A palavra “argumentar” parecia muito melhor em italiano, rajunah, retrucar. A arte disso consistia em ignorar todos os insultos, todas as ameaças; apresentar a outra face. Hagen vira Don Corleone sentar-se a uma mesa de negociações durante oito horas, engolindo insultos, procurando convencer um homem forte, famoso e megalomaníaco a corrigir-se. No fim das oito horas, Don Corleone jogara as mãos num gesto desanimado e dissera para outros homens presentes: “Ninguém pode argumentar com esse sujeito”, e retirou-se altivamente da sala de reunião.
O homem forte tornou-se pálido de medo. Emissários foram enviados para trazer Don Corleone de volta à sala. Chegou-se a um acordo, mas dois meses depois o homem forte foi assassinado a tiros na barbearia que freqüentava.
Assim Hagen começou novamente, falando com a voz mais natural.
— Olhe o meu cartão — frisou ele. — Eu sou advogado. Cometi algum erro? Pronunciei alguma palavra de ameaça? Permita-me dizer que estou preparado para atender a qualquer condição que o senhor mencionar para que Johnny Fontane trabalhe nesse filme. Penso que já ofereci bastante por tão pequeno favor. Um favor que acho que é do seu próprio interesse conceder. Johnny me disse que o senhor admite que ele se sairia bem nesse papel. E permita-me acrescentar que esse favor jamais seria solicitado se isso não acontecesse. De fato, se o senhor está preocupado com o seu investimento, meu cliente poderia financiar o filme. Mas, por favor, deixe-me tornar bastante claro. Compreendemos que o seu não é não. Ninguém pode ou está procurando forçá-lo. Sabemos de sua amizade com o Sr. Hoover, posso acrescentar, e meu chefe o respeita por isso. Ele respeita imensamente essa relação de amizade.
Woltz estava rabiscando com uma pena enorme, de penacho vermelho. Ao ouvir falar em dinheiro, o seu interesse logo despertou, e ele parou de rabiscar.
— Este filme está orçado em cinco milhões — disse condescendentemente.
Hagen assoviou baixinho para mostrar que estava impressionado. Depois disse de modo bastante casuaclass="underline"
— Meu chefe tem alguns amigos que confiam em seu discernimento.
Pela primeira vez, Woltz parecia levar a coisa toda a sério. Analisou o cartão de Hagen.
— Nunca ouvi falar no senhor — disse ele — Conheço a maior parte dos grandes advogados de Nova York, mas quem diabo é o senhor?
— Trabalho para uma dessas honradas empresas — respondeu Hagen secamente. — Administro a conta dela. — Em seguida, se levantou dizendo: — Não vou tomar-lhe mais tempo. — Estendeu a mão, e Woltz apertou-a. Deu alguns passos em direção à porta e virou-se novamente para Woltz. — Compreendo que o senhor tem de lidar com uma porção de gente que finge ser mais importante do que realmente é. Em meu caso, acontece o contrário. Por que o senhor não procura investigar quem sou eu com nosso amigo comum? Se o senhor reconsiderar a questão, telefone-me para o hotel. — Fez uma pausa e prosseguiu: — Isso pode ser um sacrilégio para o senhor, mas meu cliente faz coisa que até o Sr. Hoover pode achar que está fora do seu alcance.
Hagen viu os olhos do produtor cinematográfico se contraírem. Woltz finalmente recebera o recado.
— A propósito, admiro muito os seus filmes — disse Hagen com a voz mais servil que podia emitir. — Espero que o senhor continue a executar tão bom trabalho. O nosso país precisa dele.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Hagen recebeu um telefonema da secretária do produtor de que um carro o apanharia dentro de uma hora para levá-lo à casa de campo do Sr. Woltz para jantar. Ela informou que seria viagem de cerca de três horas, mas que o carro estava equipado com um bar e alguns hors d’oeuvres. Hagen sabia que Woltz fizera a viagem em seu avião particular e ignorava por que não havia sido convidado. A voz da secretária acrescentou delicadamente:
— O Sr. Woltz sugeriu que o senhor levasse a sua bagagem que ele o faria conduzir ao aeroporto pela manhã.
— Eu farei isso — respondeu Hagen Isso era outra coisa que dava o que pensar. Como Woltz sabia que tomaria o avião da manhã de volta a Nova York? Refletiu por um momento. A explicação mais provável era que Woltz tinha posto detetives particulares no seu encalço para obter todas as informações possíveis. Então Woltz certamente sabia que ele representava Don Corleone, o que queria dizer que ele sabia algo sobre Don Corleone, o que por sua vez significava que estava pronto levar a sério toda a questão. Algo devia ser feito, afinal de contas, pensou Hagen. E talvez Woltz fosse mesmo mais esperto do que lhe parecera naquela manhã.
A casa de campo de Jack Woltz se assemelhava a um fantástico cenário cinematográfico. Havia uma mansão típica de fazenda, imensos passeios ajardinados, rodeados por uma pista de terra escura para andar a cavalo, cocheiras e pasto para abrigar uma cavalhada. As sebes, os canteiros e os gramados eram então cuidadosamente tratados como as unhas de uma estrela de cinema.
Woltz recebeu Hagen numa varanda com paredes de vidro e ar.coridicionado. O produtor estava informalmente vestido com uma camisa de seda azul de colarinho aberto, slacks cor de mostarda, sandálias de couro macio. Enquadrado em todo esse conjunto luxuoso e colorido, o seu rosto costurado e duro tinha um ar assustador. Ele ofereceu a Hagen um cálice de martíni avantajado e serviu-se de outro que estava preparado na bandeja. Parecia mais amável do que horas antes. Pôs o braço no ombro de Hagen e disse:
— Temos um pouco de tempo antes do jantar, vamos dar uma olhada nos meus cavalos.
Enquanto caminhavam em direção às cocheiras, falou:
— Mandei investigá-lo, Tom; você devia dizer-me que o seu chefe é Corleone. Pensei que você fosse simplesmente algum chantagista de terceira classe que Johnny houvesse mandado para blefar-me. E eu não blefo. Não que eu queira inimigos, jamais acreditei nisso. Mas vamo-nos divertir agora. Podemos falar de negócios depois do jantar.
Surpreendentemente, Woltz demonstrou ser um anfitrião verdadeiramente atencioso Explicou seus novos métodos, inovações que ele esperava que tornariam a sua coudelaria a melhor da América. As cocheiras todas eram à prova de incêndio, saneadas ao máximo e guardadas por uma equipe especial de segurança de detetives particulares. Finalmente, Woltz conduziu-o a uma cocheira que tinha uma enorme placa de bronze afixada na parede externa, na qual estava escrito o nome KHARTOUM.
O cavalo que se achava dentro da cocheira, mesmo aos olhos inexperientes de Hagen, era um magnífico animal. O pêlo de Khartoum era negro, com exceção de uma mancha branca em forma de diamante em sua enorme fronte. Os grandes olhos castanhos cintilavam como maças douradas, o pêlo luzidio sobre o corpo musculoso parecia seda. Woltz disse com orgulho infanticlass="underline"
— O maior cavalo de corrida do mundo. Eu o comprei na Inglaterra, no ano passado, por seiscentos mil dólares. Aposto que nem mesmo os czares russos jamais pagaram tanto dinheiro por um único cavalo. Mas não vou pô-lo para correr, vou destiná-lo à reprodução. Farei construir a maior coudelaria que este país já teve.
Acariciou a crina do cavalo e pronunciou suavemente:
— Khartoum, Khartoum.
Havia realmente afeto em sua voz, e o animal correspondeu. Woltz continuou a falar:
— Sou um bom cavaleiro, você sabe, e a primeira vez que montei já tinha cinqüenta anos de idade. — Deu uma gargalhada. — Talvez uma de minhas avós na Rússia tenha sido raptada por um cossaco e eu tenho o sangue dele.
Coçou a barriga de Khartoum e disse com sincera admiração:
— Olhe a vara dele. Eu devia ter uma vara assim.
Voltaram para a mansão, a fim de jantar, o qual foi servido por três garçons sob a direção de um mordomo. Os talheres e a baixela eram de prata com filetes de ouro, mas Hagen achou a comida medíocre. Woltz obviamente vivia sozinho, e também obviamente não era homem que desse importância à comida. Hagen esperou até que ambos tivessem acendido enormes Havanas para perguntar a Woltz: