- Eddie Dmytryk quer realizar a tua história. Comentou. Sorri.
- Sim. É ótimo.
- Eu não vou deixar o estúdio comprá-la. Levei uns segundos a perceber.
- O quê? Por quê?
- Porque não vou fazer um filme sobre um homem que é infiel à mulher e planeia assassiná-la.
- Mas, Dore...
- Ponto final. Vamos devolver-te a história. Fiquei de rastos.
- Muito bem.
Teria de arranjar outro projeto para trabalhar. Não fazia idéia que o fato de Dore ter rejeitado o meu argumento ia mudar a minha vida.
Sammy Weisbord, o meu agente, telefonou-me:
- Acabei de fazer um negócio entre ti e a MGM com uma garantia de duas semanas. Querem que escrevas Orgulho e Preconceito.
Há anos que eu não lia o livro. A única coisa de que me lembrava é que era de Jane Austen, pré-vitoriano, um clássico da sociedade inglesa sobre cinco filhas que procuravam marido.
A idéia de trabalhar na MGM era excitante. Era a Tiffany dos estúdios de Hollywood. A sua lista de filmes incluía clássicos como Gone with the Wind, Meet me in St. Louis, The Wizard of Oz, The Philadelphia Story, The Great Ziegfeld e dúzias de outros filmes fantásticos.
Eu tinha vinte e nove anos quando entrei nas instalações da MGM pela primeira vez. Fiquei maravilhado. A MGM era uma verdadeira cidade. Tinha o seu próprio abastecimento de eletricidade, comida e água. A empresa respondia a toda e qualquer necessidade.
O estúdio, como os seis outros grandes estúdios, produzia em média um filme por semana. Havia 150 escritores sob contrato, entre eles famosos romancistas e argumentistas.
No primeiro dia almocei na enorme cantina. Convidaram-me para me sentar à mesa dos escritores, onde já estavam reunidos cerca de uma dúzia deles. Faziam um grupo simpático e deram-me logo uma série de conselhos.
- Não te preocupes se alguns dos teus argumentos não forem produzidos. Aqui, em regra geral, se conseguires que produzam um em cada três anos, é bom sinal...
- Tenta entrar num filme com Arthur Freed. Ele é que é o grande produtor cá dentro...
- Quando o teu contrato estiver quase a acabar, vê se consegues ser destacado para uma tarefa, para que te escolham e...
Não lhes expliquei que o meu contrato tinha uma garantia de somente duas semanas.
Deram-me um gabinete pequeno e uma secretária.
- Vamos fazer o Pride and Prejudice. - Informei-a - É capaz de me arranjar um exemplar do livro? Gostava de lê-lo outra vez.
- Com certeza.
Marcou um número e disse:
- O senhor Sheldon quer um exemplar do Pride and Prejudice. O livro foi-me entregue meia hora depois.
Esta foi a minha apresentação ao sistema do estúdio. Cada estúdio tinha uma biblioteca, um departamento de pesquisa, um departamento de audições, um departamento de estúdio, um departamento cinematográfico e um departamento financeiro. Era quase bíblico. Tudo o que pedíssemos era-nos dado.
Na manhã seguinte, Sammy Weisbord entrou no meu gabinete.
- Então, como é que isso vai? Perguntou.
- Estou a começar. Respondi.
- Arthur Freed quer falar contigo. Fiquei espantado.
- Por quê?
- Ele já o diz. Está à tua espera.
Ouvira muitas histórias sobre Arthur Freed. Começara a vida como vendedor de seguros e ficara famoso com canções como The Broadway Melody, Good Moming, On a Saturday Afternoon e Singing in the Rain.
Tornara-se amigo de Louis B. Mayer e este fizera dele um produtor.
Dizia-se dele que tinha de ser sempre o primeiro a saber das coisas. Um dos escritores contou-me a seguinte história:
“Um amigo convidou-o para a estréia de uma peça. Ele respondeu:
Já a vi.
Noutra ocasião, um amigo perguntou-lhe se ele queria ir nessa noite a um jogo de basebol.
Já o vi. Respondeu ele."
Eu e Sammy atravessamos o átrio e apanhamos o elevador até ao terceiro piso, onde Arthur Freed tinha o seu enorme escritório. Estava sentado à secretária. Era um homem robusto, nos cinquenta anos, com cabelo grisalho que começava a rarear.
- Sheldon, sente-se. - Sentei-me - Temos um problema. Tenho aqui um argumento que pelos vistos não conseguimos distribuir. Todos o rejeitam. É um musical e está bem escrito, mas a trama está toda errada. É demasiado densa. Necessita de ser aligeirada. Acha que consegue fazer alguma coisa?
- Bom, eu estou a trabalhar no Pride and Prejudice, mas...
- Já não está. Agora trabalha neste. Respondeu Freed.
- E como é que se chama?
- Easter Parade. Vai trabalhar com Irving Berlin.
Aquele foi um momento mágico. Era o meu terceiro dia na MGM e ia trabalhar com o lendário Irving Berlin.
- Tenho muito prazer. Respondi.
- Judy Garland e Gene Kelly vão ser as estrelas.
Tentei parecer descontraído.
- Ai sim?
- E quero que o filme entre em produção o mais depressa possível.
- Com certeza.
- Dê uma olhadela ao argumento e veja o que consegue fazer com ele. Amanhã vai ter uma reunião com o Irving.
Eu flutuava quando saí do gabinete dele. Weisbord observava-me e sorria.
- Se fores bem sucedido com este, tens a vida feita. Comentou. Eu irradiava felicidade.
- Eu sei. Respondi.
Decididamente, o meu elevador estava a subir.
O argumento original de Easter Parade fora escrito pela equipa de marido e mulher de Albert Hackett e Francês Goodrich. Eram uns escritores maravilhosos que anos mais tarde deslumbrariam a Broadway com The Dimy of Anne Frank.
Mas Freed tinha razão. O que o argumento precisava era de um pouco de humor e de um toque de leveza. A história que os Hacketts tinham escrito era demasiado séria para um musical. Sentei-me e comecei a escrever uma nova história.
Na manhã seguinte fui chamado ao escritório de Arthur Freed. Com ele estava um homem baixo, com um rosto de querubim e olhos inquiridores.
- Apresento-lhe Irving Berlin.
Em pessoa. O gênio que escrevera Alexander’s Ragtime Band, God Bless America, There’s no Business Like Show Business, Puttin on the Ritz e Top Hat. Um dia alguém perguntara a Jerome Kern qual era, em sua opinião, o lugar de Irving Berlin na música americana.
Ele respondera simplesmente:
- Irving Berlin é a música americana.
- Sidney Sheldon. Respondi, fingindo que não estava deslumbrado.
O senhor Berlin estendeu a mão.
- Prazer em conhecer. Já sei que vamos trabalhar juntos. Tinha uma voz aguda.
- Exatamente.
Não mencionei a minha experiência de Nova Iorque, onde quase o substituíra como o maior criador de canções da América, porque íamos trabalhar juntos e não o queria deixar nervoso.
Quando começamos a trabalhar em Easter Parade, Irving Berlin tinha sessenta anos e o entusiasmo de um adolescente.