- Não sei por que nos estamos a dar a este trabalho. Depois do que aconteceu ontem...
- Deixe-me experimentar. Suspirou.
- Muito bem.
Voltamos para a mesma sala e ele apagou as luzes.
- Ora então, queira começar.
Eu estava sentado na cadeira e semicerrei os olhos para absorver as letras do quadro. O doutor Peters tinha razão. Conseguia ver as letras claramente. Li tudo, incluindo a última linha. As luzes acenderam-se.
O doutor Gale olhava fixamente para mim, espantado.
- Eu não acredito. Nunca vi uma coisa assim – Comentou - Falhou algumas letras nas duas últimas linhas. Tem uma visão de vinte/ vinte e dois. Vamos a ver o que o Air Corps diz sobre isto. Assinou o cartão e devolveu-me.
De manhã, apresentei-me a um oficial do Exército, no edifício Federal. Ele olhou para o cartão e disse:
- Vinte/vinte e dois. Não é nada mau, mas não lhe podemos dar treino de combate. Para isso precisava ter uma visão vinte/vinte.
Fiquei chocado.
- Quer dizer que eu... Eu não vou poder...
- Digo-lhe o que pode fazer. Já alguma vez ouviu falar no War Training Service?
- Não, senhor.
- É um departamento novo do Army Air Corps. Costumava chamar-se Civil Air Patrol. No War Training Service, será treinado para levar aviões para a Europa ou para ser instrutor de voo. Mas não recebe treino de combate. Por acaso, estaria interessado?
- Sim, senhor. Afinal seria mesmo um piloto do Air Corps.
- Como não vai pertencer ao corpo normal do Air Corps, o uniforme terá de ser pago do seu bolso. Recebe um pagamento igual ao de um cadete e é-lhe dado um sítio para viver. Acha bem?
- Sim, senhor.
- O treino de voo será feito em Richfield, no Utah. Terá de se apresentar de segunda-feira a uma semana.
Nunca me sentira tão excitado.
Natalie veio à cidade com o marido e eu e Richard tivemos finalmente a possibilidade de conhecer Marty. Era baixo, forte, com cabelo grisalho e um rosto simpático. Gostei imediatamente dele. Jantamos todos e eu informei-os das novidades.
- Então, vais precisar de um uniforme. - Observou Marty - Muito bem, sendo assim vamos às compras.
- Não precisa de...
- Eu sei que não preciso, mas faço questão.
Como não havia regulamento a respeito dos nossos uniformes, Marty levou-me a um armazém do Exército e da Marinha e comprou-me um lindíssimo e muito bem cortado uniforme de oficial e um casaco de aviador em couro. Eu comprei um lenço branco para pôr ao pescoço, de forma a ficar o mais parecido possível com um ás da aviação.
Estava pronto para ajudar a América a ganhar a guerra.
CAPÍTULO 12
Richfield, no Utah, era uma pequena cidade com uma população de seis mil e quinhentos habitantes, rodeada pelas montanhas Monroe. Na rua principal havia um agradável hotel. De acordo com as instruções, nós, os cadetes, nos instalamos em nossos quartos e em seguida voltamos ao átrio. Éramos catorze ao todo. Estávamos no átrio há uns trinta minutos quando um homem alto, de cara rugosa e em uniforme entrou. Observou-nos.
- Já estão todos instalados?
- Sim, senhor. Respondemos em coro.
- Muito bem. Sou o capitão Anderson, o vosso instrutor chefe. O hotel fica a quinze minutos do aeroporto. Todas as manhãs um autocarro vem-vos buscar às seis em ponto. Durmam bem. Vão precisar. E foi-se embora.
Na manhã seguinte, um autocarro do Exército veio-nos buscar e levou-nos até ao campo de aviação. Era muito menor do que estava à espera.
O capitão Anderson aguardava-nos.
- Sigam-me. Ordenou.
Dirigiu-se a um edifício perto e nós seguimo-lo e entramos. O edifício fora transformado numa escola, os quartos em salas de aula. Quando nos sentamos, o capitão Anderson começou a falar:
- Vocês vão embarcar num curso de voo de seis meses. - Fez uma pausa - Mas, como estamos em guerra, vamos ter de fazê-lo em três. Terão aulas de leitura de mapas, aerodinâmica, meteorologia, navegação, planejamento de voos de navegação de longa distância e teoria mecânica. Vão aprender código Morse e a dobrarem e arrumarem os vossos pára-quedas. Cada aula terá um instrutor diferente. Dúvidas?
- Não, senhor.
A nossa primeira aula foi de aerodinâmica. Durou uma hora. Quando acabou, o instrutor disse:
- Vou dar-vos os vossos manuais de aerodinâmica. Quero que respondam às perguntas de cada CAPÍTULO, da um a vinte. Esse é o vosso trabalho de casa. Amanhã me tragam as respostas. Podem sair.
Folheei o manual. Depois de cada CAPÍTULO havia longas perguntas Pelos vistos, ia ficar acordado até bem tarde.
A aula seguinte foi de navegação. Uma hora mais tarde, quando a aula terminou, o instrutor disse:
- Levem os vossos manuais e trabalhem as páginas um a cinquenta. Respondam a todas as perguntas.
Olhamos uns para os outros. Começava a ser uma carga bem pesada.
A terceira aula foi de teoria mecânica. Era muito técnica e tirei imensos apontamentos. Quando a aula finalmente acabou, o instrutor disse:
- O vosso trabalho de casa é ler o texto e responder às perguntas da página um até a página cento e vinte.
Por pouco não desatei a rir às gargalhadas. Não havia hipótese de conseguirmos lidar com esta montanha de trabalhos de casa e ainda nem tínhamos chegado ao fim das aulas do dia. A última que tivemos foi de dobragem de pára-quedas, uma tarefa complicada e aborrecida, difícil de aprender no final de um longo dia.
Começávamos a perceber o que o capitão Anderson queria dizer com ”é um curso de seis meses, mas vamos ter de fazê-lo em três”. Imagino que todos os cadetes ficaram acordados até às quatro ou cinco da manhã a tentar fazer o trabalho de casa.
Todos os dias a rotina era a mesma. Acabávamos as aulas e íamos para o campo de aviação para conhecer os nossos aviões. Eu ia voar Piper Cubs, aviões a hélice, com o instrutor e o aluno sentados lado a lado.
Todos estávamos ali porque queríamos aprender a voar, mas o trabalho de casa tornou-se de tal forma pesado, mantendo-nos acordados até às três ou quatro da manhã todas as noites, que todos ansiávamos que os voos fossem adiados, de forma a conseguirmos terminar o nosso trabalho.
Eu ficara com o capitão Anderson. Este observou enquanto eu dobrava o meu pára-quedas para o meu primeiro voo e o punha às costas. Subimos para o avião.
Observa tudo o que faço avisou.
Observei enquanto ele descolava com toda a facilidade.
- Há duas coisas muito importantes que tens sempre de ter em conta. A primeira é girar. Mantém sempre a cabeça a girar, a olhar em redor para veres se há outros aviões perto de ti. A segunda é teres a velocidade coordenada com a altitude, para nunca correres o risco de te despenhares.
Enquanto subíamos cada vez mais, fui vendo que o campo de aviação estava completamente rodeado por montanhas. Assim que chegamos aos sete mil e quinhentos pés de altitude, o capitão Anderson disse:
- Agora vamos fazer uns parafusos.
E o avião começou a descer em círculos rápidos. Foi nessa altura que soube que tinha um problema. Enjoei e vomitei.
O capitão Anderson olhou para mim repugnado. Eu estava corado de vergonha.