Fiquei sentado, gelado, na minha cadeira. Qualquer nomeado que tivesse um mínimo de cérebro teria preparado um discurso, para o caso de... Eu não preparara nada. Nada.
George Murphy chamou outra vez pelo meu nome.
- Sidney Sheldon! Dona empurrava-me.
- Levanta-te e vai!
Levantei-me, atordoado, e fui cambaleando até ao palco, enquanto a audiência aplaudia. Subi os degraus e George Murphy apertou-me a mão.
- Parabéns!
- Obrigado. Consegui responder.
- Senhor Sheldon, em nome do interesse da ciência e da posteridade, é capaz de nos dizer onde foi buscar esta idéia original?
Como é que eu não preparara nada? Qualquer coisa?
Olhava fixamente para ele.
- Bem... Pois... Quando estava em Nova Iorque, havia muitas, sabe como é, jovens de soquetes e ao vê-las, bem... Ocorreu-me que talvez se pudesse fazer um filme sobre isso. E depois eu... Foi o que fiz.
Não podia acreditar na burrice do que estava a dizer. Senti-me como um verdadeiro idiota. Mas lá me consegui recompor a tempo e agradecer a equipa e a Irving Reis. Pensei em Dore Schary e interroguei-me se devia ou não mencionar o seu nome. Ele portara-se muito mal e eu estava zangado com ele. Por outro lado, fora co-produtor do filme.
... e Dore Schary. Acrescentei.
Aceitei o meu Oscar e saí atabalhoadamente do palco. Quando cheguei ao meu lugar, Dona disse:
- Isto é maravilhoso. Como te sentes?
Como é que me sentia? Sentia-me mais deprimido do que alguma vez me sentira em toda a minha vida. Sentia-me como se tivesse roubado algo a alguém que o merecia mais do que eu. Sentia-me um impostor.
Os prêmios continuaram a ser atribuídos, mas, daquele momento em diante, o que se passava no palco era como se estivesse envolto numa névoa. Ronald Colman tinha um Oscar na mão e falava de A DoubkLife. Loretta Young agradecia a todos pelo The Farmer’s Daughter. Tudo parecia arrastar-se. Estava impaciente por sair dali para fora. Naquela que devia ter sido a noite mais feliz da minha vida, eu sentia-me à beira do suicídio.
Tenho de ir a um psiquiatra, pensei. Há algo de muito errado em mim.
O nome do psiquiatra era Judd Marmer. Fora-me recomendado por amigos que o tinham consultado. Sabia que ele tinha muitos doentes do mundo do espetáculo.
O doutor Marmer era um homem grande e intenso, com cabelo cor de prata e uns olhos azuis inquiridores.
- Senhor Sheldon, o que posso fazer por si?
Relembrei o momento em que fugira da consulta com o psiquiatra na Northwestern.
- Não sei. Respondi com toda a sinceridade.
- Porque foi que me veio consultar?
- É que tenho um problema e não sei qual é. Tenho um emprego de que gosto na MGM. Estou a ganhar muito dinheiro. Recebi um Oscar há uns dias e... - encolhi os ombros - não me sinto feliz. Sinto-me deprimido. Trabalhei muito para chegar aqui, e consegui e... Não há um ”aqui”.
- Percebo. Sente-se deprimido com freqüência?
- Ás vezes, mas isso acontece a toda a gente. Provavelmente estou a fazê-lo perder o seu tempo. Respondi.
- Não se preocupe. Eu tenho muito tempo. Fale-me de algumas das coisas que o deixaram deprimido no passado.
Pensei em todas as vezes que me devia ter sentido feliz e, em vez disso, me senti infeliz, e em todas as vezes em que devia ter ficado deprimido e fiquei feliz.
- Bem, quando estava em Nova Iorque, um compositor chamado Max Rich... Fui falando e ele ouvia.
- Alguma vez sentiu vontade de se suicidar?
Os barbitúricos da drugstore Afremow... Não lhe adianta impedir-me agora, porque o faço amanhã...
- Sim.
- Sente uma perda de auto-estima?
- Sim.
- Tem a sensação de que não serve para nada?
- Sim.
- Sente que o seu sucesso não é merecido? Parecia que ele estava a ler o que me ia no espírito.
- Sim.
- Tem sentimentos de inadequação e culpa?
- Sim.
- Com licença. Chegou-se à frente e premiu um botão do intercomunicador.
- Menina Cooper, informe, por favor, o doente seguinte de que haverá um atraso.
Senti um arrepio de frio.
O doutor Marmer virou-se e olhou para mim.
- Senhor Sheldon, está a sofrer de uma psicose maníaco depressiva.
Não gostei nada do som daquelas palavras.
- E o que é que isso quer dizer, exatamente?
- É um desvio do cérebro que envolve episódios de mania e de depressão sérios, onde a disposição muda da euforia ao desespero. Parece-lhe que existe um tecido muito fino a separá-lo do mundo. De forma que, no fundo, está do lado de fora a olhar para dentro.
Senti a boca a ficar seca.
- E é grave? Perguntei.
- As doenças maníaco depressivas podem ter um efeito devastador sobre as pessoas. Há pelo menos dois milhões de americanos que sofrem dela, uma em cada dez famílias. Por alguma razão parece ter maior incidência junto dos artistas. Vincent Van Gogh, Herman Melville, Edgar Allen Poe, Virginia Wolf, só para falar de alguns.
Isso não me deu qualquer conforto. O problema era deles, não meu.
- Quanto tempo demora a ser curada? Perguntei. Ele fez uma longa pausa.
- Não tem cura.
Entrei em pânico.
O quê?
- O melhor que podemos fazer é tentar controlá-la por meio de medicamentos. - Hesitou - O problema é que por vezes eles têm efeitos colaterais. Em média, uma em cada cinco pessoas que sofrem de psicose maníaco depressiva acabam por se suicidar. Vinte a cinquenta por cento tentam o suicídio pelo menos uma vez. É um importante fator em trinta mil suicídios por ano.
Fiquei sentado, a ouvir, sentindo-me mal.
- De vez em quando, sem qualquer aviso, perdera o controle das suas palavras e dos seus atos.
Comecei a sentir dificuldade em respirar. O doutor Marmer continuou:
- Esta doença pode apresentar-se de várias formas. Algumas pessoas conseguem passar semanas, meses ou até mesmo anos sem sentirem altos ou baixos. Tem períodos de disposição normal. Esse tipo tem o nome de eutimia. Creio que é o seu caso. Infelizmente, como já lhe disse, não tem cura.
Bom, pelo menos agora aquilo que se passava comigo tinha um nome. Ele deu-me uma receita e saí do consultório, abalado. Mas depois pensei: Ele não faz idéia do que está a dizer. Eu estou bem. Eu estou bem.
CAPÍTULO 19
O Oscar está rodeado por mitos e rumores. Se o ganhamos, nunca mais nos falta trabalho. Se o ganhamos, nunca mais temos trabalho.
Uma semana depois de ter recebido o meu Oscar, Sam Weisbord parou no meu gabinete.
- Mais uma vez, parabéns. Onde é que o vais guardar?