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Don Corleone fez sinal para que as outras pessoas saíssem do quarto. Elas saíram. Ele tomou a mão completamente murcha de Genco Abbandando em suas próprias mãos largas. Suavemente, tranqüilizadoramente, confortava o amigo, enquanto esperavam juntos a morte. Como se Don Corleone pudesse realmente arrebatar a vida de Genco Abbandando do mais vil e criminoso traidor do homem.

O dia do casamento de Connie Corleone terminou bem para ela. Carlo Rizzi cumpriu os seus deveres de noivo com eficiência e vigor, estimulado pelo conteúdo da bolsa presenteada à noiva que totalizou acima de vinte mil dólares A noiva, contudo, entregou a sua virgindade com muito mais espontaneidade do que a bolsa de dinheiro. Para conseguir esta última, ele teve de socar um dos olhos dela.

Lucy Mancini esperou em casa por um telefonema de Sonny Corleone, certa de que ele marcaria um encontro com ela. Finalmente, ela telefonou para a casa dele, e quando ouviu uma voz de mulher atender o telefone desligou. Não tinha meios de saber que quase todo mundo no casamento notara a sua ausência e de Sonny, durante aquela meia hora fatal, e já se fuxicava abertamente que Santino Corleone tinha feito outra vítima. Que ele “fizera o serviço” na dama de honra de sua própria irmã.

Amerigo Bonasera teve um pesadelo horrível. Em seu sonho ele viu Don Corleone, com um gorro pontudo, macacão e luvas grossas, descarregando cadáveres crivados de balas em frente de sua agência funerária, gritando:

— Lembre-se, Amerigo, não diga uma palavra a ninguém, e enterre-os rapidamente.

Ele gemeu tão alto e longamente no sonho, que sua mulher o sacudiu para acordá-lo.

— Ei, que homem você é — resmungou ela. — Ter um pesadelo logo depois de um casamento.

Kay Adams foi acompanhada até o seu hotel de Nova York por Paulie Gatto e Clemenza, O carro era grande, luxuoso e dirigido por Gatto. Clemenza vinha no assento traseiro e Kay acomodou-se no assento dianteiro perto do motorista. Ela achou os dois homens muito exóticos. O linguajar deles era tipicamente o da Brooklyn do cinema, e eles a tratavam com uma cortesia exagerada. Durante a viagem, Kay conversou casualmente com os dois homens e ficou surpresa quando os ouviu falar de Michael com evidente carinho e respeito. Ele a havia levado a acreditar que era um estranho no mundo do pai. Agora Clemenza garantia-lhe com sua voz ofegantemente gutural que o “velho” considerava Mike como o melhor de seus filhos, aquele que certamente herdaria o negócio da família.

— Que negócio é esse? — perguntou Kay com o ar mais natural.

Paulie Gatto lançou-lhe um olhar rápido, enquanto girava o volante. Atrás dela, Clemenza falou denotando surpresa na voz:

— Mike não lhe contou! O Sr. Corleone é o maior importador de azeite italiano nos Estados Unidos. Agora que a guerra terminou, o negócio pode ser uma verdadeira mina. O pai vai precisar de um rapaz esperto como Mike.

No hotel, Clemenza insistiu em ir até a portaria com ela. Quando Kay protestou, ele disse simplesmente:

— O chefe mandou que eu tivesse certeza de que você chegasse bem em casa. Tenho de cumprir a ordem.

Depois que ela recebeu a chave do quarto, acompanhou-a até o elevador e esperou que ela entrasse. Kay acenou para ele, sorrindo, e ficou surpresa com o autêntico sorriso de prazer que ele lhe retribuiu. Foi bom que ela não o visse dirigir-se novamente ao porteiro do hotel e perguntar:

— Com que nome ela se registrou?

O porteiro olhou para Clemenza friamente. Este rolou a bolinha verde que segurava na mão na direção do porteiro, que a apanhou e respondeu imediatamente:

— Sr. e Sra. Michael Corleone.

De volta ao carro, Paulie Gatto disse

— Mulher distinta!

— Mike está fazendo o serviço nela — resmungou Clemenza

A não ser, pensou ele, que os dois fossem realmente casados.

— Apanhe-me amanhã cedo — disse ele a Paulie Gatto. — Hagen tem um trabalho para nós, que precisa ser feito imediatamente.

Já era tarde da noite de domingo, quando Hagen deu um beijo de despedida na mulher e dirigiu-se para o aeroporto. Com a prioridade especial número um (um presente de agradecimento de um general do estado-maior do Pentágono), ele não teve dificuldade alguma para conseguir passagem de avião para Los Angeles.

Tinha sido um dia ocupado, mas de satisfação, para Tom Hagen. Genco Abbandando tinha morrido às três horas da madrugada, e quando Don Corleone voltou do hospital, informou a Hagen que ele agora era oficialmente o novo consigliori da Família. Isso significava que Hagen tinha certeza de que se tornaria um homem muito rico, sem falar no poder.

Don Corleone quebrara uma tradição mantida há muito tempo. O consigliori era sempre um siciliano de puro-sangue, e o fato de que Hagen tinha sido criado como um membro da família de Don Corleone não fazia diferença no que se relacionasse a essa tradição. Era uma questão de sangue. Só a um siciliano acostumado desde pequeno aos meios da omertà, a lei do silêncio, podia ser confiado o posto-chave de consigliori.

Entre o chefe da Família, Don Corleone, que ditava a política, e o nível operacional de homens que realmente executavam suas ordens, havia três camadas, ou amortecedores. Desse modo, nada podia ser atribuído ao chefe. A menos que o consigliori se tornasse traidor. Naquela manhã de domingo, Don Corleone deu instruções explícitas sobre o que se devia fazer aos dois rapazes que haviam batido na filha de Amerigo Bonasera. Dera tais ordens em particular a Tom Hagen. Mais tarde, no mesmo dia, Hagen, também em particular e sem testemunhas, instruíra Clemenza. Por sua vez, Clemenza dissera a Paulie Gatto para cumprir a missão. Paulie Gatto reuniria agora os homens necessários e executaria as ordens. Paulie Gatto e seus homens ignoravam por que essa determinada tarefa estava sendo executada ou quem a ordenara inicialmente. Cada elo da corrente devia tornar-se traidor, para que Don Corleone fosse envolvido no caso, e embora nunca até então isso tivesse ocorrido, havia sempre essa possibilidade. O remédio para tal possibilidade era também conhecido. Apenas um elo da corrente tinha de desaparecer.

O consigliori era também o que o seu nome significava. Ele era o conselheiro de Don Corleone, seu braço direito, seu cérebro-auxiliar. Era também seu companheiro mais chegado e seu amigo mais íntimo. Nas viagens importantes, dirigiria o carro de Dou Corleone; nas conferências, sairia para buscar os refrescos, café e sanduíches, charutos frescos, destinados a Don Corleone. Ele saberia tudo ou quase tudo o que Don Corleone sabia, todas as células do poder. Era o único homem no mundo que poderia levar Don Corleone à destruição. Mas jamais consigliori algum tinha traído um Don, pelo menos na memória de qualquer das poderosas Famílias sicilianas que se haviam estabeleci do na América. Não havia futuro nisso. E todo consigliori sabia que se ele mantivesse a fé se tornaria rico, teria poder e conquistaria respeito. Se sobreviesse o infortúnio, sua mulher e filhos teriam proteção e ajuda, como se ele fosse vivo ou estivesse livre. Se ele mantivesse a fé.

Em alguns casos o consigliori tinha de agir em favor de seu Don de modo mais aberto, sem envolver contudo o chefe. Hagen estava viajando para a Califórnia exatamente num caso assim. Ele sabia que sua carreira de consigliori seria seriamente afetada pelo sucesso ou fracasso dessa missão. Pelos padrões dos negócios da família, que Fontane conseguisse ou não seu cobiçado papel no filme em questão era coisa de pequena importância. Muito mais importante era a reunião que Hagen marcara com Virgil Sollozzo para a próxima sexta-feira. Hagen sabia que para Don Corleone ambas as coisas eram da mesma importância, o que constituía um ponto de honra para qualquer consigliori.

O avião já abalara os nervos de Tom Hagen e ele pediu um martíni à aeromoça para acalmá-los. Tanto Don Corleone quanto Johnny o haviam instruído sobre o caráter do produtor cinematográfico Jack Woltz. Pelo que Johnny dissera, Hagen sabia que jamais conseguiria persuadir Woltz. Ele também não duvidava de que Don Corleone manteria a sua promessa a Johnny. O seu próprio papel era o de negociador e elemento de ligação.