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Eu não sou capaz de passar o resto da minha vida a viver assim, pensei. A pobreza em que vivíamos parecia agora bem pior, depois da breve e saborosa experiência da afluência de Denver, e nós precisávamos desesperadamente de dinheiro. Trabalhar como moço de recados de uma drugstore não era futuro para mim.

Foi nessa altura que decidi suicidar-me e Otto me conseguiu convencer a não o fazer, dizendo-me que eu tinha de continuar a virar as páginas. Mas elas não se queriam virar e não havia nada a que pudesse aspirar. A promessa de Otto não passara de palavras vazias.

Quando chegou Setembro, matriculei-me no liceu Senn. Otto estava de novo na estrada, tentando fazer os seus mega-negócios. Natalie trabalhava a tempo inteiro numa loja de roupas, mas o dinheiro que entrava não chegava. Eu tinha de arranjar uma maneira de ajudar...

Lembrei-me de Sam, o irmão mais velho de Natalie, e das inúmeras concessões de bengaleiros que ele tinha em vários hotéis no Loop. Os bengaleiros estavam apinhados de mulheres lindas e escassamente vestidas e de arrumadores. Os clientes eram generosos com as gorjetas que davam as mulheres. Não faziam idéia que o dinheiro ia parar à gerência.

Apanhei o comboio de superfície em direção à baixa da cidade, para falar com o meu tio Sam. Encontrei-o no seu escritório no hotel Sherman.

Saudou-me calorosamente.

- Ora, ora. Mas que agradável surpresa. O que posso fazer por ti, Sidney?

- Preciso de um emprego.

- Sim?

- Tinha esperança de que talvez pudesse trabalhar como arrumador num dos bengaleiros de um dos hotéis.

Sam conhecia bem a nossa situação financeira. Olhou pensativo para mim. Por fim respondeu:

- E porque não? Pareces mais velho do que os teus dezessete anos. Acho que o hotel Bismarck precisa de alguém.

E comecei logo a trabalhar nessa semana.

O trabalho era simples. Os clientes entregavam os casacos e os chapéus às empregadas, que por sua vez lhes davam um papel com um número. Em seguida, ela entregava-me o casaco e o chapéu e eu pendurava-os no cabide com o número correspondente. Quando o cliente voltava, o processo invertia-se.

Tinha agora um novo horário. Ia à escola até as três e a seguir apanhava o El para sul, em direção ao Loop, saía na estação perto do hotel Bismarck e ia trabalhar. Fazia o turno das cinco até ao fecho, que muitas vezes era à meia noite ou mais tarde, dependendo se havia alguma festa especial. O meu salário era de três dólares por noite. Entregava todo o dinheiro que recebia a Natalie.

Os fins de semana tinham mais movimento, com as festas no hotel, por isso acabava a trabalhar sete noites por semana. As épocas festivas eram emocionalmente difíceis para mim. As famílias vinham ao hotel passar o Natal e a passagem de Ano e eu via as crianças a celebrarem com os pais e sentia inveja. Natalie estava a trabalhar, Otto estava ausente, por isso eu e Richard estávamos sozinhos e não tínhamos ninguém com quem celebrar. Às oito da noite, quando todos se deleitavam com os seus jantares de festa, eu corria apressado até uma cafeteria ou um snack bar, comia rapidamente qualquer coisa e regressava ao trabalho.

O ponto alto da rotina das minhas noites era quando a minha tia Francês, a efervescente irmã mais nova de Natalie, vinha trabalhar uma ou outra noite no bengaleiro do Bismarck. Era uma morena baixinha e alegre, com um vivo sentido de humor, e os clientes adoravam-na.

Uma nova empregada do bengaleiro, Joan Vitucci, veio trabalhar para o Bismark. Só tinha mais um ano do que eu e era muito bonita. Senti-me atraído por ela e comecei a fantasiar a seu respeito. Começaria por levá-la a sair. Embora eu não tivesse dinheiro, ela acabaria por ver os aspectos positivos em mim. Íamo-nos apaixonar e acabaríamos por casar e ter filhos maravilhosos.

Uma noite ela disse-me:

- Os meus tios fazem um almoço de família todos os domingos. Acho que ias gostar deles. Se estiver livre este domingo, queres vir almoçar conosco?

A fantasia estava a tornar-se realidade.

Aquele domingo acabou por tornar-se uma experiência extremamente agradável. Era uma reunião de uma calorosa família italiana, que juntava cerca de uma dúzia de adultos e crianças em volta de uma enorme mesa de jantar cheia de bruschetta, sopa fagioh, frango cacciatore e lasanha no forno.

O tio de Joan era um homem afável e gregário chamado Louie Alterie e era o chefe do sindicato dos porteiros. Quando chegou a hora de me vir embora, agradeci a todos e comentei a Joan o quanto apreciara o seu convite. Era verdadeiramente o início da nossa relação.

Na manhã seguinte, Louie Alterie foi abatido a tiros de metralhadora ao sair do edifício onde tivéramos o nosso almoço.

Joan desapareceu da minha vida.

A fantasia acabou.

Entre a escola durante o dia, as noites passadas no bengaleiro e os sábados na drugstore, tinha muito pouco tempo para mim.

Algo de estranho se passava em minha casa. Havia tensão, mas era de um tipo diferente. Natalie e Otto sussurravam umas coisas um ao outro e tinham um aspecto sombrio.

Uma manhã, Otto chegou junto de mim e disse:

- Filho, vou para uma quinta. Parto hoje.

Fiquei espantado. Eu nunca estivera numa quinta e pensei que podia ser divertido.

- Gostava de poder ir contigo, Otto. Ele abanou a cabeça.

- Lamento muito, mas não te posso levar comigo.

- Mas...

- Não, Sidney.

- Está bem. E quando é que voltas?

- Daqui a três anos. E foi-se embora.

Três anos? Não podia acreditar. Como é que ele nos podia abandonar durante três anos para ir viver numa quinta? Natalie entrou no quarto. Virei-me para ela.

- O que é que se passa?

- Infelizmente tenho más notícias para ti, Sidney. O teu pai meteu-se com gente má. – Explicou - Vendia máquinas de distribuição automática a lojas. O que o teu pai não sabia é que não havia máquinas. Os homens para quem trabalhava ficaram com o dinheiro e fugiram. Mas foram apanhados e o teu pai foi considerado culpado, juntamente com eles. Vai para a cadeia.

Fiquei chocado. Então a quinta era essa.

Por três anos?

Não sabia o que dizer. O que íamos nós fazer sem ele durante três anos?

A verdade é que não precisava de me ter preocupado.

Doze meses depois de Otto ter sido internado na prisão estadual de Lafayette, estava de volta a casa, um herói.

CAPÍTULO 4

Tínhamos lido nos jornais a história do heroísmo de Otto e ouvimo-la vezes sem conta na rádio. Eu não fazia a mínima idéia do que a prisão fazia a um homem, mas, por qualquer razão, tinha a sensação que ele voltaria mudado, pálido e vergado. Aguardava-me uma agradável surpresa.

Quando ele entrou pela porta da frente do nosso apartamento, ostentava um sorriso de orelha a orelha e estava alegre.

- Voltei. Saudou. Choveram os abraços.

- Queremos saber o que aconteceu. Otto sorriu.

- Tenho todo o prazer em contar tudo.

E sentou-se à mesa da cozinha e começou a contar:

- Eu estava a trabalhar no recinto da prisão, juntamente com a equipe de limpeza. A cerca de mil e quinhentos metros, há um enorme reservatório que armazena a água que abastece a prisão, cercado por um muro com uns três metros de altura. Olhei para cima e vi um garoto a sair de um dos edifícios. Devia ter três ou quatro anos. A equipe acabara o trabalho e eu estava sozinho.