Nascera na Rússia, chamava-se Israel Baline e viera para os Estados Unidos com cinco anos. Iniciara a carreira como empregado de mesa cantor, no Chinatown Café, em Nova Iorque. Nunca aprendera a tocar piano num piano normal. Só usava as teclas pretas e tinha um instrumento que mudava as teclas sob o movimento de uma alavanca.
Irving Berlin tinha perguntas e comentários, enquanto eu ia falando sobre as várias possíveis orientações que a peça podia levar, mas, estranhamente, Arthur Freed parecia não estar interessado naquilo que nós fazíamos. Estava calado. Só mais tarde é que vim a saber por quê.
- Senhor Berlin... Comecei a dizer. Fez-me sinal para parar.
- Irving.
- Muito obrigado. Gostava de lhe dizer como me sinto entusiasmado por poder trabalhar consigo.
Ele sorriu.
- Vai ser divertido.
O trabalho avançava bem. Lembro-me das palavras de Sam Weisbord. Se fores bem sucedido com este, tens a vida feita.
Várias vezes durante a semana, enquanto eu estava atarefado a escrever o argumento, Irving Berlin entrava pelo meu gabinete.
- Diga-me o que pensa disto.
Pedia, entusiasmado. E, na sua voz estridente, começava a cantar a canção que acabara de escrever. O problema é que ele não conseguia manter a afinação e eu acabava por não fazer a mínima idéia de como a canção soava. Ele não tocava piano e não sabia cantar. Tudo o que tinha era o seu gênio.
Eu almoçava todos os dias na cantina, na mesa dos escritores, e, normalmente, um deles convidava-me para visitar o estúdio dele depois do almoço. Os filmes que estavam a ser filmados eram The Best Years of my Life, com Myrna Loy e Frederich March, o Saratoga Trunk, com Gary Cooper e Ingrid Bergman e The Secret Life of Walter Mitt, com Danny Kaye e Virgínia Mayo.
Eu ia aos estúdios e ficava a ver as estrelas a representarem as suas cenas, apenas a alguns metros de mim. Estas eram as mesmas estrelas que eu vira na última fila do RKO Jefferson Theatre, quando era arrumador. Agora, todas as semanas, via as maiores estrelas de Hollywood a fazerem os seus filmes, e foi uma época maravilhosa para mim.
Estava a acabar o argumento de Easfer Parade quando Sammy Weisbord entrou no meu gabinete.
- Sidney, tenho boas notícias. Recebi um telefonema da MGM. Querem negociar um contrato a longo prazo contigo.
- Mas isso é excelente! Exclamei.
Era o sonho de qualquer escritor em Hollywood.
- Ainda não tratei dos pormenores. Ainda há muitas coisas para discutir, mas não te preocupes. Isto vai acontecer. E sorriu.
Eu estava nas nuvens. Entreguei o meu argumento a Arthur Freed e fiquei à espera do comentário dele. Silêncio. Ele detestou, pensei.
Outro dia se passou. Voltei a ler o argumento. A crítica de Nova Iorque tem razão sobre a minha falta de talento. O diálogo é tão denso que não se consegue penetrar.
Não era para espantar que Arthur Freed não quisesse falar comigo.
Finalmente, uma semana depois de lhe ter entregado o argumento, a secretária dele telefonou-me.
- O senhor Freed quer que esteja amanhã às dez horas no escritório dele, para conhecer Judy Garland e Gene Kelly.
Uma terrível sensação de pânico invadiu-me. Eu pura e simplesmente não podia ir conhecê-los. Acabariam por perceber a fraude que eu era. Iam todos odiar o meu argumento. Sabia que não podia ir àquela reunião. Já passara por aquilo. Max Rich a dizer: ”Venha ter comigo amanhã de manhã, pelas dez horas, e começamos a trabalhar” e Irving Reis a dizer ”Câmara... ação...” e eu a fugir do teste com Cary Grant. Sabia que tinha de fugir outra vez.
Pouco dormi nessa noite. Tive sonhos bem reais de Arthur Freed a gritar comigo por causa da fraca qualidade do meu argumento.
De manhã, tinha tomado uma decisão. Ia à reunião, mas não diria uma palavra. Ouviria as críticas depreciativas deles e, quando tivessem terminado, apresentaria a minha demissão. Passei a hora antes da reunião a embalar as coisas que tinha no gabinete, preparando-me para abandonar o estúdio.
Ás dez, me dirigi ao escritório de Arthur Freed. Ele estava sentado à secretária.
Acenou com a cabeça.
- Um argumento interessante.
O que quer que isso significava. Seria um eufemismo para “Está despedido”? Porque é que não era frontal e dizia claramente o que pensava?
Nesse momento, Judy Garland entrou e a minha disposição imediatamente exultou. Era como se revisse uma velha amiga. Ela era a Betsy Booth, a namorada do personagem de Mickey Rooney na série de Andy Hardy. Ela era a Dorothy em The Wizard Oz. Era a Esther Smith em Meet me in St. Louis. Quando trabalhei como arrumador, vira os filmes dela vezes sem conta.
Judy Garland, que nascera Francês Gumm, estava na MGM desde a adolescência.
O filme The Wizard of Oz fizera dela uma estrela aos quinze anos. Tornara-se tão popular que o estúdio a usara em filme atrás de filme, não lhe dando descanso. Em nove anos, fez dezenove filmes.
Para manter a energia, começara a tomar barbitúricos e ficara viciada, tomando estimulantes durante o dia e barbitúricos durante a noite. Tentara suicidar-se e, coisa que eu não sabia quando a vi, acabara de ter alta da clínica Meninger.
As suas primeiras palavras foram:
- Olá, Sidney. Adorei o argumento.
Por momentos, fiquei estupefato. Em seguida, abri um sorriso, como um perfeito idiota.
- Muito obrigado.
- É bom, não é? Disse Arthur Freud. Foi o primeiro comentário que lhe ouvi sobre o meu argumento.
A porta abriu-se e Gene Kelly entrou. Eu começara a relaxar. Gene Kelly era outra cara conhecida. Vira-o em Thousands Cheers, Comer Girl e Anchors Aweight. Era como se fosse um velho amigo.
Cumprimentou Judy e Arthur e depois se virou para mim:
- Autor, autor. - Disse ele - Fez um excelente trabalho.
- Fez, não fez? Disse Arthur Freed.
De repente, fiquei extático. Tanta preocupação por nada.
- Quaisquer sugestões que tenham... Comecei a dizer.
- Por mim, não precisa de nada. Respondeu Judy.
- Para mim, está perfeito. Acrescentou Gene Kelly. Arthur Freed sorria.
- Pelos vistos, vai ser uma reunião muito curta. Estamos todos prontos. Começamos a filmar na segunda-feira.
A seguir à reunião, voltei para o meu gabinete e comecei a desempacotar as minhas coisas.
A minha secretária observava-me, intrigada.
- Posso perguntar o que é que se está a passar?
- Mudei de idéias.
Na sexta-feira, Arthur Freed chamou-me ao seu escritório.
- Temos um problema. Disse. Deixei de respirar.
- Há alguma coisa errada no argumento?
- Não, é Gene Kelly. Partiu o tornozelo a jogar voleibol no fim de semana.
Engoli em seco.
- Isso quer dizer que vamos ter de adiar as filmagens?
- Mandei o argumento ao Fred Astaire. Afastou-se do cinema no ano passado, mas, se gostar, faz o filme.
Abanei a cabeça.