Woltz deu as ordens necessárias. A sua equipe pessoal de confiança entrou em ação. Os criados e o médico juraram manter segredo sob pena de expor-se à inimizade imorredoura de Woltz e do estúdio. Comunicou-se à imprensa que o cavalo de corrida Khartoum tinha morrido de uma doença contraída durante o seu embarque na Inglaterra. Foram expedidas ordens para enterrar os restos mortais do animal num lugar secreto da propriedade.
Seis horas depois, Johnny Fontane recebeu um telefonema do produtor-executivo do filme informando-o de que se apresentasse para trabalhar na segunda-feira seguinte.
Nessa noite, Hagen dirigiu-se à casa de Don Corleone a fim de preparar-se para a importante reunião que manteria no dia seguinte com Virgil Sollozzo. Don Corleone havia chamado o filho mais velho para comparecer, e Sonny Corleone, com seu rosto de cupido denunciando cansaço, estava bebendo calmamente um copo de água. Ele ainda devia estar trepando com aquela dama de honra, pensou Hagen. Outra preocupação.
Don Corleone instalou-se numa poltrona fumando o seu charuto Di No bili. Hagen tinha uma caixa deles em sua sala. Ele havia tentado fazer Don Corleone mudar para o Havana, mas o Don alegara que este lhe irritava a garganta.
— Será que sabemos tudo necessário a respeito? — perguntou Don Corleone.
Hagen abriu o arquivo onde se encontravam as suas notas. Tais notas não eram de forma alguma incriminatórias, mas simplesmente lembretes enigmáticos para assegurar que ele estava de posse de todos os detalhes importantes.
— Sollozzo vem nos solicitar ajuda — disse Hagen. — Vai pedir á Família que levante pelo menos um milhão de dólares e prometa alguma espécie de imunidade com respeito à lei. Em virtude disso, passamos a participar da operação, ninguém sabe quanto. Sollozzo é garantido pela Família Tattaglia que, em conseqüência, participa da operação. A operação são narcóticos. Sollozzo tem os seus agentes na Turquia, onde cultivam a papoula. Daí ele a embarca para a Sicília. Nenhuma dificuldade. Na Sicília, transforma a planta em heroína. Tem operações seguras para transformá-la em morfina e voltar a transformá-la em heroína, se for necessário. Mas parece que a fabricação do produto na Sicília é protegida de toda maneira. A única dificuldade é trazê-la para os Estados Unidos e depois proceder à distribuição. Outra, o capital inicial. Um milhão de dólares em dinheiro não nasce em árvores.
Hagen viu Don Corleone fazer uma careta de desaprovação. O velho de testava floreios desnecessários em questão de negócio. Continuou a falar de modo rápido:
— Chamam Sollozzo de turco por dois motivos. Ele passou algum tempo na Turquia e supõe-se que tem uma mulher e filhos turcos. Segundo, pensa-se que ele é muito ligeiro com a faca, ou era, quando jovem. Somente em questões de negócio, entretanto, e com uma espécie de queixa razoável. Ë um homem muito competente, sendo seu próprio chefe. Tem ficha na polícia, cumpriu duas penas na prisão, uma na Itália, outra nos Estados Unidos, e é conhecido das autoridades como contrabandista de narcóticos. Isso podia ser uma vantagem para nós. Significa que ele jamais conseguirá imunidades para depor, porque é considerado o chefão e, naturalmente, devido à sua ficha. Outrossim, tem mulher e três filhos americanos, e é um bom chefe de família. Faz qualquer acordo desde que saiba que o negócio será bem dirigido para render um bom dinheiro.
Don Corleone tirou uma baforada do charuto e perguntou:
— Santino, que é que você acha?
Hagen sabia o que Sonny iria responder. Sonny estava aborrecido por se achar sob o domínio de Don Corleone. Ele queria um grande empreendi mento por sua própria conta. Algo como isso seria ótimo.
Sonny tomou um longo trago de uísque
— Muito dinheiro se pode fazer com esse pó branco — respondeu ele, Mas pode ser perigoso. Algumas pessoas correm o risco de acabar na cadeia por uns vinte anos. Quero dizer que se ficarmos fora das operações propriamente ditas, isto é, se apenas dermos proteção e financiamento, pode ser uma boa idéia.
Hagen olhou para Sonny apoiando-o. Ele jogara bem as cartas. Limitara-se ao óbvio, que era o que melhor podia fazer.
Don Corleone tirou uma baforada do seu charuto,
— E você, Tom, que é que acha?
Hagen preparou-se para ser completamente honesto. Já havia chegado à conclusão de que Don Corleone recusaria a proposta de Sollozzo. Mas, o que era pior, Hagen estava convencido de que em uma das raras vezes em sua vida Don Corleone não havia pensado inteiramente no assunto. Não estava olhando suficientemente para a frente.
— Vamos, Tom — exclamou Don Corleone encorajadoramente. — Nem mesmo um consigliori siciliano concorda sempre com o chefe.
Todos riram.
— Penso que você devia dizer sim — observou Hagen. — Você conhece todos os motivos evidentes. Porém o mais importante de todos é este. Há mais dinheiro em potencial em narcóticos do que em qualquer outro negócio Se não entrarmos nele, outras pessoas entrarão, talvez a Família Tattaglia. Com a receita que eles obtêm podem acumular cada vez mais poder policial e político. A Família deles ficará mais forte do que a nossa. Finalmente virão em cima de nós para tomar o que nós temos. É tal como acontece entre os países. Se eles se armam, temos de nos armar. Se eles se tornam economicamente mais fortes, tornam-se uma ameaça para nós. No momento, possuímos o jogo e os sindicatos, e são precisamente agora as melhores coisas para se ter. Mas penso que os narcóticos são o próximo passo. Acho que temos de participar disso ou pomos em risco tudo que possuímos. Não agora, mas talvez daqui a dez anos.
Don Corleone parecia bastante impressionado. Tirou uma baforada de seu charuto e murmurou:
— Isso é a coisa mais importante, sem dúvida. — Deu um suspiro e pôs-se de pé: — A que horas temos de encontrar esse turco amanhã?
Hagen respondeu esperançosamente:
— Ele estará aqui às dez horas da manhã.
Talvez Don Corleone resolvesse aceitar o negócio.
— Quero vocês dois aqui comigo — preveniu Don Corleone. — Levantou-se, espreguiçando-se, e pegou o filho pelo braço. .— Santino, durma bem esta noite, você parece o próprio diabo. Cuide de você, pois não será sempre jovem.
Sonny, animado por esse interesse paterno, fez a pergunta que Hagen não se atrevera a fazer.
— Pai, qual vai ser a sua resposta?
Don Corleone sorriu.
— Como posso saber sem antes ouvir as percentagens e outros detalhes? Além disso, preciso de tempo para pensar no conselho que me deram aqui esta noite. Afinal de contas, não sou homem que faz as coisas precipitada mente. — Quando ia saindo, perguntou casualmente a Hagen: — Você tem em suas notas que o turco vivia da prostituição antes da guerra? Tal como a Família Tattaglia faz agora. Anote isso antes que você esqueça.
Havia um tom de escárnio na voz de Don Corleone, e Hagen ficou vermelho. Ele deliberadamente não mencionara isso, legitimamente por assim dizer, pois realmente não tinha qualquer relação, mas receara que pudesse prejudicar a decisão de Don Corleone. Ele era notoriamente rigoroso em questões de sexo.
Virgil Sollozzo, o turco, era um homem de constituição robusta, tez escura, que podia ser tomado por um verdadeiro turco. Tinha um nariz que lembrava uma cimitarra e olhos pretos cruéis. Possuía também uma dignidade impressionante.
Sonny Corleone recebeu-o na porta e o introduziu no escritório onde Hagen e Don Corleone esperavam. Hagen pensou que nunca vira um homem de aspecto mais perigoso, com exceção de Luca Brasi.
Houve troca de apertos de mão corteses entre eles. Se Don Corleone me perguntar se esse homem tem colhão, eu responderei que sim, pensou Hagen. Nunca vira tamanha força num homem, nem mesmo em Don Corleone. De fato, Don Corleone parecia sentir-se inferiorizado. Ele foi um pouco demasiadamente simples, um pouco demasiadamente agradável em sua saudação.