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Don Corleone movimentava se pela horta à procura de formigas. Se ele Constatasse a presença delas isso significava que havia piolhos nos seus legumes e verduras, e as formigas iam atrás dos piolhos e ele teria de aplicar o inseticida.

Ele irrigara na hora exata. O sol estava esquentando e o Don pensava: “Prudência. Prudência.” Mas havia ainda algumas plantas mais novas para serem sustentadas pelas varas e ele se abaixou novamente. Voltaria para dentro de casa quando acabasse essa última fileira.

Subitamente, Don Corleone sentiu como se o sol tivesse baixado até bem perto de sua cabeça. O ar estava cheio de partículas douradas dançando. O filho mais velho de Michael veio correndo pela horta na direção do lugar onde o Don se ajoelhara e o menino estava envolvido por um escudo amarelo de luz cegante. Mas o Don não se deixava enganar assim, era um homem muito velho. A morte se escondia por trás desse escudo amarelo flamejante, pronta para atacá-lo, e o Don com um aceno de mão avisou ao garoto que se afastasse de sua presença. Justamente na hora. O golpe de martelo dentro do peito fê-lo sufocar, perder a respiração. O Don atirou-se de bruços na terra.

O menino saiu correndo para chamar o pai. Michael Corleone e alguns homens que estavam no portão da alameda correram para o jardim e encontraram Don Corleone estirado no chão, agarrando punhados de terra. Levantaram-no e o conduziram para a sombra do pátio de pedra. Michael ajoelhou- se ao lado do pai, segurando-lhe a mão enquanto os outros homens telefonavam pedindo uma ambulância.

Com um grande esforço o Don abriu os olhos para ver o filho uma vez mais. O violento ataque cardíaco tornou o seu rosto corado quase azul. Ele estava nas últimas. Sentia o cheiro da horta, o escudo amarelo de luz feria-lhe os olhos, e ele murmurou:

— A vida é tão bonita.

Foi poupado da triste cena de ver as lágrimas das mulheres de sua família, morrendo quando elas estavam na igreja, antes da ambulância chegar, sem qualquer socorro médico. Morreu cercado de homens, segurando a mão do filho que ele mais amara.

O enterro foi uma cerimônia comovente. As cinco Famílias mandaram os seus Dons e caporegimes, como também as Famílias Tessio e Clemenza. Johnny Fontane apareceu com destaque nos jornais por comparecer ao enterro, apesar do conselho de Michael para que não fosse. Johnny fez uma declaração à imprensa afirmando que Vito Corleone era seu Padrinho e o homem mais decente que ele já conhecera e que se sentia honrado em lhe poder prestar as suas últimas homenagens, e pouco se importava que todo mundo soubesse disso.

O velório foi feito na casa da alameda, à moda antiga. Amerigo Bonasera nunca fizera trabalho mais impressionante, desincumbira-se de todas as obrigações, preparando seu velho amigo e Padrinho tão carinhosamente como uma mãe prepara uma filha para o casamento. Todos comentaram como nem mesmo a morte conseguira apagar a nobreza e a dignidade do semblante do grande Don e tais observações fizeram Amerigo Bonasera encher-se de orgulho consciente, um curioso senso de poder. Somente ele sabia que massacre terrível a morte perpetrara na fisionomia de Don Corleone.

Todos os velhos amigos e servidores também vieram. Nazorine, sua mulher, sua filha com o marido e os respectivos filhos, Lucy Mancini veio com Freddie de Las Vegas. Tom Hagen e sua mulher e filhos, os Dons de São Francisco e Los Angeles, Boston e Cleveland. Rocco Lampone e Albert Neri carregaram o caixão juntamente com Clemenza e Tessio e, naturalmente, os filhos do Don. A alameda e todas as suas casas estavam cheias de coroas de flores.

Fora dos portões da alameda, aglomeravam-se os jornalistas e fotógrafos, enquanto, em uma camioneta que se sabia ser do FBI, agentes com suas máquinas de filmar registravam o acontecimento. Alguns repórteres que tentaram penetrar para ver a cerimônia fúnebre lá dentro verificaram que o portão e o cercado eram controlados por guardas de segurança que exigiam que mostrassem identificação e convite para entrar. E embora fossem tratados com a maior cortesia — até refrescos foram enviados para eles lá fora — não se permitiu que entrassem. Tentaram falar com algumas das pessoas que saíam, mas estas se mostravam impassíveis como pedra e não pronunciavam uma sílaba sequer.

Michael Corleone passou a maior parte do dia na sala da biblioteca com Kay, Tom Hagen e Freddie. Pessoas foram introduzidas ali para vê-lo, para apresentar condolências. Michael recebia-as com toda a cortesia, mesmo quando alguns se dirigiam a ele chamando-o de Padrinho ou Don Michael; somente Kay percebia que ele comprimia os lábios, indignado.

Clemenza e Tessio vieram unir-se a esse círculo íntimo e Michael pessoalmente serviu-lhes uma bebida. Houve alguma conversa sobre negócios. Michael informou-os de que a alameda e todas as suas casas seriam vendidas a uma firma construtora. Com um lucro enorme, outra prova ainda do gênio do grande Don.

Todos compreendiam que agora o império estaria no Oeste. Que a Família Corleone liquidaria o seu poder em Nova York. Tal atitude estava aguardando apenas a aposentadoria ou a morte do Don.

Já haviam transcorrido quase dez anos da festa que provocara tamanha ocorrência de pessoas naquela casa, quase dez anos que ocorrera o casamento de Constanzia Corleone e Carlo Rizzi, comentou alguém. Michael aproximou-se da janela que dava para o jardim. Naquele tempo tão distante ele estava sentado no jardim com Kay sem nem sequer sonhar que teria destino tão curioso. E o pai ao morrer dissera: “A vida é tão bonita.”

Michael não se lembrava de ter ouvido jamais o pai pronunciar uma palavra sobre a morte, como se o Don a respeitasse bastante para filosofar sobre ela.

Era hora de ir para o cemitério. Era hora de enterrar o grande Don. Michael enlaçou o seu braço no de Kay e foi para o jardim juntar-se ao grupo de acompanhantes do enterro. Atrás dele, vinham os caporegimes seguidos de seus soldados e depois todas as pessoas humildes que o Padrinho tinha protegido durante a vida. O padeiro Narozine, a viúva Colombo e seus filhos e os incontáveis indivíduos do seu mundo que ele governara de maneira muito firme, mas muito justa. Havia até alguns que tinham sido seus inimigos, mas que vieram prestar sua derradeira homenagem.

Michael observava tudo isso com um riso contido, delicado. Não estava impressionado. Contudo, pensava ele: “Se eu pudesse morrer dizendo: A vida é tão bonita, então nada mais é importante. Se eu puder acreditar em mim tanto assim, nada mais importa.” Ele seguiria o pai. Cuidaria dos seus filhos, da sua família, do seu mundo. Mas os seus filhos cresceriam num mundo diferente. Seriam médicos, artistas, cientistas, governadores, presidentes. Qualquer coisa. Faria o possível para que eles se unissem à família geral da humanidade, mas ele, como um pai poderoso e prudente, com toda a certeza exerceria uma prudente vigilância sobre essa família geral.

Na manhã depois do enterro, todos os funcionários de maior importância da Família Corleone se reuniram na alameda. Pouco antes do meio-dia, foram admitidos na casa vazia do Don. Michael Corleone os recebeu sala da biblioteca estava quase totalmente cheia. Encontravam-se lá os dois caporegimes, Clemenza e Tessio; Rocco Lampone, com seu ar moderado, equilibrado; Carlo Rizzi, muito quieto, conhecendo muito bem o seu lugar; Tom Hagen abandonando o seu papel exclusivamente de advogado para se reunir à Família naquele transe; Albert Neri procurando ficar fisicamente perto de Michael, acendendo o cigarro do seu novo Don, preparando-lhe a bebida, tudo para mostrar uma lealdade inabalável, apesar do recente desastre que ocorrera à Família Corleone.

A morte do Don era uma grande desgraça para a Família. Sem ele, parecia que metade de sua força tinha desaparecido e quase todo o poder de negociar contra a aliança Barzini-Tattaglia. Todos os presentes na sala sabiam disso e esperavam o que Michael tinha a dizer. Para eles, Michael ainda não era o novo Don; ele ainda não fizera por merecer a posição ou o título. Se o Padrinho não tivesse morrido, teria assegurado a ascensão do filho como seu sucessor; agora não era indubitavelmente certo.