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No canto oposto, temos os Schechtel, cinco irmãs e dois irmãos: Harry e Otto, e Rose, Bess, Emma, Mildred e Tillie.

Os Schechtel eram extrovertidos, informais e espertos. Os Marcus eram introvertidos e reservados. As duas famílias não só eram completamente diferentes, como não tinham absolutamente nada em comum. E assim, o destino decidiu divertir-se.

Harry Schechtel casou com Pauline Marcus, Otto Schechtel casou com Natalie Marcus, Tillie Schechtel casou com Al Marcus e, como se isto não bastasse, Sam Marcus casou com a melhor amiga de Pauline. Foi um frenesi matrimonial.

Harry, o irmão mais velho de Otto, era o membro mais formidável do clã Schechtel. Tinha um metro e setenta e sete de altura, era musculoso e forte, com uma personalidade vincada. Se fôssemos italianos, seria o consiglieri. Era ele que Otto e os outros procuravam em busca de conselho. Harry e Pauline tiveram quatro rapazes, Seymour, Eddie, Howard e Steve. Seymour, que só tinha mais seis meses do que eu, sempre pareceu muito mais velho.

Na família Marcus, Al era o charmoso, o bem parecido e divertido, o bon vivant da família. Gostava de jogar e de namorar. Sam Marcus era o solene irmão mais velho, que desaprovava o estilo de vida dos Schechtel. O seu negócio era gerir concessões de bengaleiros em vários hotéis da cidade.

Por vezes, quando os meus tios se juntavam, iam para um canto falar de uma coisa misteriosa chamada sexo. Parecia-me maravilhosa. Rezava para que não desaparecesse até eu crescer.

Otto era um perdulário que gostava de desbaratar dinheiro, quer o tivesse quer não. Muitas vezes convidava várias pessoas para jantar num restaurante caro e, quando a conta chegava, pedia dinheiro emprestado a uma delas para pagá-la.

Natalie detestava pedir ou ficar a dever dinheiro. Tinha um forte sentido de responsabilidade. À medida que fui crescendo, comecei a perceber como eles eram tremendamente incompatíveis. A minha mãe sentia-se infeliz, casada com um homem que não respeitava, a viver uma vida interior que ele não compreendia. O meu pai casara-se com uma princesa de conto de fadas e ficou muito espantado quando a lua de mel terminou.

Discutiam constantemente, mas não eram discussões normais, eram amargas e maldosas. Tinham percebido quais os pontos fracos de cada um e repisavam-nos avidamente. As discussões tornaram-se de tal forma ferozes que me habituei a fugir de casa e a procurar abrigo na biblioteca pública, o único local onde conseguia encontrar refúgio, no mundo pacífico e sereno dos Hardy Boys e nos livros de Tom Swift.

Um dia, quando cheguei à casa vindo da escola, Otto e Natalie gritavam obscenidades um ao outro. Decidi que não conseguia aguentar mais. Precisava de ajuda. Fui ter com a minha tia Pauline, irmã de Natalie. Era uma senhora gorducha, doce, amorosa, pragmática e inteligente.

Quando cheguei, Pauline olhou para mim e perguntou imediatamente:

- O que é que se passa? Eu estava a chorar.

- É a Nat e o Otto. Estão sempre a discutir. Não sei o que fazer. Pauline franziu o sobrolho.

- Eles discutem na tua frente? Acenei que sim.

- Muito bem. Eu digo-te o que tens de fazer. Ambos gostam muito de ti, Sidney, e não te querem magoar, por isso, da próxima vez que começarem uma discussão, chegas junto deles e dizes-lhes que nunca mais os queres ver discutir na tua frente. És capaz de fazer isso?

Anui.

- Sou.

O conselho da tia Pauline resultou.

Natalie e Otto estavam no meio de um desafio de gritos, quando cheguei junto deles e lhes disse:

- Não me façam isto. Por favor, não discutam na minha frente. Os dois ficaram imediatamente contritos. Natalie foi a primeira a falar:

- Claro. Tem toda a razão, meu querido. Não volta a acontecer. E Otto:

- Desculpe Sidney. Não temos o direito de atirar com os nossos problemas para cima de ti.

Depois disso, as discussões continuaram, mas pelo menos eram abafadas pelas paredes do quarto deles.

Mudávamos constantemente de cidade para cidade, com Otto à procura de trabalho. Sempre que me perguntavam o que fazia o meu pai, a minha resposta dependia de onde nos encontrávamos. No Texas trabalhou numa joalharia, em Chicago, numa loja de roupas, no Arizona, numa mina de prata esgotada, em Los Angeles, vendia revestimentos.

Otto levava-me duas vezes por ano a comprar roupa. A ”loja” era um carrinho parado numa viela, cheia de fatos maravilhosos. Eram tão novos que ainda tinham as etiquetas com os preços, e eram espantosamente baratos.

Em 1925 nasceu o meu irmão Richard. Eu estava na altura com oito anos. Vivíamos em Gary, no estado de Indiana, e lembro-me como fiquei entusiasmado por ter um irmão, um aliado contra as forças negras da minha vida. Foi um dos acontecimentos mais excitantes da minha vida. Tinha grandes planos para nós e ansiava por todas as coisas que faríamos juntos, quando ele crescesse. Enquanto esperava, fazia corridas por Gary com ele dentro do carrinho.

Durante a Depressão, a nossa situação financeira era algo saído de Alice no País das Maravilhas. Otto andava por fora, a trabalhar num dos mega-negócios do seu mundo de fantasia, enquanto Natalie, Richard e eu vivíamos num sombrio e atulhado apartamento. De repente, Otto aparecia e anunciava que tinha feito um negócio onde ganharia mil dólares por semana. Antes de percebermos o que nos estava a acontecer, já estávamos a viver num apartamento enorme, no topo de um edifício, numa outra cidade. Parecia um sonho.

A verdade é que alguns meses mais tarde constatávamos que fora de fato um sonho, pois o negócio de Otto acabava por desaparecer e estávamos de regresso a outro pequeno apartamento qualquer, numa outra cidade.

Eu sentia-me um deslocado. Se existisse um brasão na família seria a figura de um carrinho em movimento. Ainda não completara dezessete anos e já vivera em oito cidades e freqüentara oito escolas básicas e três secundárias. Eu era sempre o recém chegado no bairro, o forasteiro.

Otto era um grande vendedor e, cada vez que eu começava a freqüentar uma nova escola numa nova cidade, no primeiro dia levava-me sempre a conhecer o diretor da escola e quase invariavelmente conseguia convencê-lo a colocar-me um ano acima. Como conseqüência, eu era sempre o mais novo da classe, criando mais uma barreira na possibilidade de fazer novos amigos. Conseqüentemente, tornei-me tímido, fingindo sentir prazer em ser um solitário. Era uma vida muito perturbada. Cada vez que eu começava a fazer amigos, era altura de ir embora.

De onde veio o dinheiro, não faço idéia, mas Natalie comprou um pequeno piano espineta em segunda mão e fez questão que eu começasse a ter aulas de piano.

- Por quê? Perguntou Otto.

- Depois verás. Respondeu.

- Ele até tem mãos de músico. Eu gostava das minhas lições, mas acabaram pouco tempo depois, quando nos mudamos para Detroit.

Otto gabava-se orgulhosamente de nunca ter lido um livro na vida. Foi Natalie quem instigou em mim o amor pela leitura. Otto ficava preocupado porque eu gostava de ficar sentado em casa a ler os livros que trazia da biblioteca, quando podia estar no meio da rua a jogar basebol.

- Vais dar cabo dos olhos. – Insistia - Por que é que não és como o teu primo Seymour? Esse joga futebol com os rapazes.

O meu tio Harry foi mais longe. Uma vez ouvi-o dizer ao meu pai:

- O Sidney lê demasiado. Vai acabar mal.

Quando eu tinha dez anos, tornei as coisas piores, pois comecei a escrever. Havia uma competição de poesia numa revista chamada Wee Wisdom, uma revista para crianças. Escrevi um poema e pedi a Otto que o enviasse para a revista para eu poder concorrer.