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Arthur Freed virou-se para mim.

- Agora tens de voar para Nova Iorque e Chicago para veres a peça.

Em Nova Iorque, o papel de Annie era desempenhado pela Ethel Merman e em Chicago pela Mary Martin.

- Quando queres que parta?

- O teu avião parte amanhã, às nove da manhã.

Annie Get Your Gun era um excelente entretenimento. O livro, escrito por Herbert e Dorothy Fields, era rápido e espirituoso e o desempenho de Ethel Merman era enérgico, vistoso e descarado. Na manhã seguinte voei até Chicago para ver Mary Martin.

Esta abordara o papel de uma forma diferente. A Annie dela era tímida e envolvida numa pungente doçura. O meu desafio era criar uma personagem que combinasse os melhores elementos de ambas.

Trabalhar num êxito como Annie Get Your Gun tinha os seus perigos. Não me podia afastar muito do tema original e, no entanto, era preciso abrir um pouco a peça para o ecrã. Muitas das cenas resultavam bem no palco, mas não resultariam na tela. Tinha de criar cenas novas.

O maior problema era o hiato entre o primeiro e o segundo ato. No palco, o primeiro ato terminava com Annie a partir para a Europa. O segundo começava com o seu regresso. O problema estava em decidir o que fazer ao argumento para ligar os dois.

Podia mostrar uma montagem de breves cenas de Annie em diferentes países ou podia circunscrever-me a um país só. O intervalo deveria ser longo ou curto? Estas decisões não eram minhas, porque filmar essas cenas envolveria muito dinheiro. Era uma decisão que competia ao produtor.

Liguei para o escritório de Arthur Freed e marquei uma hora para falar com ele. Uma hora depois, a secretária ligou-me a cancelar a marcação. Marquei outra hora para o dia seguinte. A secretária voltou a ligar e a cancelar. Isto aconteceu durante três dias seguidos. Na tarde do terceiro dia, Sammy Weisbord apareceu no meu gabinete.

- Acabo de vir do escritório de Arthur Freed. Ele está muito desapontado contigo.

Senti o pânico a invadir-me.

- O que foi que eu fiz?

- Arthur diz que tu ainda não lhe entregaste nada, nem uma página.

- Mas... Eu estou farto de tentar marcar reuniões com ele para discutirmos...

De repente percebi o que se passava. Arthur Freed não estava interessado em discutir o argumento. Só estava interessado nos aspectos musicais do filme, na música, nos bailados, nas jovens. Eu tinha a sensação de que ele não era capaz de visualizar como as cenas sairiam. Lembrei-me da forma como reagira ao meu argumento para o Easter Parade. Não emitira qualquer comentário até ter ouvido a opinião das estrelas.

O seu dom residia em ser capaz de selecionar a peça ideal e em contratar os melhores para a fazerem. Respirei fundo. Sem ninguém para me orientar, seria eu a tomar as decisões, por isso comecei a escrever o argumento. Estava a correr bem e só esperava continuar sem problemas.

Terminei o roteiro, entreguei-o e fiquei à espera. Estava curioso em ver quem ia ser o primeiro a contatar-me.

No dia seguinte, George Sidney, que realizava o filme, entrou no meu gabinete.

- Queres que eu te lisonjeie ou preferes a verdade?

A minha boca ficou seca.

- A verdade.

George Sidney abriu um sorriso e respondeu:

- Adorei! Fizeste um trabalho espantoso. Vamos ter um filme sensacional. Os seus olhos brilhavam.

Depois eu de ter ouvido comentários sobre o meu argumento de todos os que entravam no filme, Arthur Freed comentou:

- Sidney, captou muitíssimo bem o tom da peça.

Judy gravou a trilha sonora e a produção começou. De vez em quando, em alturas em que não estava a filmar, Judy aparecia no meu gabinete para conversar um pouco.

- Está a correr bem, não está, Sidney? Ela parecia nervosa.

- Está a correr lindamente, Judy!

- Está, não está? Perguntou.

Observei-a com atenção. Parecia tensa e interroguei-me qual seria o seu aspecto debaixo da maquilhagem.

Comecei a ouvir uns rumores inquietantes. Judy estava sempre atrasada e não sabia o texto. A produção era interrompida. Ela telefonava a George Sidney às duas da manhã para lhe dizer que não tinha a certeza se ia conseguir aparecer no estúdio no dia seguinte ou não.

Por fim, a produção parou mesmo e nesse dia o estúdio anunciou que ela fora substituída. Fiquei triste. Quando ouvi as novidades, tentei telefonar-lhe, mas ela partira para a Europa, arrasada.

O papel de Annie foi dado a Betty Garrett, uma jovem atriz cheia de talento que protagonizara a minha peça jackpot e que era casada com Larry Parks, que fizera o papel de Jolson em The Jolson Story.

Benny Thau encontrou-se com o agente de Garrett.

- Queremos uma opção para os próximos três filmes da Betty. O agente dela abanou a cabeça.

- Só a podem ter para este filme e não há opções.

Assim, graças ao seu agente, Betty Garrett perdeu o papel da vida dela. Betty Hutton foi contratada para o papel de Annie e a produção continuou sem mais incidentes.

Uma manhã, durante as filmagens, Irving Berlin entrou no meu gabinete:

- Sidney, porque é que nós nunca fizemos um espetáculo da Broadway juntos?

O meu coração deu um salto. Escrever um musical com Irving Berlin era virtualmente garantia de sucesso. Tentei soar descontraído:

- Irving, teria o maior prazer em fazer um espetáculo consigo.

- Ótimo! Tenho uma idéia.

E começou a andar de um lado para o outro enquanto me contava a sua idéia.

Dei uma olhadela ao relógio.

- Irving, tenho imensa pena de interrompê-lo, mas tenho um almoço marcado para o meio dia e meia e preciso sair agora. Porque não falamos quando eu voltar? Perguntei.

- Onde é o almoço?

- É em Berverly Hills, no Brown Derby.

- Eu acompanho-o até lá.

E Irving Berlin entrou para o meu carro e fez o percurso todo comigo até ao restaurante, enquanto o seu motorista nos seguia, para poder ir falando sobre a idéia que tinha, em vez de ter de esperar uma hora até que eu voltasse do almoço. Nunca vira um entusiasmo tão grande.

Nessa mesma tarde, Irving disse que ia a Los Angeles porque um cantor novo ia cantar uma das suas canções. Este era Irving Berlin aos sessenta anos, um gênio cheio de dinamismo, no topo da sua criatividade.

Os anos não lhe foram favoráveis. Aos noventa anos, começou a ficar paranóico. Um dia, Tommy Tune, o talentoso produtor e coreógrafo da Broadway, telefonou-lhe:

- Irving, gostava de fazer um musical baseado em algumas das suas canções.

- Não. Não pode ser. Tommy Tune ficou espantado.

- Por quê?

- Porque já há demasiadas pessoas a cantarem as minhas canções. Respondeu baixinho.

Com grande pena minha, nunca chegamos a fazer o tal musical juntos.

Um dos maiores prazeres de escrever Annie Get Your Gun foi conhecer Howard Keel, um homem alto e dominador com uma voz incrível. Devido a uma cena do filme, Howard teve de aprender a atirar aos pratos, por isso costumávamos ir a uma carreira de tiro e competíamos um com o outro.

Ele ganhou-me sempre.

A produção sob a direção de George Sidney corria bem e a pós-produção estava quase pronta.