Acenei que sim com a cabeça. Estava demasiado perturbado para conseguir falar.
- Vamos lá abrir esse pacote e dar uma olhadela. Levei um momento a perceber as suas palavras. Eu disse:
- Sydney...
- Cala-te. Deixa-me ver o livro.
- Queres dizer que...
- O que tu fizeste é a coisa mais doida que alguma vez ouvi. Mas admiro a tua determinação. Ela sorriu pela primeira vez. Vou ajudar-te.
Um sentimento de alívio percorreu todo o meu corpo. Não conseguia deixar de sorrir de orelha a orelha. Fiquei a olhar enquanto ela folheava o livro.
- Isto é comprido. Como é que estás a pensar ter a sinopse pronta até às seis da tarde? Perguntou.
Boa pergunta.
Devolveu-me o livro. Olhei para a folha de apresentação para ter uma idéia rápida do que se tratava. Era um romance de época, o tipo de história que Selznick gostava muito de filmar.
- Como é que vamos fazer isto? Perguntou.
- Eu folheio as páginas – Expliquei - e quando chegar a um ponto importante da história, te dito.
Ela concordou.
- Vamos lá a ver no que dá.
Sentei-me numa cadeira na frente dela e comecei a folhear as páginas. Nos quinze minutos que se seguiram, fiquei com uma idéia bastante razoável da história. Comecei a folhear o livro e ia ditando sempre que me parecia encontrar algo de pertinente para a trama. Ela ia batendo à máquina enquanto eu falava.
Até hoje, desconheço o que é que fez com que a Sidney tivesse aceitado ajudar-me. Fora porque eu me metera numa situação sem saída ou porque o meu olhar era de desespero? Nunca o saberei. Mas sei que se sentou à secretária durante toda aquela tarde, a datilografar aquelas páginas, enquanto eu ia folheando o livro.
O relógio corria velozmente. Só tínhamos coberto cerca de meio livro quando ela me avisou:
- São quatro da tarde.
Comecei a ler mais depressa e a falar ainda mais depressa.
Quando terminei de ditar a sinopse de trinta páginas, o sumário de duas páginas e o comentário de uma página faltava exatamente dez minutos para as seis.
Quando ela me entregou as folhas dactilografadas, agradeci-lhe calorosamente:
- Se alguma vez puder fazer alguma coisa por ti... Sorriu.
- Com um almoço ficamos quites!
Beijei-a na face, enfiei as páginas no envelope juntamente com o livro e saí a correr do escritório. Corri todo o caminho até aos Selznick International Studios e quando lá cheguei faltava exatamente um minuto para as seis.
Disse à mesma mulher atrás da secretária:
- O meu nome é Sheldon. Quero falar com a secretária do senhor Selznick.
- Ela tem estado à sua espera. Respondeu.
Enquanto me apressava pelo corredor, sabia que aquilo era apenas o princípio. Lera algures que Selznick se iniciara como leitor na MGM, por isso tínhamos algo em comum sobre que falar.
O Selznick vai dar-me um lugar na empresa. Vou ter um escritório aqui. Espera só até Natalie e Otto saberem que estou a trabalhar para ele.
Cheguei ao gabinete da secretária. Quando entrei, ela olhou para o relógio.
- Estava a começar a ficar preocupada consigo. Comentou.
- Não houve problema. Respondi com ar desprendido. Dei-lhe o pacote e fiquei a vê-la folhear as páginas.
- Isto está muito bem feito. E entregou-me um envelope. Aqui tem dez dólares.
- Muito obrigado. Estou pronto para fazer a próxima sinopse, assim que...
- Lamento muito respondeu, mas o nosso leitor habitual estará de volta amanhã. Normalmente o senhor Selznick não usa leitores externos. Na verdade, o senhor foi chamado por engano.
Engoli em seco.
- Por engano?
- Sim. Nem sequer faz parte da nossa lista normal de leitores.
Afinal eu não ia pertencer a equipa de Selznick. Não teríamos uma agradável conversa sobre os tempos dele como leitor. Aquele dia frenético fora o princípio e o fim. Naquela altura, devia ter ficado extremamente deprimido. Mas, por estranho que pareça, sentia-me feliz. Por quê? Não fazia a mínima idéia.
Quando cheguei à pensão da Gracie, os outros hóspedes estavam todos à minha espera.
- Viste o Selznick?
- Que tal é ele?
- Vais trabalhar lá?
- Foi uma tarde muito interessante, muito interessante mesmo. Respondi. E fui para o meu quarto e fechei a porta.
Vi o bilhete de autocarro sobre a mesa junto à cama. Era o símbolo do meu fracasso Significava voltar para os vestiários, e a drugstare, e os parques de estacionamento, e toda a vida à qual pensava ter conseguido escapar. Chegara a um beco sem saída. Peguei no bilhete de autocarro e a minha vontade era rasgá-lo. Como é que eu ia conseguir transformar este fracasso num sucesso? Tem de haver uma forma. Tem de haver uma forma.
De repente, soube o que tinha a fazer. Telefonei para casa. Natalie atendeu ao telefone.
- Olá, meu querido. Estamos ansiosos por te ver. Estás bem?
- Estou ótimo. Tenho boas notícias. Acabei de fazer uma sinopse para David Selznick.
- Verdade? Isso é maravilhoso! E ele foi simpático?
- Foi. Não podia ter sido mais simpático. E isto é só o princípio. As portas finalmente abriram-se, Natalie. Daqui para frente tudo vai ser excelente. Só preciso de mais uns dias.
Ela nem hesitou.
- Mas é claro, meu querido. Depois diz-nos quando é que voltas para casa.
Eu não vou voltar para casa.
Na manhã seguinte, fui à estação de autocarros e troquei o bilhete que Otto me mandara por dinheiro. Passei o resto do dia a escrever cartas aos departamentos literários de todos os estúdios importantes.
O texto dizia mais ou menos:
”A seu pedido pessoal, acabei de fazer uma sinopse de um romance para David O.Selznick e encontro-me livre para poder fazer outras sinopses...”.
Os telefonemas começaram a chegar dois dias depois. A primeira a ligar foi a Twentieth-Century-Fox, depois a Paramount. A Fox precisava de uma sinopse de um livro e a Paramount queria que fizesse uma sinopse de uma peça de teatro. Cada sinopse pagava cinco ou dez dólares, dependendo da extensão.
Como cada estúdio tinha o seu próprio grupo de leitores, a única altura em que contratavam pessoal de fora era quando estavam sobrecarregados. Eu só conseguia fazer uma sinopse por dia. Esse era o tempo que precisava para poder ir ao estúdio apanhar a obra, regressar à pensão da Gracie, ler o livro, datilografar a sinopse e levar tudo de volta ao estúdio. Estava com uma média de dois a três telefonemas por semana. E já não tinha a Sydney na minha vida.
Para aumentar os meus parcos rendimentos, telefonei a um homem que nunca vira. Vera Fine falara nele durante a viagem para a Califórnia. Chamava-se Gordon Mitchell. Era o chefe do Departamento Técnico da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences.
Liguei, mencionei o nome de Vera Fine e disse-lhe que andava a procura de um emprego. Ele foi muito simpático.
- Para falar verdade, tenho uma coisa que poderá fazer.