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A coisa mais interessante que Michael Corleone soube, ao ser informado sobre as transações retrospectivas da Família Corleone, foi que a Família recebera certa renda de proteção, logo depois da guerra, de um grupo de falsificadores de discos. Os falsificadores reproduziam e vendiam discos de artistas famosos, fazendo tudo com tanta habilidade que nunca foram apanhados. Naturalmente, nos discos que eles vendiam às lojas, os artistas e a companhia da produção original não recebiam um níquel sequer. Michael Corleone notou que Johnny Fontane perdera um bocado de dinheiro devido a essa falsificação porque, na época, exatamente antes de ele perder a voz, os seus discos eram os mais populares do país.

Michael perguntou a Tom Hagen como podia ter acontecido aquilo. Por que é que o Don permitira que os falsificadores tapeassem a seu afilhado? Hagen deu de ombros. Negócio era negócio. Além disso, Johnny não estava nas boas graças do Don, Johnny tinha-se divorciado de sua namorada de infância para casar com Margot Ashton. Isso desgostara imensamente o Don.

— Como é que esses sujeitos pararam com o negócio? — perguntou Michael. — A polícia os apanhou?

Hagen balançou a cabeça.

— O Don retirou a sua proteção. Isso foi logo depois do casamento de Connie.

Era uma dessas coisas que ele passaria a ver freqüentemente, o Don ajudando àqueles que tinham caído em desgraça, desgraça esta que ele em parte criara. Talvez não por astúcia ou premeditação, mas devido á sua variedade de interesses ou talvez devido à natureza do universo, o entrelaçamento do bem e do mal, coisa natural nesse mesmo universo.

Michael casara com Kay lá na Nova Inglaterra, um casamento tranqüilo, com a presença apenas dos parentes e de algumas amigas da noiva. Depois se mudaram para uma das casas da alameda em Long Beach. Michael ficou surpreso com a facilidade com que Kay fez amizade com seus pais e as outras pessoas que moravam na alameda. E naturalmente ela ficou logo grávida, como se podia esperar de uma boa esposa italiana à moda antiga, e isso ajudou. O segundo filho a caminho, em dois anos, era também uma ótima coisa.

Kay estaria esperando por ele no aeroporto, ela sempre vinha encontrá-lo, ficava contente de verdade quando Michael regressava de uma viagem. E ele também. Mas não agora. Pois o fim dessa viagem significava que.afinal teria de assumir o encargo para o qual ele vinha sendo preparado nos últimos três anos. O Don estaria esperando por ele. Os caporegimes estariam esperando por ele. E ele, Michael Corleone, teria de dar as ordens, tomar as decisões que determinariam o seu destino e também o destino da Família.

Diariamente, quando Kay Adams Corleone se levantava para preparar a primeira alimentação do bebê, via a mamãe Corleone, a mulher do Don, ser levada de carro para fora da alameda, por um dos seus guarda-costas, para retornar uma hora depois. Kay logo soube que a sogra ia à igreja toda manhã. Às vezes, ao regressar, a velha senhora dava uma paradinha ali para tomar o café da manhã e ver o seu novo neto.

A Sra. Corleone sempre perguntava por que Kay não pensava em se tornar católica, ignorando o fato de que o filho de Kay já tinha sido batizado como protestante. Assim, Kay sentia ser apropriado perguntar à velha senhora se ela ia à igreja todas as manhãs, por ser uma parte necessária do credo católico.

Pensando que isso pudesse impedir Kay de se converter ao catolicismo, a Sra. Corleone respondeu:

— Oh, não, não, alguns católicos só vão à igreja na Páscoa e no Natal. A pessoa vai quando tem vontade de ir.

Kay deu uma gargalhada e perguntou:

— Então por que a senhora vai toda manhã?

De um modo completamente natural, mamãe Corleone respondeu:

— Eu vou por meu marido — ela apontou para o chão — para que ele não vá para lá. — Fez uma pausa e acrescentou: — Faço orações pela alma dele todo dia para que ele vá lá para cima — e apontou o céu.

Ela disse isso com um sorriso meio malicioso, como se estivesse contrariando de alguma forma a vontade do marido, ou como se fosse uma coisa perdida. Disse-o quase brincando, à maneira horrível de velha italiana. E, como sempre, quando o marido não estava presente, havia uma atitude de desrespeito para com o grande Don.

— Como tem passado o seu marido? — perguntou Kay delicadamente. A Sra. Corleone deu de ombros.

— Ele não é mais o mesmo homem desde que o balearam. Deixa Michael fazer todo o trabalho, apenas perde tempo com seu jardim, seus pimentões, seus tomates. Como se ainda fosse camponês. Mas os homens são sempre assim.

Mais tarde, naquela manhã, Connie atravessaria a alameda com seus dois filhos para fazer uma visita a Kay e bater um papo. Kay gostava de Connie, de sua vivacidade, de seu amor evidente pelo irmão Michael. Connie ensinara Kay a cozinhar alguns pratos italianos, mas às vezes trazia os seus próprios preparados, mais bem-feitos, para Michael saborear.

Agora, naquela manhã, como sempre fazia, ela perguntava a Kay o que Michael pensava de seu marido, Carlo. Será que Michael realmente gostava de Carlo, como dava a entender? Carlo sempre tivera um pouco de complicação com a Família, mas agora nos últimos anos ele se corrigira. Estava realmente indo muito bem com o sindicato trabalhista, mas tinha de trabalhar arduamente, durante muitas horas. Carlo realmente gostava de Michael, Connie sempre dizia. Mas então, todos gostavam de Michael, como gostavam de seu pai. Michael era exatamente igual ao Don em tudo. A melhor coisa mesmo era que Michael ia dirigir o negócio de azeite da Família.

Kay observara antes que quando Connie falava a respeito do marido em relação com a Família, ficava sempre ansiosa por ouvir alguma palavra de aprovação a Carlo. Kay seria estúpida se não tivesse notado o interesse quase aterrador que Connie tinha em saber se Michael gostava de Carlo ou não. Uma noite ela falou com Michael sobre isso e mencionou o fato de que ninguém jamais falava em Sonny Corleone, ninguém nem mesmo se referia a ele, pelo menos não na presença dela. Kay tentara uma vez expressar suas condolências ao Don e sua mulher, e eles a ouviram com um silêncio quase rude e depois não falaram no assunto. Ela tentara fazer Connie falar sobre o irmão mais velho, mas não tivera êxito.

A mulher de Sonny, Sandra, mudara-se com os filhos para a Flórida, onde os seus pais moravam agora. Fizeram-se certos arranjos financeiros para que ela e os filhos ficassem bem, mas Sonny não deixara imóveis.

Michael relutantemente explicou o que acontecera na noite em que Sonny foi assassinado. Que Carlo batera na mulher e que Connie telefonara para a alameda, Sonny atendera ao telefonema e correra para a casa dela numa fúria cega. Assim, naturalmente, Connie e Carlo estavam sempre nervosos, receando que o resto da Família a culpasse por ter indiretamente causado a morte de Sonny. Ou culpasse o marido dela, Carlo. Mas não era esse o caso. A prova era que deram a Connie e Carlo uma casa na própria alameda e promoveram Carlo a uma função importante na organização dos sindicatos trabalhistas. E Carlo se corrigira, parara de beber, parara de andar com prostitutas, parara de querer bancar o espertinho. A Família se sentia satisfeita com o trabalho e a atitude dele durante os últimos dois anos. Ninguém o culpava pelo que tinha acontecido.

— Então, por que você não os convida para vir aqui uma noite e tranqüiliza a sua irmã? — perguntou Kay a Michael. — A pobrezinha anda sempre tão nervosa a respeito do que você pensa do marido dela. Diga a ela. E diga também para tirar da cabeça essas preocupações bobas.

— Não posso fazer isso — respondeu ele. — Não falamos nessas coisas na nossa família.

— Você quer que eu diga a ela o que você acaba de me contar? — perguntou Kay.