Eles atravessaram uma campina e chegaram a um riacho à sombra de uma árvore. Hagen caiu na grama e deu um suspiro. Olhou em volta, deu outro suspiro e disse:
— Neste mundo você poderia fazer isso.
— Ele não é o homem com quem casei — retrucou Kay.
Hagen deu uma pequena gargalhada e replicou:
— Se ele fosse, estaria morto agora. Você seria uma viúva.
— Que diabo quer dizer isso? — retrucou Kay furiosamente. — Vamos, Tom, fale claramente pelo menos uma vez na vida. Sei que Michael não pode, mas você não é siciliano, você pode dizer a verdade a uma mulher, pode tratá-la como um ser igual, como um ser humano semelhante a você.
Houve outro longo silêncio. Hagen balançou a cabeça.
— Você está interpretando Mike mal. Está danada porque ele mentiu para você. Bem, ele a avisou para nunca lhe fazer perguntas sobre negócios. Você ficou danada porque ele foi padrinho do filho de Carlo. Mas foi você quem o fez ser padrinho. Na verdade, era a coisa certa a fazer, se ele queria tomar atitude contra Carlo. O gesto tático clássico para adquirir a confiança da vítima. — Hagen deu um sorriso horrendo e perguntou: — Isso é falar bem claramente para você? — Mas Kay baixara a cabeça.
— Vou-lhe dar mais um pouco de conversa clara — prosseguiu Hagen. — Depois que o Don morreu, Mike estava marcado para morrer. Você sabe quem o marcou? Tessio. Assim Tessio teve de ser morto. Porque a traição não pode ser perdoada. Michael poderia perdoá-lo, mas as pessoas nunca perdoam a si mesmas e assim são sempre perigosas. Michael gostava mesmo de Tessio. Ele adora a irmã. Mas estaria faltando ao seu dever para com você e seus filhos, para com toda a Família, para comigo e minha família, se deixasse Tessio e Carlo irem embora livremente. Eles seriam um perigo para todos nós.
Kay ouvira tudo isso com as lágrimas nos olhos.
— Foi isso o que Michael mandou você aqui me dizer?
Hagen olhou para ela com verdadeira surpresa.
— Não — respondeu Tom. — Ele me pediu que eu lhe dissesse que você é o Don dele. Isto é apenas uma brincadeira.
Kay pôs a mão no braço de Hagen e perguntou:
— Ele não mandou você me dizer todas as outras coisas?
Hagen hesitou por um momento como se estivesse se debatendo se devia contar a ela uma última verdade.
— Você ainda não compreende — disse ele. — Se você contasse a Michael o que eu lhe disse hoje, aqui, eu seria um homem morto. — Ele fez nova pausa e arrematou. — Você e os filhos são as únicas pessoas neste mundo a quem ele não pode fazer mal.
Passaram-se uns longos cinco minutos para que Kay se levantasse da grama e eles começassem a caminhar de volta para casa. Quando já estavam chegando, Kay perguntou a Hagen:
—. Depois do jantar, você pode levar a mim e as crianças para Nova York no seu carro?
— Foi para isso que eu vim — respondeu Hagen.
Uma semana depois que voltou para a companhia de Michael, Kay foi a um padre instruir-se para se tornar católica.
Do recesso mais profundo da igreja o sino soou o toque de arrependimento. Como lhe haviam ensinado a fazer, Kay bateu ligeiramente no peito com a mão fechada, a batida de arrependimento. O sino soou novamente e ouviu-se o arrastar de pés, quando os comungantes deixaram seus assentos para ir até a grade do altar. Kay levantou-se para se juntar a eles. Ajoelhou-se perante o altar, e do fundo da igreja veio novamente o som do sino tocando. Com a mão fechada, ela bateu outra vez no coração. O padre estava diante dela. Kay inclinou a cabeça para trás e abriu a boca para receber a hóstia. Foi o mo mento mais terrível de todos. Até que se derreteu e ela pôde engolir e fazer o que viera ali realmente fazer.
Lavada do pecado, uma suplicante atendida, ela baixou a cabeça e cruzou as mãos na grade do altar. Mudou a posição do seu corpo para aliviar o peso que incidia sobre os seus joelhos.
Livrou a mente de todos os pensamentos a respeito de si mesma, de seus filhos, de todo rancor, de toda rebelião, de todas as dúvidas. Depois, com um desejo profundo e realmente espontâneo de crer, de ser ouvida, como fazia todos os dias desde a morte de Carlo Rizzi, ela pronunciou as necessárias orações pela alma de Michael Corleone.