Lonergan suspirou.
- É uma pena. Eu esperava que ele pudesse preencher os espaços em branco.
- Espaços em branco?
- Isso mesmo. Vamos publicar uma grande reportagem sobre a morte da filha da governadora Houston em seu hotel. Bom, terei de completar a matéria sem Gorman.
- Ele pegou um bloco e uma caneta.
- Há quanto tempo este hotel existe? Quero saber de tudo sobre sua história, sua clientela...
Jeremy Robinson franziu o rosto.
- Espere um pouco. Tenho certeza que isso não é necessário. Afinal, ela poderia ter morrido em qualquer lugar. Frank Lonergan balançou a cabeça, com uma expressão compadecida.
- Sei disso, mas foi aqui que aconteceu. Seu hotel vai se tornar tão famoso quanto Watergate.
- Sr.?
- Lonergan.
- Sr. Lonergan, eu agradeceria se pudesse... isto é, uma publicidade assim é sempre prejudicial. Não há nenhuma possibilidade ... ?
Lonergan se mostrou pensativo por um momento.
- Se eu pudesse conversar com o sr. Gorman, talvez encontrasse um ângulo diferente.
- Eu ficaria muito agradecido por isso. Vou lhe dar o endereço dele.
Frank Lonergan começava a ficar nervoso. À medida que a seqüência de acontecimentos ia se definindo, tomava-se evidente que ocorrera uma conspiração para assassinato e uma operação de encobrimento no mais alto nível. Antes de procurar o recepcionista do hotel, ele decidiu passar por seu apartamento. Sua esposa, Rita, estava na cozinha, preparando o jantar. Era uma ruiva pequena, com olhos verdes faiscantes e uma pele muito clara. Virou-se, surpresa, quando o marido entrou.
- O que veio fazer em casa no meio do dia, Frank?
- Apenas pensei em passar por aqui e dar um olá.
Ela fitou-o nos olhos.
- Não é só isso. Há mais alguma coisa acontecendo. O que é?
Lonergan hesitou.
- Há quanto tempo não visita sua mãe?
- Estive com ela na semana passada. Por quê?
- Por que não a visita de novo, meu bem?
- Há alguma coisa errada?
Ele sorriu.
- Errada? - Lonergan foi até a comija da lareira. É melhor começar a tirar a poeira. Vamos pôr um Prêmio Pulitzer aqui e um Prêmio Peabody ali.
- Do que está falando?
- Estou investigando um caso que vai abalar uma porção de gente... e nos mais altos níveis. É a reportagem mais emocionante que já fiz.
- Por que quer que eu visite minha mãe?
Lonergan deu de ombros.
- Há uma chance mínima de que o caso se torne um pouco perigoso. Algumas pessoas tentam ocultar os fatos. Eu me sentiria melhor se você passasse alguns dias fora de casa, até que tudo fique esclarecido.
- Mas se você corre perigo...
- Não, não corro nenhum perigo.
- Tem certeza de que nada vai acontecer com você?
- Absoluta. Arrume algumas roupas e saia logo daqui. Telefonarei para você esta noite.
- Está bem - murmurou Rita, relutante.
Lonergan olhou para seu relógio.
- Eu a levarei à estação ferroviária.
Uma hora depois, Lonergan parou diante de uma modesta casa de alvenaria na área de Wheaton. Saiu do carro, foi até a porta da frente e tocou a campainha.
Ninguém veio atender. Ele tocou de novo e esperou. A porta foi aberta abruptamente e uma mulher corpulenta, de meia-idade, fitou-o com expressão desconfiada.
- O que você quer?
- Sou da Receita Federal. - Lonergan mostrou uma identificação, sem dar tempo para a mulher verificar.
- Quero falar com Carl Gorman.
- Meu irmão não está.
- Sabe onde posso encontrá-lo?
- Não.
Depressa demais. Lonergan balançou a cabeça.
- É uma pena. Muito bem, pode começar a empacotar as coisas dele. Pedirei ao departamento para mandar o caminhão. - Lonergan virou-se, começou a voltar para seu carro.
- Ei, espere um minuto! Que caminhão? Do que está falando?
Lonergan parou, tornou a se virar para a mulher.
- Seu irmão não lhe contou?
- Contou o quê?
Lonergan se aproximou alguns passos.
- Ele está numa encrenca.
A mulher fitou-o com uma expressão ansiosa.
- Que tipo de encrenca?
- Lamento, mas não estou autorizado a falar a respeito. - Lonergan balançou a cabeça.
- E ele parece uma boa pessoa.
- E é mesmo! - exclamou a mulher, com veemência.
- Carl é uma pessoa maravilhosa!
Lonergan acenou com a cabeça.
- Foi essa a impressão que tive quando o interrogamos no departamento.
O pânico da irmã era evidente.
- Interrogaram sobre o quê?
- Fraude no imposto de renda. É uma pena. Eu queria dizer a ele que há uma contradição nas normas que poderia ajudá-lo, mas... - Lonergan tornou a se virar para ir embora.
- Espere! Ele... Carl foi para um hotel de pesca. Eu não deveria contar a ninguém onde fica.
Ele deu de ombros.
- Por mim, tudo bem.
- Não... mas este caso é diferente. É o Sunshine Fishing Lodge, no lago em Richmond, Virgfnia.
- Está certo. Entrarei em contato com ele.
- Seria maravilhoso. Tem certeza de que não vai acontecer nada com Carl?
- Absoluta. Providenciarei para que ele seja bem cuidado.
Lonergan pegou a 1-95, rumo ao sul, Richmond ficava a pouco mais de 150 quilômetros de distância. Em férias, anos antes, Lonergan pescara no lago, e tivera sorte. Esperava ter sorte também desta vez.
Caía uma chuva fina, mas Carl Gorman não se importava. Era nessas ocasiões que os peixes mais mordiam a isca. Queria pegar a perca-listrada, e usava barrigudinhos como isca, suspensos por bóias, na esteira do bote a remo. As ondas batiam contra a pequena embarcação, no meio do lago, e a isca continuava intocada. Os peixes não estavam com pressa. Não importava. Ele também não tinha pressa. Nunca se sentira mais feliz. Ia ficar mais rico do que imaginara em seus sonhos mais
delirantes. Fora um golpe de sorte. Você precisa estar no lugar certo no momento certo.
Ele voltara ao Monroe Arins para buscar um casaco que esquecera e já ia deixar a garagem quando a porta do elevador privativo abrira. Ao ver quem saía, ele arriara em seu carro, aturdido. Observara o homem voltar, limpar as impressões digitais no elevador e depois partir.
Mas só compreendera tudo ao ler a notícia do assassinato no dia seguinte. De certa forma, sentia pena do homem. Sou mesmo fã dele. O problema é que um homem assim, tão famoso, jamais consegue se esconder. Aonde quer que vá, o mundo o conhece. Ele me pagará para ficar quieto. Não tem opção. Começarei com cem mil. Depois que ele pagar uma vez, terá de continuar a pagar. Talvez eu compre um castelo na França ou um chalé na Suíça.
Carl Gorman sentiu um puxão na extremidade da linha e apertou o caniço. Podia sentir o peixe tentando escapar. Você não vai a lugar nenhum. Está fisgado.
À distância, ele ouviu o barulho de uma lancha grande se aproximando. Não deveriam permitir lanchas no lago. Só servem Para afugentar os peixes. A lancha vinha em sua direção.
- Não chegue tão perto! - gritou Carl.
A lancha parecia vir direto para cima dele.
- Ei, tome cuidado! Veja para onde vai! Pelo amor de Deus...
A lancha atingiu o bote, partiu-o ao meio, e a água sugou Gorman para baixo.
- Mas que bêbado idiota!
Ele ofegava para respirar. Conseguiu projetar a cabeça além da superfície. A lancha fizera a volta e se aproximava de novo. E a última coisa que Carl Gorman sentiu, antes da lancha esmagar seu crânio, foi outro puxão do peixe na linha.
Quando Frank Lonergan chegou ao local, a área estava apinhada de carros da polícia, um caminhão do corpo de bombeiros e uma ambulância. A ambulância partia naquele momento. Frank Lonergan saltou do carro e perguntou a um espectador:
- O que aconteceu?
- Algum pobre coitado sofreu um acidente no lago. Não restou muita coisa dele.
E Lonergan soube no mesmo instante.
À meia-noite, Frank Lonergan trabalhava em seu computador, sozinho no apartamento, escrevendo a reportagem que destruiria o presidente dos Estados Unidos. Era uma reportagem que lhe valeria o Prêmio Pulitzer. Não havia a menor dúvida a respeito em sua mente. Aquela matéria haveria de torná-lo mais famoso do que Woodward e Berristein. Era a reportagem do século. Ele foi interrompido pelo som da campainha da porta. Levantou-se e foi atender.