— Entendido — respondeu Hagen. — A que horas Fred deve ter o carro
— Depois que os convidados partirem — retrucou Dou Corleone. — Genco esperará por mim.
— O senador telefonou — informou Hagen — pedindo desculpas por não ter vindo pessoalmente e disse que você compreenderia. Provavelmente quis referir-se a esses agentes do FBI que, do outro lado da rua, tomavam nota dos números dos carros. Contudo, mandou o seu presente por um mensageiro especial.
Dou Corleone acenou com a cabeça. Não achou necessário mencionar que ele mesmo avisara o senador para não vir.
— Ele mandou um presente bonito?
Hagen teve uma expressão italiana que ficou muito esquisita nas suas feições teuto-irlandesas.
— Prata antiga, muito valiosa. Os meninos podem vendê-la por uns mil dólares, no mínimo. O senador perdeu um tempão para encontrar exatamente a coisa certa. Para essa gente, isso é mais importante do que o preço.
Dou Corleone não escondia o prazer de que um homem tão importante como o senador tivesse mostrado tal respeito por ele. O senador, como Luca Brasi, era uma das peças fundamentais da estrutura de poder de Dou Corleone, e, com seu presente, tinha reafirmado sua lealdade.
Quando Johnny Fontane apareceu no jardim, Kay Adams reconheceu-o imediatamente. Ficou verdadeiramente surpresa.
— Você nunca me disse que a sua família conhecia Johnny Fontane — disse ela. — Agora, tenho certeza de que vou casar com você.
— Quer falar com ele? — indagou Michael.
— Agora não — respondeu Kay suspirando. — Estive apaixonada por Johnny durante três anos. Eu costumava vir a Nova York toda vez que ele cantava no Capitólio, e gritava até não poder mais. Achava-o maravilhoso.
— Vamos falar com ele mais tarde — disse Michael.
Quando Johnriy acabou de cantar e desapareceu dentro da casa com Don Corleone, Kay disse maliciosamente a Michaeclass="underline"
— Não me diga que um artista de cinema tão famoso como Johnny Fontane precisa pedir favor a seu pai.
— Ele é afilhado de meu pai — respondeu Michael. — E se não fosse meu pai, ele não seria um astro de cinema hoje.
— Isso parece outra grande história sua — gargalhou Kay.
Michael balançou a cabeça negativamente.
— Não, posso contar esta — disse ele.
— Conte-me — pediu ela.
Então Michael contou: Contou-lhe sem ser engraçado, sem orgulho, sem qualquer explicação, senão a de que há oito anos passados, Don Corleone era mais impetuoso, e, como a questão dizia respeito a seu afilhado, ele considerava isso um caso de honra pessoal.
A história foi narrada rapidamente. Há oito anos passados, Johnny Fontane fizera um sucesso extraordinário cantando com uma banda popular. Tornou-se unia grande atração radiofônica. Infelizmente, o diretor da banda, uma personalidade bem conhecida do mundo das diversões, chamado Les Halley, fizera Johnny assinar um contrato de cinco anos. Isso era hábito no meio artístico. Les Halley podia então emprestar Johnny a quem quisesse e ficar com a maior parte do dinheiro.
Dou Corleone entrou nas negociações pessoalmente. Ofereceu a Les Halley vinte mil dólares para liberar Johnny Fontane do contrato. Halley propôs uma percentagem de 50% dos ganhos de Johnny. Don Corleone achou graça. Baixou a oferta de vinte mil dólares para dez mil. O diretor da banda, um homem que não conhecia nada mais além do meio artístico, não compreendeu absolutamente a importância da oferta mais baixa, e a recusou.
No dia seguinte, Dou Corleone foi ver pessoalmente o diretor da banda, Levou consigo seus dois melhores amigos: Genco Abbandando, que era seu consigliori, e Luca Brasi. Sem outras testemunhas, Dou Corleone persuadiu Les Halley a assinar um documento, cedendo todos os direitos sobre Johnny Fontane, pelo pagamento de um cheque visado na importância de dez mil dólares. Don Corleone fez isso encostando uma pistola na testa do diretor da banda e assegurando-lhe com a maior seriedade que ou sua assinatura ou seus miolos estariam nesse documento exatamente num minuto. Les Halley assinou. Don Corleone meteu a pistola no bolso e entregou-lhe o cheque visado.
O resto era história. Johnny Fontane continuou a subir até tornar-se o cantor mais sensacional do país. Fez filmes musicais em Hollywood que trouxeram uma fortuna para o seu estúdio. Seus discos faturavam milhões de dólares. Então, ele se divorciou de sua mulher, que fora sua namorada desde a infância, e abandonou as duas filhas, para casar com a estrela loura mais espetacular do cinema. Ele logo ficou sabendo que ela era uma “prostituta”. Ele bebia, jogava, procurava outras mulheres. Perdeu a voz, e não podia mais cantar. Pararam de vender os seus discos. O estúdio não lhe renovou o contrato. E assim, agora voltou para o seu Padrinho.
— Você tem certeza — falou Kay refletindo — de que não está com ciúme de seu pai? Tudo o que você me contou sobre ele mostra-o fazendo algo por outras pessoas. Ele deve ter um bom coração. — Ela deu um sorriso amarelo. Na realidade, os seus métodos não são exatamente constitucionais.
Michael deu um suspiro.
— Acho que a coisa parece assim, mas deixe-me dizer-lhe isso. Você já ouviu falar naqueles exploradores árticos que deixam depósitos secretos de comida espalhados na rota do Pólo Norte? Justamente para o caso de que possam necessitar deles algum dia? Isso é o que representam os favores do. meu pai. Algum dia ele estará em cada uma das casas dessas pessoas e será melhor que elas venham ao encontro dele.
Era quase crepúsculo, quando o bolo de casamento foi apresentado, aplaudido e comido. Especialmente feito por Nazorine, estava tão habilidosamente enfeitado com conchas de creme, tão delicioso, que a noiva avidamente as arrancou do corpo do bolo, antes de escapar para a lua-de-mel com o seu noivo louro. Don Corleone delicadamente apressou a partida dos convidados, notando, entrementes, que o sedan preto com os agentes do FBI não estava mais à vista.
Finalmente, o único carro que encontrava na pista era o enorme Cadillac preto, com Freddie ao volante. Don Corleone acomodou-se no assento da frente, movendo-se com rápida coordenação para sua idade e volume. Sonny, Michael e Johnny Fontane acomodaram-se no assento de trás. Don Corleone falou para Michaeclass="underline"
— Sua namorada voltará para a cidade sozinha, sem problemas?
Michael confirmou com a cabeça.
— Tom disse que se encarregará disso.
Don Corleone balançou a cabeça com satisfação, ante a eficiência de Hagen.
Devido ao racionamento de gasolina ainda em vigor, havia pouco tráfego na estrada para Manhattan. Em menos de uma hora, o Cadillac passava pela rua do Hospital Francês. Durante a viagem, Don Corleone perguntou ao filio mais novo se ele ia bem na escola. Michael disse que sim.
— Johnny disse que você está acertando os negócios dele em Hollywood — falou Sonny do banco traseiro logo em seguida. — Você quer que eu vá lá para ajudar a resolver a situação?
Don Corleone foi incisivo.
— Tom vai lá hoje à noite. Não precisará de nenhuma ajuda, é um caso simples.
Sonny Corleone deu uma gargalhada.
— Johnny pensa que você não pode resolver a coisa, por isso achei que você podia querer que eu fosse lá.
Don Corleone virou a cabeça para trás.
— Por que você duvida de mim? — perguntou a Johnny Fontane. — Seu Padrinho não cumpriu sempre o que prometeu? Alguma vez me fizeram de bobo?
— Padrinho — apressou-se Johnny em desculpar.se — o homem que dirige aquele negócio é um verdadeiro pezzonovante de alto gabarito. Você não pode fazê-lo mudar de opinião, nem mesmo com dinheiro. Ele é muito bem relacionado. E me odeia. Na verdade não sei como você pode alterar isso.
Don Corleone respondeu com deleite carinhoso.
— Eu garanto que você terá o papel. Não vamos decepcionar meu afilhado, hem, Michael? — disse cutucando Michael com o cotovelo.