Jeremy Robinson, o gerente-geral do hotel, acabara de chegar para o seu turno da noite e estudava o registro de hóspedes com uma expressão de perplexidade. Verificou outra vez os nomes nas Terrace Suítes, todas de elite, para ter certeza de que não fora cometido nenhum erro.
Na suíte 325, uma atriz em declínio ensaiava para a estréia de uma peça no National Theater. Segundo uma notícia no Washington Post, ela esperava assim promover o seu retorno em grande estilo. Na 425, a suíte acima, estava um conhecido negociante de armas, que visitava Washington regularmente. O nome no registro era J. L. Smith, mas sua aparência sugeria um dos países do Oriente Médio. O sr. Smith era de extrema generosidade em matéria de gorjetas. A suíte 525 estava ocupada por William Quint, um congressista que presidia a poderosa comissão de fiscalização de drogas. Acima, a suíte 625 alojava um vendedor de software de computador, que visitava Washington uma vez por mês. Pat Murphy, um lobista internacional, estava registrado na suíte 725.
Até aqui, tudo bem, pensou Jeremy Robinson. Ele conhecia bem todos aqueles hóspedes. Era na suíte 825, a Imperial, no último andar, que se encontrava o enigma. Era a mais elegante suíte do hotel, sempre mantida em reserva para os VIPS mais destacados. Ocupava todo o andar e era decorada com valiosos quadros e antigüidades. Tinha seu elevador particular, que subia da garagem subterrânea, a fim de que os hóspedes que quisessem permanecer anônimos pudessem chegar e partir com a devida privacidade.
O que deixava Jeremy Robinson perplexo era o nome no registro do hoteclass="underline" Eugene Gant. Havia mesmo uma pessoa com esse nome, ou alguém que apreciava Thomas Wolfe o escolhera como um pseudônimo?
Carl Gorman, o recepcionista do dia, que registrara o epônimo sr. Gant, viajara em férias poucas horas antes, e estava inacessível. Robinson detestava mistérios. Quem era Eugene Gant e por que lhe fora concedida a Suíte Imperial?
Na suíte 325, no terceiro andar, Dame Gisella Barrett ensaiava para uma peça. Era uma mulher de aparência distinta, com sessenta e tantos anos, uma atriz que outrora encantara platéias e críticos do West End de Londres à Broadway de Manhattan. Ainda havia vestígios de beleza em seu rosto, mas se encontravam encobertos pela amargura.
Lera a notícia no Washington Post que comentava que viera a Washington para um retorno. Um retorno!, pensou Dame Barrett, indignada. Como eles ousam? Nunca estive ausente! Era verdade que haviam transcorrido mais de vinte anos desde a última vez em que se apresentara no palco, mas isso só acontecera porque uma grande atriz precisava de um grande papel, um diretor brilhante e um produtor compreensivo. Os diretores de hoje eram jovens demais para lidar com a grandeza do verdadeiro Teatro, e os grandes produtores ingleses - H.M. Tenant, Binkìe Beaumont, C.B. Cochran - já haviam todos saído de cena. Até mesmo os produtores americanos relativamente competentes, Helburn, Belasco e Golden, não mais atuavam. Não podia haver a menor dúvida a respeito: o teatro atual era controlado por arrivistas que não sabiam de nada, sem qualquer experiência. Os velhos tempos haviam sido maravilhosos. Havia então teatrólogos cujas penas eram embebidas em relâmpagos. Dame Barrett fizera o papel de Ellie Dunn em A casa da desilusão, de Shaw. Como os críticos ficaram extasiados comigo! Pobre George. Ele detestava ser chamado de George. Preferia Bernard. As pessoas pensavam nele como uma pessoa áspera e amarga, mas por baixo de tudo ele era na verdade um irlandês romântico. Costumava me mandar rosas vermelhas. Acho que era tímido demais para ir além disso. Talvez tivesse medo de que eu o rejeitasse.
Ela estava prestes a voltar ao palco num dos papéis mais vigorosos de todos os tempos: Lady Macbeth. Era a escolha perfeita para ela.
Dame Barrett pôs uma cadeira na frente de uma parede vazia, a fim de não ser distraída pela vista lá fora. Sentou-se, respirou fundo e começou a se embrenhar no papel que Shakespeare criara: Venham, ó espíritos. Que cuidam dos pensamentos mortais! Privem-me de ser mulher e me encham da cabeça aos pés. Da mais torpe crueldade, meu sangue engrossem, Cortem o acesso e a passagem ao remorso, Que nenhuma visitação compadecida da natureza abale meu infame propósito, nem a paz promova entre o efeito e ele!
- ...Pelo amor de Deus, como podem ser tão estúpidos. Depois de tantos anos em que me hospedo neste hotel, era de se esperar que... A voz trovejava pela janela aberta, vinda da suíte acima.
Na suíte 425, J.L. Smith, o negociante de armas, repreendia um garçom aos berros:
- ...já soubessem a esta altura que só peço caviar beluga. Beluga! - Ele apontou para uma travessa de caviar na mesa da suíte.
- Isso é um prato para camponeses!
- Sinto muito, sr. Smith. Voltarei à cozinha e...
- Não importa. - J.L. Smith olhou para seu Rolex cravejado de diamantes.
- Não há mais tempo. Tenho uma reunião importante.
Ele se levantou e encaminhou-se para a porta. Era esperado no escritório de seu advogado. Um dia antes, um grande júri federal o indiciara por quinze acusações de dar presentes ilegais ao secretário da Defesa. Se fosse considerado culpado, enfrentaria três anos na prisão e uma multa de um milhão de dólares.
Na suíte 525, William Quint, congressista, membro de proeminente família de terceira geração em Washington, estava reunido com três investigadores de sua equipe.
- O problema das drogas nesta cidade está escapando por completo ao controle - disse Quint.
- E precisamos recuperar o controle.
Ele virou-se para Dalton Isaak e perguntou:
- Qual é a sua área?
- As gangues de rua. A Brentwood Crew está vendendo mais barato que a Fourteenth Street Crew e a Simple City Crew. Isso provocou quatro assassinatos no mês passado.
- Não podemos continuar assim - declarou Quint. É ruim para os negócios. Venho recebendo telefonemas do DEA e do chefe de polícia, perguntando o que planejamos fazer a respeito.
- E o que lhes disse?
- O de sempre. Que estamos investigando. - Ele virou-se para um assessor.
- Marque uma reunião com a Brentwood Crew. Diga-lhes que, se quiserem nossa proteção, terão de ajustar seus preços no mesmo nível dos outros. - O congressista fez uma pausa e virou-se para outro assessor.
- Quanto recebemos no mês passado?
- Dez milhões aqui, dez milhões no exterior.
- Vamos exigir mais. A cidade está se tornando muito explosiva.
Na suíte acima, a 625, Norman Haff estava deitado nu na cama, no escuro, assistindo a um filme pornô no canal de circuito fechado do hotel. Era um homem pálido, com uma enorme barriga de cerveja e um corpo flácido. Ele estendeu a mão e acariciou o seio de sua companheira de cama.
- Veja o que eles estão fazendo, Irma. - Sua voz era um sussurro estrangulado.
- Gostaria que eu fizesse isso com você? - Ele correu os dedos em círculo pela barriga de Irma, os olhos fixados na tela, onde uma mulher fazia amor ardente com um homem.
- Isso a excita, meu bem? Pode ter certeza de que me deixa com o maior tesão. - Norman enfiou dois dedos entre as pernas de Irma, balbuciando:
-Estou pronto.
Ele agarrou a boneca inflável, montou por cima, penetrou-a. A vagina da boneca de pilha abria e fechava em torno dele, apertando com uma força cada vez maior.
- Oh, Deus! - balbuciou ele, soltando um grunhido de satisfação.
- Gozei!
Norman desligou a pilha e ficou estendido na cama, ofegando. Sentia-se maravilhoso. Tornara a usar Irma pela manhã, antes de esvaziá-la e guardá-la na mala.
Norman era um vendedor, passava a maior parte do tempo em viagem, visitando cidades estranhas, em que não tinha qualquer companhia. Descobrira Irma anos antes, e era toda a companheira de que precisava. Seus amigos de profissão eram uns idiotas, viajavam pelo país se divertindo com prostitutas. Mas Norman riria por último. Irma nunca lhe daria uma doença.
No andar acima, na suíte 725, a família de Pat Murphy acabara de voltar do jantar. Tim Murphy, de doze anos, estava parado na sacada que dava para o parque.