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- Ouvi dizer que teve outra oferta do Wanger. Fico satisfeito por ter aceitado a minha. Falei com o seu agente. Pagamos trinta e cinco mil dólares pelo original e o argumento.

De repente lembrei-me da secretária de Selznick a entregar-me um envelope. Aqui tem dez dólares.

Comecei a trabalhar na manhã seguinte. Deram-me um gabinete nos estúdios RKO, onde íamos fazer o Suddenly it’s Spring. A RKO era um estúdio muito importante. Estavam a filmar It’s a Wonderful Life, The Farmer’s Daughter e Dick Tracy. No refeitório vi James Stewart, Robert Mitchum e Loretta Young, e, como os vira tantas vezes nos filmes, pareciam-me velhos amigos. Mas nunca tive coragem para falar com eles.

Eu estava a gostar de escrever o argumento. A história incluía um playboy, uma jovem e a irmã desta, uma juíza. Quando escrevi a história base pensei em Cary Grant, mas ele estava sempre tão ocupado que tinha a certeza que não ia ser possível tê-lo.

Sentia que o argumento estava a sair bem. Conhecia perfeitamente a tendência de Selznick para contratar escritor atrás de escritor para escrever o mesmo projeto e sentia-me lisonjeado por ele não ter tentado substituir-me. Mas um dia deparei com um memorando dele para Dore Schary que dizia:

”Porque não despedimos o Sheldon e arranjamos outro escritor?”

Diga-se em abono de Dore que ele jamais mo mencionou e aparentemente conseguiu dar a volta ao pedido de Selznick.

A minha disposição continuava irregular. Passava de períodos de exaltação a períodos de prostração, sem qualquer transição. Uma noite, estava no restaurante Brawn Derby e vi um amigo meu acompanhado por uma jovem. Acenou-me.

- Sidney, gostava de te apresentar Jane Harding.

Jane era de Nova Iorque. Era divertida e inteligente, e tinha uma incrível vitalidade. Fiquei imediatamente cativado por ela. Começamos a sair e, ao fim de dois meses, estávamos casados.

Não havia tempo para uma lua de mel. O estúdio começara os testes para Suddenly it’s Spring e Dore insistiu comigo para que eu terminasse rapidamente as minhas alterações.

Infelizmente, ao fim de um mês, eu e a Jane chegamos à conclusão de que tínhamos cometido um erro. Os nossos interesses e as nossas personalidades eram completamente opostas. Passamos os nove meses seguintes a tentar em vão fazer com que o casamento resultasse. Quando por fim chegamos à conclusão que não havia solução, concordamos com o divórcio. A dor foi terrível. No dia em que nos divorciamos, saí e embebedei-me pela primeira vez na vida.

Se as coisas em casa eram um desastre, no estúdio corriam lindamente. Eu concluíra o argumento.

David Selznick chamou-me ao seu escritório.

- Mandamos o argumento ao Cary Grant.

- Ah! E... O que foi que ele disse?

Selznick fez uma pausa para dar maior dramatismo:

- Ficou louco com ele. Vai fazê-lo. Fiquei encantado.

- Mas isso é fantástico!

- Temos também Shirley Temple e Myrna Loy. Era o elenco perfeito.

- O Irving Reis vai ser o realizador e Cary Grant quer conhecê-lo.

Cary Grant era sempre a primeira escolha de todos quando se tratava de uma comédia. Não havia segunda escolha. Se não se conseguia tê-lo, o nível descia vários pontos.

Gostei imediatamente dele. Além de ser incrivelmente bonito, era inteligente e possuía uma mente rápida e inquiridora. Ao contrário de muitas estrelas com quem trabalhei posteriormente, Cary não tinha qualquer vaidade em relação à sua pessoa.

O seu nome de batismo era Archibald Alexander Leach, e vinha de uma família de classe média baixa de Bristol, em Inglaterra. Começara no circo em Coney Island, apresentando-se sobre andas, e passara pelos espetáculos de variedades em pequenos papéis.

Quando Archie Leach tinha nove anos, a mãe foi internada numa instituição para doentes mentais. Disseram-lhe que fora para uma estância balnear. Nunca mais a viu até aos seus vinte e muitos anos.

Cary Grant era uma lenda, suave, sofisticado e tranquilo.

Uma vez, disse: “Toda a gente quer ser Cary Grant. Até eu quero ser Cary Grant.”

Quando conheci Shirley Temple, era uma adulta de dezoito anos, e um verdadeiro encanto. Em criança, fora a maior estrela do cinema, com os seus filmes a darem lucros de centenas de milhões de dólares. Apesar da fama, tornara-se, ao crescer, uma jovem normal e atraente.

O elenco ficou completo com Myrna Loy, uma experiente artista. Myrna entrara na série The Thin Man, no The Best Years of our Lives, em Arrowsmith e em dezenas de outros filmes.

Eu estava entusiasmado com o elenco. Estávamos quase prontos para iniciar as filmagens.

Uma semana antes de começarem as filmagens de Suddenly it’s Spring, eu e Cary estávamos a almoçar na cantina do estúdio.

- Estamos com dificuldade em arranjar um ator para o ator secundário. Já fizemos testes a meia dúzia de pessoas e nenhuma é o que se pretende. Sabe quem é que era ideal para esse papel?

Eu estava com curiosidade.

- Não. Quem?

- Tu. Estarias interessado em fazer um teste comigo?

Olhei para ele, espantado. Eu queria ser ator? Nunca pensara nisso. Mas, porque não? Podia ser um ator/argumentista. Noel Coward e alguns outros já o tinham feito.

- Então, Sidney, está interessado?

- Estou.

Sabia que representar era simples. Fora eu que escrevera a história original, o argumento e a cena de teste, por isso sabia todos os diálogos. Só tinha que os dizer. E qualquer um era capaz de fazê-lo.

Cary levantou-se da mesa e telefonou a Dore Schary, e, quando terminamos o almoço, fomos até ao local das filmagens. A cena de teste era só entre mim e Cary. Era uma cena simples, com cerca de uma dúzia de linhas.

Enquanto olhava para ele, interroguei-me sobre o que a fama faria de mim, porque tinha a certeza de que representar ao lado de Cary Grant modificaria a minha vida para sempre. Ia começar a receber ofertas e propostas para entrar em outros filmes. Seria internacionalmente famoso. A partir daquele momento, nunca mais teria privacidade, nem tempo para mim. A minha vida passaria a pertencer ao público. Mas eu estava preparado para fazer esse sacrifício.

Estávamos no estúdio de gravação. Irving Reis disse:

- Todos no estúdio. Silêncio!

De repente, todos se calaram, a olhar para nós.

- Câmara! - disse Irving Reis em voz alta - Ação!

Cary deu-me a minha deixa. Eu fiquei a olhar para ele durante um longo, longo momento, enquanto ele esperava que eu falasse. Olhei para aquilo que me parecia milhões de pessoas a olharem para mim e, de repente estava de volta à minha escola, na minha peça, de pé no meio do palco, a rir histericamente. Entrei em pânico e, sem dizer uma só palavra, virei-me e fugi para longe do estúdio de gravação.

Foi o fim da minha carreira como ator. Agora que o fardo do estrelato já não pesava mais sobre os meus ombros, podia voltar ao trabalho no meu argumento.

Dore contratara Rudy Vallace para me substituir e Suddenly it’s Spring começou a ser filmado. Todos pareciam satisfeitos com a forma como os trabalhos decorriam.