Выбрать главу

As pessoas da audiência começaram a levantar-se e a sair do auditório e eu fiquei a vê-las, fingindo que me ria porque queria, fingindo que o que estava a acontecer não tinha qualquer importância.

Fingindo que não queria morrer.

CAPÍTULO 3

Por volta de 1930, a Depressão estava cada vez mais profunda e, no seu aperto feroz, oprimia toda a vida econômica do país. As filas para o pão aumentaram e o desemprego era pandêmico. Havia confrontos nas ruas. Eu terminara o ensino preparatório em Marshall Field, Chicago, e tinha um emprego na drugstore Afremow. Natalie trabalhava como caixa num recinto de patinagem, uma moda nova que tinha lugar em enormes recintos, com largos ringues de patinagem circulares em madeira, onde intrépidos homens sobre patins de rodas faziam corridas, deitando abaixo os seus rivais e criando o máximo de confusão que conseguiam, enquanto os espectadores os aplaudiam.

Otto, entretanto, viajava pelo país nos seus hipotéticos mega-negócios.

Intermitentemente, aparecia em casa cheio de entusiasmo.

- Desta vez tenho um bom pressentimento. Acabei de fazer um negócio que nos vai levar a uma boa vida.

E, mais uma vez, fazíamos as malas e mudávamo-nos para Hammond, ou Dálias, ou Kirkland Junction, no Arizona.

- Kirkland Junction?

- Vais gostar muito daquilo. - Prometeu ele - Comprei uma mina de prata.

Kirkland era uma pequena cidade a 167 km de Phoenix, mas não era esse o nosso destino final. Kirkland Junction era uma velhíssima bomba de gasolina, e acabamos a viver nas suas traseiras durante três infelizes meses, enquanto Otto tentava dominar o mercado da prata. Verificou-se que não havia prata na mina. Fomos salvos por um telefonema do tio Harry.

- Então? Como vai a mina de prata? Perguntou.

- Nada famosa. Respondeu Otto.

- Não te preocupes. Eu estou em Denver. Tenho uma grande companhia de corretagem a funcionar. Quero que venhas trabalhar comigo.

Denver revelou-se uma maravilha. Era antiquada e maravilhosa, com brisas frescas que vinham das encostas das montanhas de cumes cheios de neve e varriam e atravessavam a cidade. Eu adorava lá estar.

Harry e Pauline tinham desencantado uma luxuosa mansão de dois pisos numa elegante zona da cidade. As traseiras da casa davam para uma enorme zona verde chamada Cheeseman Park. Os meus primos, Seymour, Howard, Eddie e Steve, ficaram felizes por nos ver e o sentimento foi mútuo.

Seymour guiava um Pwrce Arrow vermelho vivo e namorava raparigas bem mais velhas do que ele. Eddie recebera pelos anos um cavalo de montar. Howard ganhava campeonatos juvenis de tênis. A atmosfera endinheirada das vidas deles era bem diferente da nossa miserável existência em Chicago.

- Nós vamos viver com Harry e Pauline? Perguntei.

- Não.

Tinham uma surpresa para mim.

- Vamos comprar cá uma casa.

Quando vi a casa que iam comprar, nem queria acreditar. Era grande e tinha um lindo jardim, num subúrbio calmo, na rua Marion. Os quartos eram grandes, maravilhosos e acolhedores. A mobília era fresca e bonita, bem diferente dos móveis bafientos dos apartamentos onde vivera toda a minha vida. Aquilo era muito mais do que uma casa. Aquilo era um lar. No momento em que entrei pela porta da frente, senti que a minha vida tinha mudado, que finalmente tinha raízes. Não haveria mais mudanças todos os meses pelo país, com novos apartamentos e novas escolas.

Otto vai comprar esta casa. Eu vou casar aqui e os meus filhos vão crescer aqui...

Pela primeira vez desde que me lembrava, havia dinheiro em abundância. O negócio do Harry crescia de tal maneira que ele já era dono de três empresas de corretagem.

No Outono de 1930, com a idade de treze anos, matriculei-me no liceu de East, o que acabou por se revelar uma experiência bastante agradável. Os professores em Denver eram simpáticos e prestáveis. Ali ninguém atirava tinteiros à cabeça dos alunos. Comecei a fazer amizades na escola e gostava da sensação de regressar a casa, à maravilhosa casa que em breve ia ser nossa. Natalie e Otto pareciam ter resolvido a maior parte dos seus problemas pessoais, o que tornava a vida bem mais doce.

Um dia, durante uma aula de ginástica, escorreguei e lesionei a minha coluna. A dor foi terrível. Ali estava eu, deitado no meio do chão, incapaz de me mexer. Levaram-me ao gabinete do médico. Assim que ele acabou o exame, perguntei-lhe:

- Vou ficar aleijado?

- Não. - Assegurou-me - Um dos teus discos deslocou-se e está a comprimir a espinal medula. É isso que provoca essa dor. O tratamento é muito simples. Só tens de ficar deitado durante dois ou três dias, com compressas quentes para relaxar os músculos, e o disco vai regredir e voltar ao seu lugar. E ficarás fino como antes.

Uma ambulância levou-me a casa e os paramédicos colocaram-me na cama. Ali fiquei, cheio de dores, mas, tal como o médico dissera, ao fim de três dias a dor desapareceu.

Não fazia idéia de como este incidente iria afetar tão profundamente todo o resto da minha vida.

Um dia, tive uma experiência simplesmente espantosa. Havia um anúncio para uma feira em Denver onde uma das atrações era uma volta de avião.

- Eu gostaria de fazer isto. Disse a Otto. Ele pensou no assunto e respondeu:

- Está bem.

O avião era um belíssimo Lincoln Commandere eu estava excitadíssimo só por subir para dentro dele.

O piloto olhou para mim e perguntou:

- A tua primeira vez?

- A primeira.

- Aperta o cinto. – Pediu - Vais adorar.

E tinha toda a razão. Voar era uma experiência surrealista. Observei a terra a aproximar-se, a afastar-se e a desaparecer a uma velocidade vertiginosa, e eu jamais sentira algo tão estimulante em toda a minha vida.

Quando aterramos, disse a Otto:

- Quero voltar lá acima.

E voltei. Estava decidido a vir a ser piloto um dia.

Uma manhã bem cedo, na primavera de 1933, Otto entrou no meu quarto. O seu rosto estava sombrio.

- Faz as malas. Vamos embora.

Fiquei sem perceber.

- Aonde vamos?

- Vamos voltar para Chicago. Não podia acreditar.

- Nós vamos embora de Denver?

- Exatamente.

- Mas...

Ele já desaparecera. Vesti-me e fui ter com Natalie.

- O que foi que aconteceu?

- O teu pai e Harry tiveram um... desentendimento.

Olhei em volta da casa onde pensara viver o resto da minha vida.

- Então e esta casa?

- Não a vamos comprar.

O nosso regresso a Chicago não foi nada alegre. Nem Otto, nem Natalie queriam falar sobre o que se passara. Depois de Denver, Chicago parecia ainda menos amistosa e agradável. Mudamo-nos para um pequeno apartamento e eu estava de volta à realidade, à triste lembrança de que não tínhamos dinheiro e que era impossível encontrar um emprego decente. Otto estava de volta à estrada e Natalie trabalhava como vendedora num armazém. O meu sonho de ir para a universidade morreu. Não tínhamos dinheiro para as propinas. As paredes do apartamento fechavam-se sobre mim. Tudo me parecia cinzento.