- Amanhã podemos subir até o alto do monumento, papai? - suplicou ele.
- Por favor?
O irmão mais moço disse:
- Não. Quero ir ao Smithsonian Institute.
- Institution - corrigiu o pai.
- Tanto faz. Quero ir lá.
Era a primeira vez que os meninos visitavam a capital da nação, embora o pai passasse mais da metade de cada ano ali. Pat Murphy era um bem-sucedido lobista e tinha acesso a algumas das pessoas mais importantes de Washington.
Seu pai fora prefeito de uma pequena cidade do Ohio. Pat crescera fascinado por política. Seu melhor amigo era um menino chamado Joey. Estudavam juntos, freqüentavam os mesmos acampamentos de verão, partilhavam tudo. Eram os melhores amigos no sentido mais autêntico da expressão. Mas tudo mudou nos feriados em que os pais de Joey viajaram e o menino ficou na casa dos Murphys. No meio da noite, Joey foi ao quarto de Pat, subiu na cama e sussurrou:
- Pat, acorde...
Os olhos de Pat se abriram.
- O que foi?
- Estou me sentindo solitário, Pat... e preciso de você. Pat Murphy ficou confuso.
- Para quê?
- Não compreende? Eu amo você. Quero você. - E ele dera um beijo nos lábios de Pat.
Surgira então a terrível compreensão de que Joey era um homossexual. Pat ficara repugnado. E dali por diante recusara-se a falar com Joey outra vez.
Pat Murphy detestava homossexuais. Eram anormais, bichas, veados, amaldiçoados por Deus, tentando seduzir crianças inocentes. Ele convertera seu ódio e repulsa numa campanha vitalícia, só votando em candidatos que eram contra os homossexuais e fazendo preleções sobre os males e perigos do homossexualismo.
No passado, ele sempre fora a Washington sozinho, mas desta vez a esposa insistira obstinadamente que a levasse junto com as crianças.
- Queremos saber como é a sua vida - alegara ela.
E Pat acabara cedendo.
Ele olhou para a esposa e filhos e pensou: É uma das últimas vezes em que os verei. Como pude cometer um erro tão estúpido? Mas está quase terminando agora. A família tinha grandes planos para amanhã. Mas não haveria amanhã. Bem cedo, antes que acordassem, ele estaria a caminho do Brasil. Alan o esperava.
Na suíte 825, a Imperial, havia um silêncio total. Respire, disse para si mesmo. Você deve respirar... mais devagar, mais devagar... Estava à beira do pânico. Olhou para o corpo esguio e nu da moça no chão e pensou: Não foi culpa minha. Ela escorregou.
A cabeça rachara quando a moça batera na beira da mesinha de ferro batido, o sangue escorria da testa. Sentira o pulso dela. Não havia qualquer pulsação. Era incrível. Num momento ela se encontrava tão viva, e no momento seguinte.
Tenho de sair daqui. Agora! Ele se afastou do corpo e começou a se vestir, apressado. Aquilo não seria apenas um escândalo. Seria um escândalo que abalaria o mundo. Nunca devem me ligar a esta suíte. Quando acabou de se vestir, foi ao banheiro, molhou uma toalha e começou a limpar as superfícies de todos os lugares em que poderia ter tocado. E quando finalmente teve certeza de que não restavam impressões digitais para marcar sua presença, deu uma olhada ao redor. A bolsa da moça! Ele foi pegar a bolsa no sofá ! Encaminhou-se para a extremidade da suíte, onde o elevador privativo esperava.
Entrou, fazendo um esforço para controlar a respiração. Apertou G e, poucos segundos depois, a porta do elevador se abriu e ele estava na garagem.
Não havia ninguém ali. Ele foi até seu carro, mas se lembrou de repente, voltou quase correndo para o elevador. Tirou o lenço do bolso, limpou as impressões digitais dos botões do elevador. Ficou parado nas sombras, tornou a olhar ao redor, para se certificar de que continuava sozinho. Finalmente satisfeito, foi até seu carro, abriu a porta, sentou-se ao volante. Depois de um momento, ligou o motor e deixou a garagem subterrânea.
Foi uma camareira filipina quem encontrou o cadáver da moça esparramado no chão.
- O Dios ko, kawawa naman iyong babae!
Ela fez o sinal-da-cruz e saiu correndo da suíte, gritando por socorro.
Uns minutos depois, Jeremy Robinson e Thom Peters, o chefe da segurança do hotel, estavam na Suíte Imperial, olhando para o corpo nu da moça.
- Oh, Deus! Ela não pode ter mais que dezesseis ou dezessete anos! - Thom virou-se para o gerente.
- É melhor chamarmos a polícia.
- Espere!
Polícia. Jornais. Publicidade. Por um momento de desespero, Robinson especulou se seria possível remover o corpo da moça do hotel sem que ninguém soubesse. Mas depois ele murmurou, relutante:
- Acho que sim.
Thom Peters tirou um lenço do bolso e usou-o para pegar o telefone.
- O que está fazendo? - indagou Robinson.
- Isto não é uma cena do crime. Foi um acidente.
- Ainda não sabemos, não é? Peters discou um número e esperou.
- Homicídios.
O detetive Nick Reese parecia uma versão de livro do policial com vivência das ruas. Era alto e musculoso, com um nariz quebrado que recordava uma carreira anterior no boxe. Começara como um guarda de ronda no Departamento de Polícia Metropolitana de Washington e, pouco a pouco, fora sendo promovido: chefe de ronda, sargento, tenente. Passara de detetive D2 a detetive D1, e nos últimos dez anos resolvera mais casos do que qualquer outro no departamento.
O detetive Reese parou ali, estudando a cena em silêncio. Havia mais meia dúzia de homens na suíte.
- Alguém tocou nela?
Robinson estremeceu.
- Não.
- Quem é ela?
- Não sei.
Reese virou-se para o gerente do hotel.
- Uma moça é encontrada morta na Suíte Imperial e você não tem a menor idéia de quem ela seja? Este hotel não tem um registro de hóspedes?
- Claro que tem, detetive, mas neste caso... - ele hesitou.
- Neste caso ... ?
- A suíte foi registrada em nome de Eugene Gant.
- E quem é Eugene Gant?
- Não tenho a menor idéia.
O detetive Reese começava a ficar impaciente.
- Se alguém alugou esta suíte, teve de pagar.. em dinheiro, cartão de crédito, cheque... qualquer coisa. E quem registrou esse Gant deve ter dado uma boa olhada nele. Quem foi?
- Nosso recepcionista do dia, Gorman.
- Quero falar com ele.
- Eu... receio que seja impossível.
- É mesmo? Por quê?
- Ele partiu em férias hoje.
- Telefone para ele.
Robinson suspirou.
- Ele não disse para onde ia.
- Quando voltará?
- Dentro de duas semanas.
- Vou lhe contar um segredinho. Não planejo esperar por duas semanas. Quero algumas informações agora. Alguém deve ter visto alguém entrando ou saindo desta suíte.
- Não necessariamente - murmurou Robinson, num tom de quem se desculpava.
- Além da saída regular, esta suíte conta com um elevador privativo que desce direto para a garagem subterrânea... Mas não sei por que essa confusão toda. Afinal, é óbvio que foi um acidente. Ela devia ser uma viciada, tomou uma overdose, tropeçou e caiu.
Outro detetive aproximou-se de Reese.
- Verifiquei os armários. O vestido dela é da Gap, os sapatos de Wild Pair. Não
há ajuda por aí.
- Não há nada para identificá-la?
- Não. Se ela tinha uma bolsa, desapareceu.
O detetive Reese tornou a estudar o corpo. Virou-se para um guarda parado ali perto.
- Vá me buscar um sabonete. Molhado.
O guarda fitou-o com uma expressão espantada.
- Como?
- Um sabonete molhado.
- Pois não, senhor.
O guarda se retirou, apressado. O detetive Reese ajoelhou-se ao lado do corpo da moça e estudou o anel em seu dedo.
- Parece um anel de escola.
Um minuto depois, o guarda voltou e entregou a Reese um sabonete molhado.
Com o maior cuidado, Reese esfregou o sabonete no dedo da moça, depois retirou o anel. Virou-o de um lado para outro, examinando-o.