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Hagen sorriu. Raramente o fazia, mas agora não podia resistir a pilheriar com Don Corleone.

— Você está perguntando se ele é siciliano. — Don Corleone acenou com a cabeça com satisfação, reconhecendo a argúcia da lisonja e sua verdade. — Não — respondeu Hagen.

Isso era tudo. Dou Corleone ponderou a questão até o dia seguinte. Na quarta-feira à tarde, chamou Hagen à sua casa e forneceu-lhe as instruções, as quais consumiram o resto do dia de trabalho de Hagen e o deixou estonteado de admiração. Não havia dúvida em seu espírito de que Don Corleone resolvera o problema, de que Woltz lhe telefonaria pela manhã comunicando ter Johnny Fontane obtido o papel de galã em seu novo filme de guerra.

Nesse momento, o telefone tocou, mas era Amerigo Bonasera. A voz do agente funerário tremia de gratidão. Queria que Hagen transmitisse a Don Corleone os protestos de sua imorredoura amizade. Ele, Amerigo Bonasera, daria a vida pelo abençoado Padrinho. Hagen garantiu-lhe que comunicaria isso a Dou Corleone.

O Daily News trazia uma notícia de meia pággina sobre Jerry Wagner e Kevin Moonan, encontrados desfalecidos na rua. As fotografias eram realmente impressionantes, eles pareciam massas de seres humanos. Milagrosamente, dizia o jornal, ainda estavam vivos, embora tivessem de passar alguns meses no hospital e necessitassem de cirurgia plástica. Hagen redigiu uma nota para informar a Clemenza que fizesse algo em favor de Paulie Gatto. Ele parecia conhecer o seu ofício.

Hagen trabalhou com rapidez e eficiência durante três horas, examinando os relatórios de lucros da companhia imobiliária de Don Corleone, seu negócio de importação de azeite e sua empresa de construção. Nenhum deles es tava indo bem, mas com o término da guerra todos esses empreendimentos passariam a ter bons lucros. Já havia quase esquecido o problema de Johnny Fontane quando a sua secretária lhe informou que estavam telefonando da Califórnia. Teve um pequeno pressentimento quando pegou o telefone e disse:

— Aqui fala Hagen.

A voz transmitida pelo fio era irreconhecível, denunciando ódio e paixão.

— Seu canalha ordinário! — gritou Woltz — Vou pôr vocês todos na cadeia por cem anos. Vou gastar até o último níquel para arrasar vocês. Vou mandar arrancar os colhões de Johnny Fontane, está-me ouvindo, seu car mano ordinário?

Hagen respondeu amavelmente:

— Eu sou tento-irlandês.

Houve uma longa pausa e depois o estalo do telefone sendo desliga Hagen sorriu. Nem uma só vez Woltz pronunciou qualquer ameaça ao próprio Don Corleone. O gênio tinha suas recompensas.

Jack Woltz sempre dormia só. Tinha uma cama bastante grande para caber dez pessoas e um quarto de dormir bastante amplo para uma cena cinematográfica de dança, mas dormia sozinho desde a morte de sua primeira mulher, dez anos antes. Isso não quer dizer que ele não mais usasse mulheres. Era um homem fisicamente vigoroso apesar de sua idade, mas agora só podia ser excitado por mocinhas muito novas e aprendera que algumas horas da noite eram tudo o que a juventude do seu corpo e sua paciência podiam tolerar.

Naquela terça-feira, por algum motivo, acordara cedo. A luz da manhã tornava seu enorme quarto tão embaçado quanto uma campina enevoada. A certa distância no pé de sua cama, estava uma coisa de forma familiar, e Woltz moveu-se com dificuldade apoiado nos cotovelos para conseguir uma visão mais clara. Tinha a forma de uma cabeça de cavalo. Ainda tonto, Woltz estendeu a mão para alcançar a lâmpada de cabeceira e acendeu-a.

O choque do que viu tornou-o fisicamente doente. Parecia que um grande martelo o havia atingido no peito, o seu coração começou a bater estranhamente e ele sentiu náuseas. O seu vômito respingou no tapete de gosto grosseiro.

Separada do corpo, a sedosa cabeça preta do grande cavalo Khartoum estava colada num espesso coágulo de sangue. Viam-se-lhe os tendões brancos e delgados. Espuma cobria-lhe o focinho, e seus olhos grandes como maçãs que haviam brilhado como ouro se apresentavam manchados, lembrando uma fruta podre, de sangue morto, em conseqüência da hemorragia. Woltz foi atacado por um terror puramente animal, e sob o efeito desse terror, gritou pelos criados, em seguida, telefonou para Hagen, fazendo ameaças descontroladas. Seu delírio insano alarmou o mordomo, que telefonou para o médico particular de Woltz e para o seu substituto eventual no estúdio. Mas Woltz recuperou os sentidos antes de eles chegarem.

Woltz estava profundamente chocado. Que espécie de homem poderia destruir um animal que valia seiscentos mil dólares? Sem uma palavra de advertência. Sem qualquer possibilidade de negociação para que o ato, a sua ordem, pudesse ser revogado. A crueldade e a falta de consideração por qualquer valor implicavam um homem que considerava a si próprio como a sua própria lei, até como seu próprio Deus. E seu poder e astúcia eram tão grandes que tornaram impotentes as severas medidas adotadas para a segurança das cocheiras. Pois àquela hora Woltz já sabia que o cavalo tinha sido obviamente narcotizado com uma forte dose antes que alguém calmamente cortasse a cabeça do animal com um machado. Os homens encarregados da vigilância noturna afirmaram que não ouviram nada. Para Woltz isso parecia impossível. Era preciso fazê-los falar. Eles se haviam vendido e era preciso fazê-los dizer quem os havia comprado.

Woltz não era burro, era apenas supremamente egoísta. Ele se havia enganado ao pensar que o poder de que dispunha fosse maior do que o poder de Don Corleone. Necessitava apenas de alguma prova de que isso não era verdade. Ele entendera essa mensagem. De que, apesar de sua riqueza, apesar de toda a sua intimidade com o Presidente dos Estados Unidos, apesar de todas as pretensões de amizade com o diretor do FBI, um obscuro importador de azeite italiano o teria assassinado, o teria “realmente” assassinado! Porque ele não desejava dar a Johnny Fontane o papel cinematográfico que ele queria. Era incrível. Ninguém tinha o direito de agir dessa maneira. Não poderia haver qualquer espécie de mundo se as pessoas agissem dessa maneira. Era loucura. Significava que o indivíduo não podia fazer o que quisesse com o seu próprio dinheiro, com as companhias que possuía, com o poder que tinha de dar ordens. Era dez vezes pior do que o comunismo. Isso tinha de ser esmagado. Nunca se devia permitir tal coisa.

Woltz acedeu em que o médico lhe aplicasse um sedativo brando. Isso o ajudou a acalmar-se e a pensar sensatamente. O que na realidade o chocou foi a indiferença com que esse Don Corleone ordenara matar um cavalo de fama mundial que valia seiscentos mil dólares. Seiscentos mil dólares! E isso apenas para começar. Woltz deu de ombros. Pensou na vida que havia conseguido organizar. Era rico. Podia possuir as mulheres mais bonitas do mundo acenando com o dedo e prometendo um contrato. Era recebido por reis e rainhas. Levava a vida mais confortável que o dinheiro e o poder eram capazes de proporcionar. Era loucura arriscar perder tudo isso por causa de um capricho. Talvez pudesse chegar a um acordo com Don Corleone. Qual é a punição legal pelo ato de se matar um cavalo de corrida? Ele riu selvagemente, enquanto o seu médico e os criados o observavam com nervosa preocupação. Outro pensamento ocorreu-lhe. Ele seria motivo de chacota de toda a Califórnia simplesmente porque alguém desafiara desdenhosamente o seu poder de maneira tão arrogante. Isso o levou a decidir-se. Isso e o pensamento de que, talvez, talvez eles não o matassem. Que estivesse planejando algo mais astuto e mais doloroso.