- O Fred Astaire tem quarenta e oito anos. A Judy tem vinte e cinco. Os espectadores vão torcer para que eles não fiquem juntos. Nunca vai dar bom resultado.
- Vamos a ver o que é que ele diz. Disse ele, tolerante.
Fred Astaire respondeu que sim. Encontrei-o no escritório de Artur Freed, no dia seguinte.
- Muito obrigado pelo seu maravilhoso argumento. Vai ser muito excitante fazê-lo.
Ao olhar para ele, todas as minhas dúvidas desapareceram. Tinha um aspecto jovem, enérgico e atento. E a reputação de ser um perfeccionista. Num filme que fez com Ginger Rogers, ensaiou um número novo vezes sem fim até que os pés dela começaram a sangrar. Na segunda-feira, primeiro dia de filmagens de Easter Parade, eu estava no estúdio de gravação. Fred Astaire estava ao fundo do estúdio onde iam filmar a primeira cena e eu na outra ponta a contar uma história a Judy. No meio, o assistente de realizador apressou:
- Menina Garland, estamos prontos. Comecei a levantar-me.
- Não, acabe primeiro a história. Pediu Judy.
- Está bem.
Comecei a falar rapidamente porque sabia o quanto custava manter uma equipa de filmagens à espera. Olhei para a outra ponta do estúdio onde estavam todos prontos a aguardar por ela e disse:
- Judy, eu acabo a história depois. Não é importante e...
- Não – Insistiu - Acabe-a agora. Parecia preocupada.
- Judy, não quer fazer esta cena? Abanou a cabeça.
- Não.
- Por quê?
Hesitou uns segundos e disse rapidamente:
- Porque nesta cena tenho de beijar o senhor Astaire e nem sequer o conheço.
Todos tinham partido do princípio que as duas superestrelas se conheciam. Naquele momento, percebi como ela era vulnerável.
- Venha comigo. E, pegando-lhe na mão, levei-a até ao outro lado do estúdio onde estavam todos impacientes para iniciarem as filmagens.
Fred disse:
- Esta é a Judy Garland. Ele sorriu.
E ela:
- Com certeza. Sou um grande fã seu.
E eu sua respondeu ela a sorrir. Chuck Walters, o realizador, ordenou:
- As vossas posições.
E Easter Parade começou a ser filmado.
Um dia, fui por acaso ver o palco de ensaios onde Fred trabalhava sozinho num novo número de dança. A sapatear e a rodopiar sobre o palco, não se apercebeu da minha presença. Dirigi-me silenciosamente até junto dele e, quando ele parou por uns momentos, toquei-lhe no ombro. Virou-se.
Disse-lhe com toda a paciência.
- Não, Fred, não é assim. É assim. E fiz uns desajeitados passos de sapateado.
Ele sorriu.
- Muito bem. Era assim que eu dançava. Pouco provável.
Pouco antes de as filmagens começarem, Arthur Freed contratara Jules Munshin, um actor de Nova Iorque, para fazer uma parte cômica. Eu criara-lhe um papel como maitre. Um dia antes de ele começar a filmar, a minha hérnia discal saltou outra vez. Estava em casa na cama, a sofrer horrores, quando o telefone tocou. Era Jules Munshin.
- Sidney, preciso de lhe falar.
- Agora não é possível. Daqui a três dias já estou fora da cama e...
- Não. Eu tenho de o ver hoje. Já.
A dor era tão intensa que eu mal conseguia falar.
- Jules, não é uma boa altura. Eu não me sinto nada bem. Eu...
- A sua secretária deu-me a sua morada. Estou aí daqui a quinze minutos.
Tomei outro comprimido para as dores e cerrei os dentes. Quinze minutos depois, Jules Munshin estava junto à minha cama.
- Está com bom aspecto. Comentou ele alegremente. Eu olhava-o fixamente.
- O estúdio fez-me vir de Nova Iorque e eu só tenho uma cena que podia ter feito por telefone. Preciso que faça qualquer coisa com aquela cena.
Havia um pequeno problema. Eu estava com tantas dores que mal me lembrava do nome dele.
- Filmo a cena amanhã. Lembrou.
Fechei os olhos e tentei recordar qual a cena que escrevera para ele. Fazia o papel de um maitre d’arrogante, que se orgulhava da forma como mexia uma salada, com os gestos exagerados de um conhecedor esnobe.
- A cena não tem nada. Disse ele.
De repente, ocorreu-me como fazer qualquer coisa com ela.
- Jules, a resposta é muito simples.
- Qual?
- Não há salada. Vai fazê-la em mímica.
Acabou por ser uma das cenas mais divertidas de todo o filme.
Easter Parade conquistou o Box Office Blue Ribbon e o WGA Screen para o Melhor Argumento para Musical de 1948, um prêmio que partilhei com Francês Goodrich e Albert Hackett.
Easter Parade revelou-se um dos musicais mais famosos que a MGM alguma vez fez. Passa na televisão em todas as Páscoas dos últimos cinquenta e sete anos.
CAPÍTULO 18
Em Setembro de 1947 começou um dos episódios mais infelizes da história da América. Um raio vingativo estava prestes a atingir Hollywood.
A aliança da América com a Rússia terminara e a ”Ameaça Vermelha” varreu os Estados Unidos. Joseph McCarthy, um ambicioso senador, apercebeu-se da oportunidade para se tornar importante. Um dia, anunciou que havia comunistas no Exército.
- E quantos? Perguntaram.
- Centenas.
A resposta de McCarthy gerou um enorme furor e ele apareceu nas páginas das revistas e nas primeiras páginas dos jornais por todo o lado.
Passou depois a afirmar que tinha descoberto que havia comunistas na Marinha e nas indústrias de defesa e, cada vez que dava uma entrevista à imprensa, os números eram constantemente alterados cada vez maiores.
Foi formada uma comissão de investigação, da qual fazia parte J. Parnell Thomas e um pequeno grupo de congressistas. Chamou-se HUAC, House Un-American Activities Committee.
A comissão escolheu como alvo inicial um grupo de argumentistas de Hollywood e acusou-os de serem membros do Partido Comunista e de inserirem propaganda comunista nos seus argumentos. Várias testemunhas foram intimadas para se apresentarem em Washington perante a comissão.
A fama de McCarthy foi crescendo e ele tornou-se cada vez mais ousado. Pessoas inocentes acusadas de serem comunistas perderam os seus empregos, sem qualquer hipótese de se defenderem. As indústrias de defesa e outras empresas também foram investigadas pela comissão, mas Hollywood era mais visível e a comissão explorou-a.
Os escritores, os produtores e os realizadores que eram chamados a depor tinham três hipóteses. Admitiam que fossem comunistas e denunciavam nomes, negavam ser comunistas ou recusavam-se a testemunhar e arriscavam ir para a cadeia. A comissão era implacável. Se as pessoas levadas perante eles admitissem ser comunistas, tinham que indicar os nomes dos companheiros comunistas.
Dez escritores que foram acusados e se recusaram a responder às perguntas da comissão foram mandados para a cadeia. Além disso, 324 pessoas foram colocadas na lista negra na indústria e centenas de vidas inocentes foram assim destruídas.
Em Hollywood, os dirigentes dos estúdios tiveram uma reunião secreta para decidirem como apresentar a melhor cara perante tudo o que se estava a passar. Fizeram uma comunicação onde diziam que não dariam trabalho a ninguém que fizesse parte do Partido Comunista. Foi o início de uma lista negra que durou dez anos.