- Nunca pares de sonhar pediu-me. Mas eu parara.
Na manhã seguinte, o telefone tocou. Um dos atores correu e atendeu. Levantou o auscultador e, na sua melhor voz de ator, disse:
- Bom dia. Posso ser útil? Quem? O tom de voz mudara. Do escritório de David Selznick?
A sala ficou completamente silenciosa. David Selznick era o produtor com mais prestígio em Hollywood. Fora ele que produzira A Star is Born, Dinner at light, A Tale of Two Cities, Viva Villal, David Copperfield e dúzias de outros filmes.
O ator disse:
- Sim, ele está aqui.
Naquele momento, todos pararam de respirar. Quem seria ele? Virou-se para mim.
- É para ti, Sheldon.
Devo ter batido o recorde da pensão de rapidez em atender ao telefone.
- Sim?
A voz aguda de uma mulher perguntou do outro lado:
- Estou a falar com Sidney Sheldon?
Percebi imediatamente que não estava a falar com o próprio David Selznick.
- Exatamente.
- Daqui fala Anna, a secretária de David Selznick. O senhor Selznick tem um romance do qual pretende uma sinopse. O problema é que nenhum dos nossos leitores estão disponíveis.
Está disponível, pensei automaticamente. Mas quem era eu para corrigir a pessoa que podia ser a lançadora da minha carreira?
- O senhor Selznick precisa da sinopse esta tarde às seis. É uma novela com quatrocentas páginas. Normalmente as nossas sinopses têm trinta páginas com um sumário de duas e um comentário de um parágrafo. Mas tem de ser entregue hoje às seis. Pode fazê-la?
- Não havia qualquer hipótese de eu ir aos estúdios de Selznick, ler um romance com quatrocentas páginas, desencantar algures uma máquina de escrever decente, escrever uma sinopse de trinta páginas e ter tudo pronto às seis da tarde.
Respondi:
- Claro que sim.
Muito bem. Pode vir buscar o livro ao nosso estúdio em Culver City.
- Estou a caminho.
E pousei o telefone. Selznick International Studios. Olhei para o relógio. Eram nove e trinta da manhã. Culver City ficava a hora e meia de distância. Havia mais problemas. Eu não tinha transporte. Sou um mau datilógrafo e bater uma sinopse com trinta páginas ia levar-me uma eternidade, e esta eternidade ainda nem incluía o tempo para ler um romance com quatrocentas páginas. Se eu chegasse ao estúdio de Culver City às onze, tinha exatamente sete horas para fazer um milagre.
Mas eu tinha um plano.
CAPÍTULO 9
Tive de apanhar um elétrico e dois autocarros para conseguir chegar a Culver City. No segundo autocarro, olhei em volta para os passageiros e sentia uma vontade enorme de lhes dizer que me ia encontrar com David Selznick. O autocarro deixou-me a dois quarteirões dos Selznick International Studios.
Tratava-se de uma estrutura georgiana impressionante, com fachada para a rua Washington. Reconheci-a imediatamente, pois já a vira nos créditos da abertura dos filmes de David Selznick.
Entrei apressadamente e disse à mulher que estava sentada por detrás de uma secretária:
- Tenho hora marcada com a secretária do senhor Selznick. Pelo menos agora ia encontrar-me com David Selznick.
- Como se chama?
- Sidney Sheldon.
Ela procurou na secretária e tirou para fora um pacote grosso.
- Isto é para si.
- Oh, pensei que ia poder ver o senhor Selznick e...
- Não. O senhor Selznick é um homem muito ocupado. Então veria David Selznick mais tarde.
Segurando o pacote, deixei o edifício e comecei a correr pela rua abaixo, em direção aos estúdios da MGM, a seis quarteirões dali, a rever o meu plano enquanto corria. Surgira da conversa que tivera com Seymour sobre Sidney Singer, a sua ex-mulher.
- Costumas vê-la?
- Não. Foi para Hollywood. Arranjou emprego como secretária na MGM para uma diretora. Dorothy Arzner.
Eu ia pedir a Sidney Singer para me ajudar. Era um tiro no escuro, mas era a minha única hipóteses.
Quando cheguei aos estúdios da MGM, dirigi-me ao guarda que estava à secretária no átrio.
- O meu nome é Sidney Sheldon. Quero falar com Sidney Singer.
- Sidney... Ah! A secretária de Dorothy Azner. Acenei afirmativamente.
- Exatamente.
- Ela está à sua espera?
- Sim. Respondi com segurança.
Ele pegou no telefone e marcou o número de uma extensão.
- O senhor Sidney Sheldon está aqui para falar consigo... E repetiu devagarzinho: Sidney Sheldon. Ouviu por momentos. Mas ele disse...
Eu estava a ouvir, completamente paralisado. Diz que sim. Diz que sim. Diz que sim.
- Certo e desligou. Ela vai recebê-lo. Sala número 230. O meu coração recomeçou a palpitar.
- Muito obrigado.
- Por aquele elevador ali.
Apanhei o elevador e apressei-me pelo corredor do segundo andar. O gabinete de Sidney era ao fundo. Quando entrei, ela estava sentada atrás da secretária.
- Olá, Sidney.
- Olá.
Não havia qualquer cordialidade na voz dela. E, de repente, lembrei-me do resto à conversa com Seymour. Ela não quer saber de mim. Disse a toda a gente que nunca mais me queria ver. Onde é que eu me metera? Ia dizer para me sentar? Não.
- O que é que estás aqui a fazer?
Oh! Sabes, resolvi aparecer por cá para te pedir que passasses a tarde a trabalhar para mim de borla.
- É... É uma longa história.
- Ela olhou para o relógio de pulso e ergueu-se.
- Ia agora almoçar.
- Não!
- Ficou a olhar fixamente para mim.
- Não posso ir almoçar? Respirei fundo.
- Sidney... Eu estou com um problema...
E debitei toda a minha história, a começar com o fiasco de Nova Iorque, com a minha ambição de me tornar escritor, a minha incapacidade de passar para lá dos guardas dos portões dos estúdios e o telefonema da manhã de David Selznick.
Ela ouviu e, quando terminei de contar a minha história, mantinha os lábios cerrados.
- Tu aceitaste o trabalho do Selznick porque estavas à espera que eu passe a tarde a bater à máquina para ti?
Foi um divórcio difícil. Ela odeia-me.
- Eu... Eu... Não estava à espera... Só tive esperança que... Gaguejei. Não conseguia respirar. Agira de forma muito estúpida. Sidney, desculpa ter-te vindo aborrecer. Eu não tinha o direito de te vir pedir isto.
- Não, não tinhas. E agora, o que vais fazer?
- Vou levar este livro de volta a Selznick. Amanhã de manhã regresso a Chicago. De qualquer das maneiras, muito obrigado. Foi muito simpático da tua parte teres-me ouvido, Sidney. Adeus.
E dirigi-me para a porta, desesperado.
- Espera lá. - Voltei-me - Isto é muito importante para ti, não é?