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Para sua surpresa, Kay passou a gostar de viver em Nevada. Ela adorava o cenário, os montes e gargantas da rocha espalhafatosamente vermelha, os desertos escaldantes, os inesperados e venturosamente refrescantes lagos, e até o calor. Os dois meninos montavam em seus próprios pôneis. Ela tinha criados verdadeiros, não guarda-costas. E Michael levava uma vida mais normal. Possuía um negócio de construção; pertencia aos clubes dos homens de negócios e aos comitês cívicos; tinha um sadio interesse pela política local, sem interferir publicamente. Era uma vida boa. Kay sentia-se feliz porque estavam acabando com a casa de Nova York e passariam a morar definitivamente em Las Vegas. Ela detestava voltar a Nova York. E assim, nessa última viagem, ela providenciara toda a embalagem e embarque dos objetos caseiros com a máxima eficiência e rapidez, e agora no último dia sentia a mesma premência de partir que sentem os pacientes que recebem alta depois de passar um longo período no hospital.

Nesse último dia, Kay Adams Corleone acordou muito cedo. Ouvia o ronco dos motores dos caminhões fora da alameda. Os caminhões que esvaziariam todas as casas, levando toda a mobília. A Família Corleone voltaria de avião para Las Vegas de tarde, inclusive a Sra. Corleone.

Quando Kay saiu do banheiro, Michael estava sentado na cama com a cabeça apoiada no travesseiro fumando um cigarro.

— Por que diabo você tem de ir à igreja toda manhã? — perguntou ele. — Não digo aos domingos, mas por que diabo durante a semana? Você é tão má quanto minha mãe.

Ele estendeu a mão no escuro e acendeu a lâmpada da mesinha-de-cabeceira.

Kay sentou-se na beira da cama para calçar as meias.

— Você sabe como são os católicos convertidos — respondeu ela. — Levam a coisa muito a sério.

Michael estendeu a mão para pegar na coxa dela, na pele quente onde terminava a extremidade superior de sua meia de nylon.

— Não faça isso — pediu ela. — Vou fazer comunhão.

Ele não procurou segurá-la, quando ela se levantou da cama. Michael perguntou então com um leve sorriso nos lábios:

— Se você é uma católica tão fervorosa, por que é que deixa os meninos se esquivarem tanto de ir à igreja?

Ela não gostou da pergunta, mas foi bastante cautelosa. Ele a estava estudando com o que ela pensava ser o olho “do Don”.

— Eles têm bastante tempo — respondeu ela. — Quando voltarmos para casa, eu os farei freqüentar mais.

Kay deu-lhe um beijo de despedida antes de partir. Fora da casa, o ar já estava esquentando. O sol de verão levantando-se no nascente era vermelho. Kay andou até onde o seu carro estava estacionado perto dos portões da alameda. A Sra. Corleone, trajando o seu vestido preto de viúva, já estava sentada no carro, esperando por ela. Tornara-se uma verdadeira rotina a missa todas as manhãs, juntas.

Kay beijou a face enrugada da sogra, depois sentou-se atrás do volante. A sra. Corleone perguntou, desconfiada:

— Você tomou o seu desjejum?

— Não — respondeu Kay.

A sra. Corleone acenou com a cabeça, aprovando. Kay uma vez se esquecera de que era proibido ingerir qualquer alimento a partir da meia-noite antes de receber a santa comunhão. Isso fora há muito tempo, mas a sra. Corleone nunca mais confiara nela depois disso e sempre pedia confirmação.

— Você se sente bem? — perguntou a sra. Corleone.

— Sinto-me — respondeu Kay.

A igreja era pequena e estava deserta à luz do sol matinal. Seus vitrais protegiam o interior contra o calor; era fresco ali, um lugar de descanso. Kay ajudou a sogra a subir os degraus de pedra branca e deixou-a ir na frente. A velha senhora pre feria um banco lá na frente, perto do altar. Kay esperou na escadaria durante um minuto. Sempre se sentia relutante nesse último momento, sempre se sentia um pouco temerosa.

Finalmente, entrou na escutidão fresca da igreja. Molhou as pontas dos dedos na água benta e fez o sinal-da-cruz, tocando ligeiramente com os dedos úmidos seus lábios ressequidos. Velas tremulavam, com uma luz vermelha diante das imagens dos santos, com o Cristo na cruz. Kay fez uma genuflexão antes de entrar na sua fileira, depois ajoelhou-s na grade de madeira dura do banco para esperar que fosse chamada para a comunhão. Baixou a cabeça como se estivesse rezando, mas não estava exatamente pronta para isso.

Era apenas ali, na penumbra da igreja, que ela se permitia pensar na outra vida do marido. Naquela terrível noite, há um ano passado, ele premeditadamente usara a confiança e o amor que um tinha pelo outro para fazê-la acreditar na mentira de que ele não matara o marido da irmã.

Kay o deixara por causa daquela mentira, não por causa do ato em si. Na manhã seguinte, ela levara os filhos para a casa dos pais em New Hampshire. Sem dizer uma palavra a ninguém, sem saber realmente que atitude iria tomar. Michael compreendera imediatamente. Telefonara-lhe no primeiro dia, e depois deixara-a em paz. Uma semana depois, a limusine de Nova York parou em frente à casa dela, trazendo Tom Hagen.

Kay passou uma longa e terrível tarde com Tom Hagen, a tarde mais terrível de toda a sua vida. Foram dar uma volta nos bosques fora de sua cidadezinha, e Hagen não foi nada gentil.

Ela cometeu o erro de tentar ser cruelmente petulante, um papel que não lhe assentava bem.

— Será que Mike mandou você aqui para me ameaçar? — perguntou ela. — Eu esperava ver alguns dos “rapazes” saltarem do carro com suas metralhadoras para me fazer voltar.

Pela primeira vez desde que o conhecia, ela viu Hagen zangado. Ele respondeu asperamente:

— Isso foi a bobagem mais infantil que já ouvi na minha vida, Não esperava isso de uma mulher como você. Vamos, Kay.

— Está bem — disse ela.

Eles caminhavam pela estrada de campo verde. Hagen perguntou calmamente:

— Por que você fugiu?

— Porque Michael mentiu para mim — respondeu Kay. — Porque me fez de boba, quando serviu de padrinho para o filho de Connie. Ele me traiu. Não posso amar um homem como ele. Não posso deixar que ele seja o pai de me filhos.

— Não sei de que você está falando — retrucou Hagen.

Ela virou-se para ele com uma fúria agora justificada.

— Quero dizer que ele matou o marido da irmã. Você compreende isto? — Fez uma pausa e arrematou: — E ele mentiu para mim!

Continuaram a andar por um longo tempo em silêncio. Finalmente Hagen falou:

— Você não tem meios de saber realmente se tudo isso é verdade. Mas, apenas como argumento, vamos admitir que seja verdade. Não estou dizendo que seja, lembre-se. Mas e se eu lhe desse o que poderia ser uma justificação para o que ele fez? Ou, antes, algumas justificações possíveis?

Kay olhou para ele desdenhosamente.

— É a primeira vez que vejo o seu lado de advogado, Tom. Não é o seu melhor lado.

Hagen arreganhou os dentes.

— Está bem. Mas quero que você me ouça. E se Carlo pôs Sonny na alça de mira, se deu a sua pista? Se Carlo bateu em Connie daquela vez apenas com o propósito deliberado de fazer Sonny sair de casa e expor-se ao perigo, pois eles sabiam que ele tomaria o caminho da pista elevada da Jones Beach? Se Carlo tivesse sido pago para ajudar a matar Sonny? Então, que é que você diz? — Ela não respondeu. Hagen prosseguiu: — E se o don, o grande homem não se sentisse com coragem bastante para fazer o que devia, vingar a morte do filho, matando o marido de sua filha? E se, finalmente, ele fez de Michael seu sucessor, sabendo que Michael tiraria esse peso de seus ombros, ficaria com essa culpa?

— Tudo já tinha passado — respondeu Kay, as lágrimas correndo-lhe dos olhos. — Todos estavam felizes. Por que Carlo não podia ser perdoado? Por que tudo não podia continuar, e todo mundo esquecer?