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Freedley falava:

- Já começamos a fazer os testes. Até este momento temos Allan Jones e Nanette Fabray. Deixe-me mostrar-lhe o cenário.

Achei estranho o cenário ter sido construído antes de a peça estar escrita. Freedley levou-me até ao Alvin Theatre e entramos.

No palco havia uma enorme casa sulista toda branca com uma vedação de tábuas.

Olhei para ele, confuso:

- Tinha-me dito que o espetáculo era sobre soldados americanos que ganham uma jovem numa...

Este é o cenário da minha última peça explicou. O espetáculo foi um fiasco, por isso estamos a usar o cenário para esta. Vou poupar uma data de massa.

Interroguei-me como é que íamos conseguir enfiar uma mansão gótica sulista numa história de guerra atual.

- Voltemos para o gabinete. Quero apresentar-lhe Guy.

Guy Bolton revelou-se um simpático inglês com uns cinquenta anos, e escrevera várias peças com P.G. Woodhouse, o ícone britânico.

Eu receava que ele não gostasse de ter outro escritor metido na sua peça, mas respondeu-me logo:

- Fico encantado por irmos trabalhar juntos. Sabia que nos íamos dar bem.

Quando voltei para o hotel, perguntei na recepção se havia alguma mensagem e sustive a respiração enquanto o empregado procurava.

- Não há nada, senhor Sheldon.

- Ótimo. Ainda não havia vagas em nenhuma escola mais avançada.

Corri para o quarto e telefonei a Ben, em Fort Dix.

- Vamos escrever um musical para o Vinton Freedley. Informei.

Fez-se um longo silêncio.

- Já não estamos na Merry Widow.

- Não é isso. Nós vamos fazer a Merry Widow é a peça do Freedley.

- Meu Deus. Como é que conseguiste isso?

- Não fui eu. Foi Balanchine. Vamos trabalhar com um escritor inglês chamado Guy Bolton.

CAPÍTULO 14

Eu andava atarefado e contente, mas continuava à espera daquele tão importante telefonema.

Nas três semanas seguintes, passei as manhãs a trabalhar na Merry Widow, as tardes a trabalhar no jackpot e à noite trabalhava com Ben nos dois espetáculos. Começava a sentir-me cansado. Decidi que precisava relaxar.

Um domingo fui ao USO, um centro de divertimento em Nova Iorque destinado aos soldados de licença. Havia música, lindas mulheres, dança e comida. Era um oásis da guerra.

Uma bonita hospedeira aproximou-se:

- Quer dançar, soldado? Se queria e de que maneira.

Assim que começamos a dançar, senti uma mão a bater-me no ombro. Resmunguei:

- Ei! Ainda agora começamos! Espere um pouco... E virei-me. Na minha frente estavam dois enormes PMs.

- Soldado, está preso. Acompanhe-nos. Preso?

- Qual é o problema?

- Fazer-se passar por oficial.

- Do que é que estão a falar?

- Tem vestida uma farda de oficial. Onde está a sua insígnia?

- Não tenho. Eu não sou oficial.

- É por isso mesmo que está preso. Acompanhe-nos. E cada um deles segurou-me num braço.

- Esperem lá. Vocês estão a cometer um erro enorme. Eu estou autorizado a usar isto.

- E quem foi que lhe deu autorização? A sua mãe? E começaram a arrastar-me pela pista de dança.

Eu estava em pânico.

- Não estão a perceber. Eu pertenço a um ramo especial do Air Corps. E...

- Pois.

Continuei a falar enquanto me arrastavam em direção à porta.

- Estou a falar a sério. Não ouviram falar de uma divisão do Exército chamada War Training Service?

- Não.

Saímos. Na curva estava parado um carro oficial.

- Entra. Finquei os pés.

- Não entro nada. Vocês têm de fazer um telefonema. Estou-vos a dizer que estou no Army Air Corps, numa divisão que se chama War Trainig Service, e nós estamos autorizados a usar aquilo que muito bem entendermos.

Os dois PMs olharam um para o outro.

- Eu acho que é maluco, mas está bem. Vou fazer o tal telefonema. A quem devo ligar? Perguntou um deles.

Dei-lhe o número. Virou-se para o companheiro.

- Tu ficas aqui com ele. Vamos acusá-lo de ”resistir à ordem de prisão”. Já volto.

Vinte minutos mais tarde, o PM regressou, com ar espantado.

- O que aconteceu? Perguntou o outro PM.

- Falei com um general e levei um raspanete por não saber da existência de uma divisão chamada War Training Service.

- Queres dizer que existe mesmo e que é legal?

- Se é legal, não sei, só sei que é real. É uma divisão do Army Air Corps.

O outro PM soltou-me o braço.

- Desculpe. Parece que nos enganamos. Acenei com a cabeça.

- Não faz mal.

Voltei para dentro. A minha hospedeira dançava com outro.

Era um prazer trabalhar com Guy Bolton. Escrevera muitas peças de sucesso e conhecia bem o teatro. Falava com expressões tipicamente inglesas e o nosso papel era passar o que ele dizia para frases americanas. Lembrei-me da frase de George Bernard Shaw “Os americanos e os ingleses encontram-se divididos por uma língua comum.”

Guy alugara uma casa maravilhosa em Long Island e, nos fins de semana, eu e Ben trabalhávamos lá com ele. Era uma pessoa sociável e tinha um grupo interessante de amigos.

Uma noite, num jantar, fiquei sentado ao lado da mais bela mulher que alguma vez vira na vida.

- O Guy disse-me que vocês os três estão a escrever um musical para a Broadway. Disse ela.

- É verdade.

- Isso é muito interessante.

- O que é que faz? Perguntei.

- Sou atriz.

- Desculpe, mas não fixei o seu nome.

- Chamo-me Wendy Barrie.

Wendy era britânica e fizera meia dúzia de filmes em Inglaterra. Tinha como padrinho J. M. Barrie, que usara o nome dela no Peter Pan. Achei-a fascinante, mas ela parecia preocupada.

Quando o jantar terminou, perguntei-lhe:

- Sente-se bem? Abanou a cabeça.

- Vamos dar uma volta.

Saímos e começamos a andar ao longo de um caminho de seixos iluminado pela lua. Enquanto passeávamos, ela começou a chorar, de repente.

Estaquei.

- Que se passa?

- Nada... Tudo... Não sei o que fazer.

- Mas, o que é que se passa?

- É o meu... O meu namorado. Ele... Ele bate-me. Mal conseguia articular as palavras.

Fiquei indignado.

- Porque não o deixa? Ninguém tem o direito de se comportar dessa maneira. Porque não o deixa? Perguntei.

- Eu... Eu... Eu não sei... É difícil... E começou a soluçar. Pus o braço em volta dela.

- Wendy, ouça. Se ele lhe bate agora, pode ter a certeza que isso só vai piorar. Deixe-o, antes que seja tarde de mais.