Jorja fazia muita televisão. Parecia sair de um programa para outro.
Uma noite, sonhou que estava a fazer um discurso apaixonado para salvar um homem de uma multidão que o queria linchar. Acordou a meio da noite e sentou-se na cama. Gostou tanto do seu discurso que o terminou, já completamente acordada.
De volta à MGM, nos finais da primavera de 1952, encontrei um projeto de que gostei. Chamava-se Dream Wife e era um conto escrito por Alfred Levitt.
O argumento girava à volta da guerra entre os sexos. Um solteirão estava noivo de uma maravilhosa jovem funcionária do departamento de estado, que andava demasiado ocupada com uma crise no Médio Oriente para ter tempo para casar com ele. Farto, ele decide casar com uma maravilhosa princesa que conhecera no Médio Oriente. Devido à crise mundial do petróleo, começam a surgir as complicações.
Trouxe um ambicioso jovem escritor, Herbert Baker, para trabalhar comigo no argumento. A escrita corria bem. Tinha em mente Cary Grant para o principal papel masculino, mas sabia que ele estava sempre muito ocupado.
Quando me envolvia num projecto ficava tão absorvido que o tempo deixava de ter qualquer significado para mim. Uma noite em que fiquei a trabalhar até tarde no estúdio, tive de repente uma idéia para uma cena que me deixou excitado. Peguei no telefone e liguei para Herbert Baker:
- Podes vir aqui imediatamente? Tenho uma idéia que vais adorar. Desliguei o telefone e continuei a trabalhar.
Uma hora mais tarde ele ainda não aparecera. Voltei a ligar-lhe. Quando pegava no telefone, olhei por acaso para o relógio. Eram quatro da manhã.
Assim que o argumento de Dream Wife ficou pronto, eu estava pronto para começar a escolha dos atores.
- Quem é que pretende? Perguntaram do departamento de audições.
Nem sequer hesitei.
- O meu elenco de sonho seria Cary Grant e Deborah Kerr.
- Vamos ver o que se consegue.
O guião foi mandado a Cary Grant e, cinco dias depois, recebi uma resposta.
- O Cary gostou do guião. Aceitou fazer o filme. Fiquei entusiasmado.
- Ele deu-nos uma lista de realizadores com quem está disposto a trabalhar, vou começar já a verificar.
As más notícias chegaram no dia seguinte.
- Todos os realizadores de que Cary falou estão ocupados a dirigir outros filmes. Porque não fala com ele?
Marquei um almoço com Cary.
- Cary, estamos com um problema. Os realizadores que queres não estão disponíveis. Que queres que se faça?
Ele pensou.
- Eu sei quem devia realizar este filme. Fiquei mais aliviado.
- Quem?
- Tu.
Eu? Abanei a cabeça.
- Mas, Cary, eu nunca na vida realizei um filme!
- Eu sei como funciona a tua cabeça. Quero que sejas tu a fazê-lo. Fui ter com Dore Schary.
- O Cary Grant quer que seja eu a realizar o Dream Wife. Dore Schary concordou.
- Eu sei, ele ligou-me. Se é isso que ele quer, muito bem. Você será o realizador.
Era um milagre para mim. Poucos anos se tinham passado desde o tempo em que eu trabalhara como arrumador de cinema e via todas aquelas encantadoras e inacessíveis estrelas do cinema. E agora, escrevia para elas, produzia e dirigia-as, tocando as vidas delas da mesma forma como elas em tempos tinham tocado a minha.
Eu estava em êxtase. Ia fazer parte da lista de talentosos realizadores que tinham trabalhado com Cary, Alfred Hitchcock em Suspicion e Notarimis, George Cukor em Holiday e The Philadelphia Story, Leo McCarey em The Awful Truth e Once Upon a Honeymoon, e Howard Hawks em Bringing up Baby e His Girl Friday.
Levantei-me para sair.
- Sidney, espere um minuto. Assim, vai ser argumentista, realizador e produtor. Não precisa de todos esses créditos.
Me virei e fiquei a olhar para ele.
- O que é que tem em mente?
- Posso pôr o meu nome como produtor – Alvitrou - Para mim, não me fazia qualquer diferença.
- Muito bem. Concordei.
Foi uma decisão que quase destruiu a minha carreira.
Começamos a fazer o casting. Walter Pidgeon foi escolhido, mas estávamos com dificuldade em encontrar a princesa do Médio Oriente. Ouvi falar numa atriz chamada Betta St. John, que estava em Londres a fazer o filme South Pacific.
Voei até Londres para lhe fazer um teste. Era perfeita para o papel e contratei-a imediatamente. Quando regressei ao estúdio, tinha um recado a dizer que Harry Cohn me telefonara. Devolvi-lhe o telefonema.
- Sheldon, ouvi dizer que vai dirigir um filme com Cary Grant.
- É verdade.
- Tenha cuidado.
- Que quer dizer com isso?
- Cary Grant é um matador. Gosta de ser ele a dirigir as coisas. Porque é que acha que ele o escolheu para realizar o filme?
- Porque acha que eu...
- Ele está a tramá-lo. Está a pensar que com um realizador novato consegue escapar com os seus truques. Lembre-se do que lhe estou a dizer, Sheldon. Só pode haver um diretor no estúdio de filmagens. Diga-lhe isso mesmo.
Eu não tinha qualquer intenção de lho dizer.
- Obrigado, Harry.
Cary vinha à minha casa almoçar no dia seguinte.
Quero agradecer-te por seres tão meu amigo... Quero agradecer-te por teres tido fé em mim... Quero agradecer-te por me teres dado uma oportunidade destas... Conto contigo para me dares toda a tua ajuda. Sei que não vais permitir que eu faça figura de idiota... Trabalhar contigo vai ser maravilhoso...
Cary entrou a sorrir.
- Já sei que encontraste a tua princesa em Londres. Disse.
- É verdade. Ela vai ser ótima. Cary sentou-se e dei por mim a dizer:
- Cary, preciso falar contigo. Num filme só pode haver um realizador. Gostava que isso ficasse claro antes de começarmos. Estás de acordo?
Eu não tivera qualquer intenção de dizer isto a uma das maiores estrelas do mundo, que por acaso também era meu amigo. De vez em quando, sem qualquer aviso, perderá o controle das suas palavras e dos seus atos. Cary, se quisesse, punha-me fora daquele filme em dois segundos.
Ele ficou sentado a olhar para mim, sem dizer uma palavra. Ao fim de alguns momentos, surpreendeu-me, dizendo:
- Certo. Errado.
Os problemas começaram ainda nem tínhamos começado a filmar. Uma manhã, Cary entrou no estúdio de filmagens e parou em frente de um dos cenários. Abanou a cabeça.
- Se eu soubesse que isto ia ser assim, nunca teria concordado em fazer este filme.
Quando cortei três linhas desnecessárias do texto dele, comentou:
- Se eu soubesse que ias cortar essas linhas nunca teria aceitado fazer este filme.
Viu o guarda roupa que ia usar.
- Se eu soubesse que estavam à espera que eu vista estas roupas nunca teria concordado em fazer o filme.