamos a procura neste momento.
Esta foi a frase mais depressiva que ouvi em toda a minha vida.
- Mas com certeza que... Alguma delas... Comecei a dizer. Ele tirou o meu envelope de trás da secretária e devolveu-me.
Terei sempre todo o gosto em ouvir o que tiver de novo.
E foi o fim da entrevista. Mas isto não é o fim, pensei para comigo. É só o princípio.
Passei o resto da manhã e parte da tarde a entrar em todos os outros editores de música que havia no edifício.
- Alguma vez teve alguma música editada?
- Não, senhor. Mas, eu...
- Nós não recebemos novos compositores. Volte quando tiver alguma coisa editada.
Como é que eu ia conseguir editar uma canção se os editores não queriam editar nenhuma canção enquanto não tivesse nenhuma canção editada? Nas semanas que se seguiram, sempre que não estava no cinema estava no meu quarto a compor.
No cinema, adorava ver os maravilhosos filmes que eram passados. Vi The Great Ziegfield, San Francisco, My Man Godfrey e Shall We Dance, com Fred Astaire e Ginger Rogers. Transportavam-me para outro mundo, um mundo de fascínio e de excitação, de elegância e de riqueza.
O meu dinheiro estava a acabar. Recebi um cheque de vinte dólares de Natalie e devolvi-lho. Eu sabia que, sem a minha contribuição e Otto sem trabalho, a vida devia ser ainda mais difícil para eles. Interroguei-me se eu não estaria a ser egoísta, a pensar em mim quando eles precisavam de ajuda.
Assim que o meu novo grupo de músicas ficou pronto, levei-as aos mesmos editores. Olharam para elas e deu-me a mesma desesperante resposta:
- Volte quando tiver alguma coisa editada.
Num dos átrios fui invadido por uma onda de depressão. Tudo me parecia sem solução. Não tencionava passar o resto da minha vida como arrumador e ninguém estava interessado nas minhas músicas.
Este é um excerto de uma das cartas que escrevi aos meus pais, com data de 2 de Novembro de 1936.
Quero que sejam os mais felizes possíveis. A minha felicidade é um balão que me foge e que espera que eu o consiga apanhar, escapando de um lado para o outro, sobre oceanos, enormes prados verdes, por entre árvores e regatos, por cenas pastorais e por passeios varridos pelo vento. Primeiro lá no alto, mal o conseguindo ver, em seguida cá por baixo, quase ao meu alcance, soprado daqui e dali pelos caprichos do vento, num momento um vento cruel e sádico, e no momento seguinte cheio de compaixão. É o vento do destino e nele se baseiam as nossas vidas.
Uma manhã, no átrio do YMCA, vi um jovem mais ou menos com a minha idade sentado num sofá a compor furiosamente. Trauteava uma melodia e parecia estar a escrever a letra de uma música. Aproximei-me, curioso.
- Escreve músicas? Perguntei. Olhou para cima.
- Escrevo.
- Eu também. O meu nome é Sidney Sheldon. Ele estendeu a mão.
- Sidney Rosenthal.
Foi o início de uma longa amizade. Passamos a manhã toda a conversar e parecíamos almas gêmeas.
No dia seguinte, quando fui trabalhar, o gerente do cinema chamou-me ao escritório dele.
- O nosso anunciador está doente. Quero que vistas o uniforme dele e o substituas até ele voltar. Vais trabalhar de dia. Só tens de andar de um lado para o outro na frente do cinema e dizer alto: ”Muitos lugares. Não precisa esperar”. E ganhas mais.
Fiquei encantado. Não devido à promoção, mas por causa do aumento. Ia mandar o dinheiro a mais para casa.
- E quanto é que ganho?
- Quinze e quarenta por semana. Um dólar a mais por semana.
Quando vesti o uniforme, parecia um general do exército russo. Eu não tinha nada contra o meu trabalho como anunciador, mas não aguentava o aborrecimento de dizer vezes sem conta ”Muitos lugares. Não precisa esperar”. Decidi dar um toque teatral.
Comecei a gritar numa voz estrondosa: ”Uma excitante sessão dupla, The Texas Rangers e The Man Who Lived Twice. Como é que um homem vive duas vezes, senhoras e senhores? Entrem e descubram. Vão ter uma tarde que jamais esquecerão. Não há que esperar por lugares. Apressem-se! Está quase a esgotar!”
O verdadeiro anunciador nunca mais apareceu e eu fiquei com o trabalho dele. A única diferença é que eu agora trabalhava manhãs e princípios da tarde. Ainda tinha tempo para ir visitar os editores de música que não estavam interessados nas minhas músicas. Eu e Sidney Rosenthal escrevemos várias músicas juntos. Foram muito elogiadas, mas nunca conseguimos um contrato.
No final da semana, dava normalmente por mim com dez cêntimos no bolso. Precisava ir do cinema ao Brill Buiding e tinha de optar entre comer um cachorro quente por cinco cêntimos e uma Coca-Cola por cinco cêntimos e percorrer a pé os trinta e cinco blocos, ou comer um cachorro, não beber a Coca-Cola e apanhar o metropolitano por um níquel. Estava habituado a alternar a rotina.
Alguns dias depois de ter começado a trabalhar como anunciador, o negócio no cinema começou a aumentar.
Eu andava lá fora a gritar de um lado para o outro ”Não percam a oportunidade de ver Conquest com a Greta Garbo e o Charles Boyer. E há mais, Nothing Sacred com Carok Lombard e Frederich Match. Estes são os maiores amantes do mundo que vos vão ensinar como devem agir. Uma entrada só por trinta e cinco cêntimos. Duas lições no amor por trinta e cinco cêntimos. Apressem-se. Apressem-se. Comprem os vossos bilhetes já!”.
E os clientes entravam.
Com os filmes seguintes, diverti-me ainda mais.
”Venham ver a dupla mais fantástica da história do cinema Night Must Fall com Robert Montgomery e Rosalind Russell. Não dispam os vossos casacos, pois vão ter muitos arrepios. E, como bônus, têm o novo filme do Tarzan”, e nessa altura eu lançava um grito a Tarzan e ficava a ver as pessoas a um quarteirão de distância virar-se para ver o que se estava a passar e a darem meia volta para o cinema e comprarem bilhetes. O gerente estava de pé do lado de fora do teatro a observar-me.