- Sheldon, este é um mundo difícil. Todos os estúdios têm um portão e do outro lado os produtores anseiam por encontrar talentos. E gritam que precisam freneticamente de atores, de realizadores e de argumentistas. Mas, se estiveres do lado de fora do portão, eles nem sequer te deixam entrar. Os portões estão cerrados para os que não pertencem ao meio.
Talvez, mas todos os dias há sempre alguém que os consegue cruzar, pensei.
Aprendi que a Hollywood que eu imaginara não existia. A Columbia Pictures, a Paramount e a RKO estavam instaladas em Hollywood, mas a Metro-Goldywn-Mayer e o Selznick International Studios eram em Culver City. A Universal Studios estava na Universal City, os estúdios Disney em Silverlake, a Twentieth-Century-Fox na Century City e os Republic Studios em Studio City.
Gracie, simpaticamente, subscrevia a Variety, o jornal do mundo do espetáculo, e este ficava à disposição na sala de estar como se fosse uma Bíblia, para todos podermos consultar e sabermos que trabalhos havia disponíveis e que filmes estava a ser produzidos. Peguei nele e verifiquei a data. Eu tinha vinte e um dias para encontrar um trabalho, e o relógio não parava. Sabia que, de alguma forma, tinha de conseguir encontrar maneira de passar aqueles portões.
Na manhã seguinte, enquanto tomávamos o pequeno almoço, o telefone tocou. Atender ao telefone naquela casa era quase um acontecimento olímpico. Todos corriam para atendê-lo porque, como nenhum de nós podíamos dar ao luxo de ter qualquer vida social, um telefonema para lá só podia ter a ver com trabalho.
O ator que o atendeu escutou por instantes, virou-se para a Gracie e disse:
- É para si.
Soaram suspiros de desapontamento. Cada um dos hóspedes tinha esperança que fosse para ele. Aquele telefone era a linha da vida que os ligava aos seus futuros.
Trouxera comigo um guia turístico de Los Angeles e, dado que a Columbia Pictures era o estúdio que ficava mais perto da pensão da Gracie, decidi começar por lá. Na frente do Columbia não havia portão.
Entrei pela porta da frente. Um guarda idoso estava sentado atrás de uma secretária, a trabalhar num relatório. Assim que entrei, olhou para cima.
- Posso ajudar?
- Bem... - Comecei a dizer -... Chamo-me Sidney Sheldon. Quero ser escritor. Com quem devo falar?
Ele olhou para mim por instantes.
- Tem hora marcada?
- Não, mas...
- Sendo assim, não vai ser recebido por ninguém.
- Mas deve haver alguém que...
- Não, a não ser que tenha hora marcada. Respondeu com firmeza e voltou ao seu relatório.
Aparentemente, o estúdio não precisava de um portão.
Passei as duas semanas seguintes a dar a volta a todos os estúdios. Ao contrário de Nova Iorque, Los Angeles era uma cidade bastante dispersa, não era de forma nenhuma uma cidade para se andar a pé. Os elétricos iam até ao centro de Santa Monica Boulevard e havia autocarros em todas as ruas principais. Depressa me adaptei aos seus horários e aos seus percursos.
Enquanto cada estúdio era aparentemente diferente, os guardas, esses, eram sempre iguais. De fato, comecei mesmo a pensar se não seria sempre o mesmo homem.
- Quero ser escritor. Com quem devo falar?
- Tem hora marcada?
- Não.
- Então não vai ser recebido por ninguém.
Hollywood era um cabaré e eu tinha fome. Mas eu estava de fora a olhar para dentro e todas as portas pareciam fechadas.
Estava a ficar sem os meus parcos fundos, mas, pior do que isso estava a ficar sem tempo.
Quando não assediava os estúdios, estava no quarto a trabalhar em histórias, na minha velha e muito batida máquina de escrever.
Um dia, Gracie fez um anúncio pouco apetecido.
- Lamento, mas de hoje em diante não há menores almoços informou.
Ninguém perguntou por quê. A maior parte de nós tinha a renda atrasada e ela não podia continuar a sustentar-nos.
Acordei na manhã seguinte cheio de fome e sem um tostão. Não tinha dinheiro para o pequeno almoço. Estava a tentar trabalhar numa história, mas não me conseguia concentrar. Tinha demasiada fome. Por fim, desisti. Fui até a cozinha. Gracie estava na cozinha a limpar o fogão.
Viu-me e virou-se.
- Sim, Sidney? Eu gaguejava.
- Gracie, eu sei da nova regra sobre o pequeno almoço, mas estava a pensar se... Seria possível eu comer alguma coisa hoje de manhã. Tenho a certeza que nos próximos dias...
Ela olhou duramente para mim e respondeu, ríspida:
- Porque não vais para o teu quarto?
Senti-me arrasado. Voltei para o meu quarto e sentei-me, humilhado, na frente da máquina de escrever, embaraçado por me ter posto nesta situação. Tentei continuar a trabalhar na história, mas não valia à pena. Só conseguia pensar que tinha fome, que estava sem um tostão e desesperado.
Quinze minutos mais tarde ouvi baterem à porta. Levantei-me e fui abrir. Gracie estava de pé do lado de fora, com uma bandeja com um enorme copo de sumo de laranja, uma cafeteira cheia de café a fumegar e um prato com ovos, presunto e torradas.
- Come enquanto está quente. Disse.
Esta deve ter sido a melhor refeição que alguma vez comi. Foi com certeza a mais memorável.
Quando, uma tarde, regressei à pensão depois de mais um dia fútil a fazer a volta dos estúdios, tinha uma carta de Otto. Continha um cartão e um bilhete de autocarro para Chicago. Foi o pedaço de papel mais deprimente que alguma vez vi. O cartão dizia Estamos à tua espera para a semana em casa. Todo o meu amor, Pai.
Tinha quatro dias e mais nenhum sítio aonde ir. Os deuses deviam estar a rir de mim.
Nessa noite, eu e o grupo da Gracie estávamos sentados na sala a conversar quando um deles disse:
- A minha irmã acabou de arranjar um emprego como leitora na MGM.
- Leitora? O que é isso? Perguntei.
- Todos os estúdios têm leitores. – Explicou - Fazem a sinopse da história para os produtores, o que faz com que não tenham de ler uma data de porcarias. Se o produtor gostar da sinopse, dá uma olhadela ao livro todo ou à peça. Alguns estúdios têm grupos de leitores. Outros usam leitores de fora.
Eu pensava rapidamente. Acabara de ler a obra prima de Steinbeck, Of Mice and Men, e...
Trinta minutos mais tarde, folheava o livro e batia à máquina uma sinopse.
No dia seguinte ao meio dia já fizera cópias suficientes num mimeógrafo emprestado para mandar a meia dúzia de estúdios. Imaginei que demoraria um dia ou dois para entregá-las a todas e que pelo terceiro dia teria notícias.
Quando o terceiro dia chegou, o único correio que recebi foi do meu irmão Richard a perguntar quando é que eu o mandaria chamar. O quarto dia trouxe uma carta de Natalie.
O dia seguinte era quinta-feira e o meu bilhete de autocarro era para domingo. Mais um sonho que morria. Disse a Gracie que me ia embora na manhã de domingo. Ela olhou para mim com olhos sábios e sensatos:
- Há alguma coisa que eu possa fazer? Perguntou. Dei-lhe um abraço.
A Gracie tem sido maravilhosa. As coisas não correram tão bem quanto eu esperava.