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- As pessoas aqui estão desesperadas - disse ela. Não posso ir embora assim. Se me ordenar que volte, peço demissão.

- Está me chantageando?

- Estou, sim.

- Foi o que pensei. Mas não permito que ninguém me chantageie. Está me entendendo?

Dana esperou.

- Que tal uma licença? - perguntou ele.

- Não preciso de uma licença.

Ela pôde ouvir o suspiro de Matt pelo telefone.

- Está bem. Continue aí, Dana. Mas...

- Mas o quê?

- Prometa que tomará todo cuidado.

Dana podia ouvir os disparos de metralhadora perto do hotel.

- Prometo.

A cidade estivera sob um ataque intenso durante a noite inteira. Cada explosão de morteiro significava outro prédio destruído, outra família sem teto ou, ainda pior, morta.

No início da manhã, Dana e sua equipe saíram para rua, prontos para filmar. Benn Albertson esperou que o barulho da explosão de um morteiro se desvanecesse, depois acenou com a cabeça para Dana.

- Dez segundos.

- Estou pronta.

Benn apontou um dedo. Dana virou-se das ruínas para trás e olhou para a câmera.

- Esta é uma cidade que pouco a pouco desaparece da face da Terra. Com a eletricidade cortada, seus olhos se estingüiram... As emissoras de televisão e rádio foram fechadas, e não têm mais ouvidos... Todo o transporte público está interrompido, e com isso perdeu suas pernas...

A câmera mostrou um playground deserto e bombardeado, com os esqueletos enferrujados de balanços e escorregas.

- Em outra época, crianças brincavam aqui, e o som de suas risadas povoava o ar.

Ouviu-se de novo o som de uma explosão de morteiro não muito longe. Um alarme de ataque aéreo soou subitamente. As pessoas andando pela rua por trás de Dana continuaram como se nada tivessem ouvido.

- O som que acabaram de ouvir é outro alarme de ataque aéreo. É o sinal para as pessoas correrem e se esconderem.

Mas os cidadãos de Sarajevo descobriram que não há lugar para se esconderem, e por isso continuam andando imersos em seu silêncio. Os que podem fogem do país, renunciando a seus apartamentos e todos os seus bens. Entre os que ficam, são muitos os que morrem. É uma opção cruel. Há rumores de paz. Rumores demais, paz de menos. Virá mesmo? Quando? Será que um dia as crianças vão sair de seus porões e usar de novo este playground? Ninguém sabe. Elas só podem acalentar essa esperança.

Aqui é Dana Evans, de Sarajevo, para a WTE.

A luz vermelha na câmera piscou e apagou.

- Vamos sair logo daqui - disse Benn.

Andy Casarez, o novo câmera, começou a guardar o equipamento, o mais depressa possível.

Havia um garoto parado na calçada, observando Dana. Era um pirralho de rua, vestindo roupas esfarrapadas e imundas, os sapatos rasgados. Olhos castanhos intensos faiscavam num rosto coberto de sujeira. Não tinha o braço direito. Ela percebeu que o garoto a observava e sorriu.

- Olá.

Não houve resposta. Dana deu de ombros e virou-se para Benn.

- Vamos embora.

Poucos minutos depois, eles estavam voltando para o Holiday Inn. O hotel se achava lotado de repórteres de jornais e emissoras de rádio e televisão. Formavam uma família disparatada. Eram rivais, mas por causa das circunstâncias perigosas em que se encontravam ali, sempre se mantinham dispostos a ajudar uns aos outros. Haviam coberto acontecimentos emocionantes juntos.

Houve um tumulto em Montenegro... Houve um bombardeio em Vukovar...

Um hospital fora destruído por bombas em Petrovo Selo... Jean Paul Hubert fora embora, enviado para outra missão. Dana sentia muita saudade.

Certa manhã, quando Dana deixava o hotel, avistou na vila o mesmo menino que encontrara na rua dias antes.

Jovan abriu a porta do Land Rover substituto.

- Bom dia, madame.

- Bom dia.

O menino continuava ali, olhando para ela. Dana foi a seu encontro.

- Bom dia.

Não houve resposta. Dana perguntou a Jovan:

- Como se diz "bom dia" em esloveno?

Foi o menino quem respondeu:

- Dobyo jutro.

Dana virou-se para ele.

- Então você entende inglês.

- Talvez.

- Qual é o seu nome?

- Kemal.

- Quantos anos você tem, Kemal?

O menino virou-se e afastou-se.

- Ele tem medo de estrangeiros - explicou Jovan.

Dana ficou olhando para o menino.

- Não o culpo. Eu também tenho.

Quatro horas mais tarde, quando o Land Rover voltou à viela por trás do Holiday Inn, Kemal esperava perto da entrada. Quando Dana saltou, ele disse:

- Doze.

- Como? - Dana se lembrou.

- Ah, sim.

Ele era pequeno para sua idade. Ela olhou para a manga direita vazia e começou a fazer uma pergunta, mas depois se conteve.

- Onde você mora, Kemal? Podemos levá-lo em casa.

Ela observou-o se virar e se afastar.

- Ele não tem boas maneiras - comentou Jovan.

- Talvez as tenha perdido junto com o braço - murmurou Dana.

Naquela noite, no restaurante do hotel, os jornalistas conversavam sobre os novos rumores de uma paz iminente.

- A ONU finalmente se envolveu - disse Gabriella Orsi.

- Já era tempo.

- Se querem saber minha opinião, foi tarde demais.

- Nunca é tarde demais - declarou Dana.

Na manhã seguinte, receberam duas informações. A primeira era sobre o iminente acordo de paz, intermediado pelos Estados Unidos e a ONU. A segunda era de que o Oslobodjenje, o jornal de Sarajevo, fora bombardeado e não existia mais.

- Nosso pessoal em Washington está cobrindo o acordo de paz - disse Dana a Benn.

- Vamos fazer uma reportagem sobre o Oslobodjenje.

Dana estava parada na frente do prédio demolido que outrora abrigava o Oslobodjenje. A luz vermelha na câmera acendeu.

- Pessoas morrem aqui todos os dias, prédios são destruídos - declarou Dana, olhando para a lente.

- Mas este prédio foi assassinado. Abrigava o único jornal livre em Sarajevo, o Oslobodjenje. Era um jornal que ousava dizer a verdade. Quando a parte superior foi bombardeada, o pessoal se transferiu para o porão, a fim de manter o jornal vivo. Quando não havia mais bancas para vender o jornal, os repórteres saíam pelas ruas para vender os exemplares pessoalmente. E vendiam mais do que jornal. Vendiam liberdade. Com a morte do Oslobodjenje, mais uma parte da liberdade morreu aqui.

Em sua sala, Matt Baker assistia à transmissão.

- Ela é mesmo incrível! - Ele virou-se para seu assistente.

- Quero que ela tenha seu próprio caminhão para as transmissões por satélite. Providencie tudo.

- Pois não, senhor.

Dana encontrou um visitante à espera quando voltou ao seu quarto. Ao entrar, deparou com o coronel Gordan Divjak refestelado numa cadeira. Ela parou, surpresa.

- Não me avisaram que havia um visitante.

- Não é uma visita social. - Os olhos pretos e pequenos focalizavam Dana com a maior intensidade.

- Assisti à sua reportagem sobre o Oslobodjenje.

Dana estudou-o, cautelosa.

- É mesmo?

- Recebeu permissão para entrar em nosso país com intenção de noticiar, não de fazer julgamentos.

- Não fiz nenhum...

- Não me interrompa. Sua idéia de liberdade não é necessariamente nossa idéia de liberdade. Está me entendendo?

- Não. Receio que...

- Pois então deixe-me explicar, srta. Evans. É uma hóspede em meu país. Talvez seja uma espiã do seu governo.

- Não sou nenhuma...

- Não me interrompa. Eu a adverti no aeroporto. Não é nenhum jogo o que temos aqui. Estamos em guerra. Qualquer pessoa envolvida em espionagem será executada.