Выбрать главу

Entrei no pequeno quarto que partilhava com o meu irmão e, com cuidado, tirei do armário o pequeno saco que ali escondera com os barbitúricos. Em seguida, dirigi-me à cozinha, tirei uma garrafa de Bourbon da prateleira onde o meu pai a guardava e levei-a comigo para o quarto. Olhei para os barbitúricos e para o Bourbon e perguntei-me quanto tempo demorariam a fazer efeito. Deitei um pouco de uísque num copo e levei-o aos lábios. Não me permitiria pensar no que estava a fazer. Bebi um gole de uísque e o sabor amargo fez-me tossir, engasgado. Peguei num punhado de barbitúricos e comecei a levá-los à boca quando ouvi uma voz que dizia:

- O que é que estás a fazer?

Girei sobre mim, entornando um pouco de uísque e deixando cair alguns dos comprimidos ao chão. O meu pai estava parado no umbral da porta. Aproximou-se.

- Não sabia que bebias. Olhei para ele, atordoado.

- Eu... eu pensei que se tinham ido embora.

- Esqueci-me de uma coisa. Vou fazer a pergunta outra vez: o que é que estás a fazer? E tirou-me o copo de uísque da mão.

O meu cérebro girava, desenfreado.

- Nada... Nada.

Ele tinha o sobrolho franzido.

- Isto não é nada teu, Sidney. O que é que se passa? Viu o monte de barbitúricos. Meu Deus! Mas o que é que se passa aqui? O que é isto?

Não me ocorreu nenhuma mentira. Respondi provocante:

- São barbitúricos.

- Por quê?

- Porque eu ia... Suicidar-me.

Fez-se um silêncio. Em seguida o meu pai disse:

- Não fazia idéia de que te sentisses tão infeliz.

- Não adianta impedir-me, porque, se não o fizer agora, faço-o amanhã.

Ficou parado a observar-me.

- A vida é tua. Podes fazer com ela o que quiseres. Hesitou. Se não estás com muita pressa, que tal irmos dar uma volta?

Eu sabia exatamente o que é que ele estava a pensar. O meu pai era vendedor. Ia tentar convencer-me a desistir do meu plano, mas não tinha qualquer hipótese. Eu sabia o que ia fazer.

- Está bem. Respondi.

- Veste um casaco, não apanhes uma constipação. A ironia destas palavras fez-me sorrir.

Cinco minutos mais tarde, caminhávamos pelas ruas varridas pelo vento e vazias de peões devido às temperaturas gélidas.

Após um longo silêncio, o meu pai começou a falar:

- Explica lá, filho. Porque é que te queres suicidar?

Por onde é que eu ia começar? Como poderia explicar-lhe como me sentia só e encurralado? Desejava desesperadamente uma vida melhor, mas não havia uma vida melhor para mim. Queria um futuro maravilhoso e não havia futuro maravilhoso. Tinha sonhos ofuscantes, mas a verdade é que eu não passava de um simples moço de recados de um drugstore.

A minha fantasia era entrar para a Faculdade, mas não havia dinheiro para isso. O meu sonho era tornar-me escritor. Escrevera uma dúzia de contos e enviara-os à revista Story, ao Collier’s e ao Saturday Evening Post, e recebera apenas rejeições impressas em papel. Chegara finalmente à conclusão de que não era capaz de passar o resto da minha vida nessa miséria sufocante.

O meu pai estava a falar comigo:

-... e há tantos lugares maravilhosos no mundo que ainda não viste...

Deixei de ouvi-lo. Se ele partir esta noite, poderei continuar com o meu plano.

-... devias adorar Roma...

Se ele me tentar impedir agora, faço-o quando se for embora. Estava completamente embrenhado nos meus pensamentos, mal ouvindo o que ele me dizia.

- Sidney, disseste-me que mais do que tudo no mundo querias ser escritor.

De repente, conseguira a minha atenção.

- Isso foi ontem.

- Então, e amanhã? Olhei para ele, intrigado.

- O quê?

- Tu não sabes o que te pode acontecer amanhã. A vida é um romance, não é? É cheia de suspense. Não podes ter uma idéia do que vai acontecer enquanto não virares a página.

- Eu sei o que vai acontecer. Nada.

- Não podes realmente saber isso, pois não? Sidney, cada dia é uma página diferente que pode estar cheia de surpresas. Nunca saberás o que vem a seguir enquanto não virares a página.

Ponderei no que ele dizia. Tinha alguma razão. Cada amanhã era mesmo como uma página nova de um romance.

Dobramos a esquina e caminhamos ao longo de uma rua deserta.

- Sidney se quer mesmo suicidar-te, eu compreendo. Mas eu detestaria que fechasses o livro tão cedo e perdesses a excitação que pode aparecer ao virar de uma página, aquela que tu vais escrever.

Não feches o livro demasiado cedo... Estaria eu a fechá-lo cedo de mais? Algo maravilhoso poderia acontecer amanhã!

Ou o meu pai era um extraordinário vendedor ou então eu não estava assim tão empenhado em pôr termo à minha vida, porque assim que cheguei ao fim do quarteirão eu já decidira adiar o meu plano.

Mas tencionava deixar as minhas opções sobre a mesa.

CAPÍTULO 2

Nasci em Chicago, em cima de uma mesa de cozinha que fiz com as minhas próprias mãos. Pelo menos era o que Natalie, a minha mãe, insistia em dizer. Natalie era a minha estrela Polar, o meu consolo, a minha protetora. Eu era o seu primogênito e ela nunca deixou de se maravilhar com o milagre do nascimento. Não conseguia falar de mim sem ser com a ajuda de um dicionário. Eu era brilhante, talentoso, bonito e inteligente, e tudo isto ainda antes de completar os seis meses de idade.

Nunca chamei aos meus pais ”mãe” e ”pai”. Preferiam que lhes chamasse ”Natalie” e ”Otto”, provavelmente porque achavam que os fazia parecer mais jovens.

Natalie Marcus nasceu em Slavitka, na Rússia, perto de Odessa, durante o reinado dos czares. Aos dez anos conseguiu escapar a um pogrom contra os judeus e foi trazida pela mãe, Anna, para os Estados Unidos da América.

Natalie era uma beldade. Tinha cerca de um metro e sessenta e sete de altura, cabelo castanho macio, uns olhos cinzentos inteligentes e lindas feições. Possuía a alma de uma romântica e uma enorme riqueza interior. Não recebera uma educação formal, mas aprendera a ler sozinha. Gostava de música clássica e de livros. O seu sonho era casar com um príncipe e viajar pelo mundo.

O príncipe revelou-se ser Otto Schechtel, um lutador de rua de Chicago, que deixara a escola no segundo ano do liceu. Otto era bem parecido e encantador e percebia-se porque é que Natalie se sentira atraída por ele. Eram ambos sonhadores, mas tinham sonhos diferentes. Natalie sonhava com um mundo romântico, com castelos em Espanha e passeios de gôndola ao luar em Veneza, enquanto que os sonhos de Otto consistiam em esquemas impraticáveis para enriquecer depressa. Alguém disse um dia que para se ser um escritor de sucesso basta ter papel, caneta e uma família disfuncional. Eu fui criado por duas famílias assim.

Neste canto, gostaria de apresentar o clã Marcus, dois irmãos, Sam e Al, e três irmãs, Pauline, Natalie e Fran.