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— Acho que Carlo e Mike vão ser verdadeiros amigos agora. Uma coisa como essa sempre une as pessoas.

Kay apertou o braço da cunhada.

— Sinto-me tão feliz — exclamou ela.

LIVRO VIII

CAPÍTULO 30

ALBERT NERI estava sentado em seu apartamento do Bronx escovando cuidadosamente o seu antigo uniforme de sarja azul de policial. Tirou o distintivo e o pôs em cima da mesa para poli-lo. O coldre e o revólver regulamentares estavam colocados em cima de uma cadeira. Essa antiga e minuciosa rotina fazia-o feliz de um modo estranho, era uma das poucas vezes em que ele sentia satisfação desde que a mulher o abandonara, há quase dois anos.

Ele casara com Rita quando ela era ainda aluna do curso secundário e ele um policial recruta. Ela era tímida, tinha cabelo escuro e pertencia a uma família de italianos puritanos que nunca a deixara ficar na rua depois das dez horas da noite. Neri se achava completamente apaixonado por ela, por sua inocência, por sua virtude, como também por sua beleza morena.

A princípio, Rita estava fascinada pelo marido. Ele era imensamente forte e ela via muita gente ter medo dele por causa de sua força e de sua atitude inflexível quanto ao que era certo e errado. Raramente ele era habilidoso. Se discordava da atitude de um grupo ou da opinião de um indivíduo, conservava a boca fechada ou externava grosseiramente a sua discordância. Jamais apresentava um assentimento cortês. Tinha também um temperamento verdadeiramente siciliano e os seus acessos fúria eram terríveis. Mas nunca se zangava com a esposa.

Neri no espaço de cinco anos se tornara um dos policiais mais temidos da corporação da cidade de Nova York. Também um dos mais honestos. Mas tinha os seus meios próprios de cumprir a lei. Ele detestava delinqüentes juvenis e quando via um grupo de rapazes desordeiros promovendo agitação na rua, à noite, perturbando os transeuntes, ele tomava uma atitude rápida e decisiva. Empregava sua força física verdadeiramente extraordinária, o que ele próprio não apreciava totalmente.

Uma noite, no Central Park, ele saltou do carro-patrulha e deteve seis rapazes de jaqueta de seda preta. O seu companheiro ficou no assento do motorista, não querendo envolver-se, conhecendo Neri. Os rapazes, todos eles já beirando os vinte anos, estavam parando as pessoas para pedir cigarro de modo ameaçador, mas sem causar realmente qualquer mal físico a ninguém.

Aborreciam também as garotas que passavam, fazendo um gesto obsceno mais francês do que americano.

Neri os enfileirou no muro de pedra que separa o Central Park da Oitava Avenida. Era a hora crepuscular, mas Neri levava consigo a sua arma preferida, uma enorme lanterna. Ele nunca se preocupava em puxar o revólver; nunca era necessário. O seu rosto, quando se zangava, era tão ameaçador, combinado com seu uniforme, que os rapazes em geral se acovardavam. Esses não foram exceção.

Neri perguntou ao primeiro rapaz de jaqueta de seda preta:

— Como é seu nome?

O rapaz em resposta deu um nome irlandês.

— Saia da rua — ordenou ao rapaz: — Se eu o encontrar novamente esta noite, você se arrependerá.

Ele fez sinal com a lanterna e o rapaz se afastou a passos rápidos. Neri seguiu o mesmo processo com os dois rapazes seguintes, deixando-os ir em seguida. Mas o quarto rapaz deu um nome italiano e sorriu para Neri como que para invocar certo parentesco. Neri era indiscutivelmente de descendência italiana. Neri olhou para o rapaz por um momento e perguntou:

— Você é italiano?

O rapaz sorriu confiantemente.

Neri vibrou-lhe uma pancada violenta na testa com a lanterna, fazendo-o cair de joelhos. A pele da testa do rapaz se abriu e o sangue começou a jorrar-lhe pelo rosto. Mas era apenas um ferimento superficial. Neri disse-lhe asperamente:

— Você, seu filho da pula, é uma vergonha para os italianos. Você difama todos nós. Ponha-se de pé.

Deu um pontapé na anca do rapaz, nem muito fraco, nem muito forte:

— Vá para casa e não fique na rua. Que eu também não o apanhe mais usando essa jaqueta. Eu o mandarei para o hospital. Agora vá para casa. Você está com sorte por eu não ser seu pai.

Neri nem se incomodou com os outros dois rapazes. Apenas deu-lhes um pontapé nas nádegas, enxotando-os e dizendo-lhes que não os queria ver mais na rua aquela noite.

Em tais encontros, tudo era feito com tamanha rapidez que não havia tempo para que juntasse gente ou para que alguém protestasse contra as atitudes do policial. Neri entrava logo no carro-patrulha e o seu companheiro arrancava imediatamente Ë claro que de vez em quando apareciam sujeitos valentes que queriam brigar e às vezes até puxavam faca. Coitados deles! Neri, agindo rapidamente com terrível ferocidade, batia neles impiedosamente jogava-os dentro do carro-patrulha. Eles recebiam voz de prisão sob a acusação de agressão a uma autoridade policial. Mas geralmente só iam para a cadeia algum tempo depois, isto é, após saírem do hospital.

Finalmente, Neri foi transferido para a zona em que se encontrava o edifício das Nações Unidas, principalmente porque faltou com o devido respeito ao sargento de seu distrito O pessoal das Nações Unidas, com sua imunidade diplomática, estacionava suas limusines em todas as ruas sem qualquer obediência aos regulamentos do trânsito. Neri deu queixa no distrito policial e disseram-lhe para não fazer onda, que não tomasse conhecimento do fato. Mas uma noite aconteceu que uma rua lateral ficou intransitável devido aos automóveis negligentemente estacionados. Já passava da meia-noite, por conseguinte Neri tirou sua enorme lanterna do carro-patrulha e foi rua abaixo reduzindo pára-brisas a estilhaços. Não era fácil, mesmo para diplomatas de alto posto, ter os pára-brisas consertados rapidamente, tinham de esperar alguns dias. Choveram protestos no distrito policial exigindo providência contra esse ato de vandalismo. Depois de uma semana de quebra-quebra de pára-brisas, a verdade sobre o que estava realmente acontecendo chegou ao conhecimento de uma autoridade superior e Albert Neri foi transferido para o Harlem.

Num domingo, pouco tempo depois, Neri, acompanhado da esposa, foi visitar a irmã viúva no Brooklyn. Albert Neri tinha pela irmã a profunda afeição protetora comum a todos os sicilianos e sempre a visitava pelo menos uma vez em cada dois meses para se assegurar de que ela estava bem. Ela era muito mais velha do que ele e tinha um filho de 20 anos de idade. O rapaz, de nome Thomas, sem a autoridade paterna, estava dando aborrecimentos. Tinha-se metido em algumas pequenas enrascadas, e estava ficando um pouco selvagem. Neri certa vez usara os seus contatos na organização policial para livrar o rapaz da acusação de furto. Nessa ocasião, ele conseguira controlar a sua raiva, mas avisou ao sobrinho:

— Tommy, se você fizer sua mãe chorar novamente por sua causa, quem vai ajustar contas com você sou eu.

Isso, porém, foi dito num tom de tio camarada, não constituindo realmente uma ameaça. Mas, mesmo sendo Tommy o pior elemento de todos os rapazes daquela zona “braba” do Brooklyn, ele tinha medo do tio Al.

Por ocasião dessa visita, Tommy chegara em casa muito tarde da noite de sábado e estava ainda dormindo em seu quarto. A mãe fora acordá-lo, dizendo que se vestisse para fazer a refeição domingueira em companhia do tio e da tia. A voz do rapaz fez-se ouvir asperamente através da porta do quarto parcialmente aberta:

— Que se danem, deixem-me dormir!

E a mãe voltou para a cozinha rindo e desculpando-se.

Assim tiveram de fazer a refeição sem ele. Neri perguntou à irmã se Tommy estava causando-lhe algum aborrecimento, e ela balançou a cabeça.