A mãe olhou para ele firmemente por um momento, depois perguntou em italiano:
— Eles o balearam?
Sonny acenou com a cabeça afirmativamente. A mãe baixou a cabeça por um momento. Em seguida, voltou para a cozinha. Sonny a seguiu. Ele a viu desligar o gás sob a frigideira cheia de pimentões e depois sair e subir para o quarto de dormir. Sonny pegou alguns pimentões da frigideira e pão da cesta em cima da mesa e fez um sanduíche, lambuzando-se com o azeite quente que lhe escorria pelos dedos. Foi até a enorme sala do canto que era o escritório do pai e tirou o telefone especial de uma caixa fechada a chave. O fone tinha sido especialmente instalado e o aparelho constava no catálogo com nome e endereço falsos. A primeira pessoa que Sonny chamou foi Luca Brasi. Não houve resposta. Depois telefonou para o caporegime do Brooklyn, um home de indiscutível lealdade a Don Corleone. O nome desse homem era Tessio. Sonny comunicou-lhe o que havia acontecido e o que desejava. Tessio devia reunir cinqüenta homens de absoluta confiança. Devia mandar guardas para o hospital e destacar homens para Long Beach, a fim de trabalharem lá. Tessio perguntou:
— Eles pegaram Clemenza também?
— Não quero usar o pessoal de Clemenza agora — respondeu Sonny.
Tessio compreendeu imediatamente, fez uma pausa, e depois falou:
— Desculpe-me, Sonny, digo isso como seu pai diria. Não ande muito depressa. Não acredito que Clemenza nos traiu.
— Obrigado — respondeu Sonny. — Também não penso, mas preciso tomar cuidado. Certo?
— Certo — retrucou Tessio.
— Outra coisa disse Sonny. — Meu irmão menor Mike está na em Hanover, New Hampshire. Faça algumas pessoas que nós conhecemos em Boston irem até lá e o trazerem aqui para casa até que a situação se acalme. Vou telefonar para ele para que as espere. Também estou medindo bem as coisas, justamente para ter certeza.
— Entendido — respondeu Tessio. — Estarei na casa de seu pai assim que tiver todas as coisas providenciadas. Entendido? Você conhece meus rapazes, não é?
— Sim — retrucou Sonny, e desligou o telefone.
Foi até um pequeno cofre de parede e o abriu, dele tirando um livro com índice alfabético encadernado em couro azul. Abriu-o e folheou-o até encontrar o lançamento que estava procurando, o qual dizia: “Ray Farrell 5.000 dólares véspera de Natal.” Isso era seguido de um número de telefone. Sonny discou o número e perguntou:
— Farrell?
O homem do outro lado da linha respondeu:
— Sim.
— Aqui é Santino Corleone — disse Sonny. — Quero que você me faça um favor e que seja já. Quero que você me averigüe dois números de telefone e me forneça todas as chamadas que eles receberam e todas as chamadas que fizeram durante os últimos três meses. — Deu o número da casa de Paulie Gattto e o da casa de Clemenza. Depois acrescentou: — Isso é importante. Consiga-me isso antes de meia-noite e você terá um Natal verdadeiramente extraordinário.
Antes de voltar a considerar os fatos, Sonny deu mais um telefonema para o número de Luca Brasi. Outra vez não houve resposta. Isso o preocupou, mas procurou esquecer logo. Luca viria para casa assim que soubesse a notícia. Sonny reclinou-se na cadeira giratória. Dentro de uma hora, a casa estaria apinhada de gente da Família e ele teria de comunicar a todos eles o que fazer, e agora que finalmente tinha tempo para pensar, podia avaliar como a situação era séria. Era o primeiro desafio à Família Corleone e ao poder dela em dez anos. Não havia dúvida de que Sollozzo estava por trás disso, mas ele jamais se atreveria a tentar tal golpe a não ser que tivesse o apoio de pelo menos uma das cinco grandes Famílias de Nova York. E esse apoio devia ter vindo da Família Tattaglla. O que significava uma guerra em grande escala ou um acordo imediato segundo as condições de Sollozzo. Sonny riu sinistramente. O matreiro turco tinha planejado bem a coisa, mas não tivera sorte. O velho estava vivo e assim haveria guerra. Com Luca Brasi e os recursos da Família Corleone só podia haver um resultado. Mas outra vez a preocupação importuna. Onde estava Luca Brasi?
CAPÍTULO 3
CONTANDO com o motorista, havia quatro homens no carro com Hagen. Puseram-no no assento traseiro, no meio dos dois homens que o tinham acompanhado na rua. Sollozzo sentou-se na frente. O homem à direita de Hagen passou-lhe o braço pelo corpo e inclinou o chapéu de Hagen sobre os seus olhos para que ele não pudesse ver.
— Não mova nem mesmo o dedo mindinho — disse ele.
Foi uma viagem curta que não durou mais de vinte minutos, e quando saltaram do carro, Hagen não pôde reconhecer o itinerário devido à espessa escuridão. Conduziram-no a um apartamento de subsolo e fizeram-no sentar numa cadeira de cozinha de costas retas. Sollozzo sentou-se na mesa da cozinha no lado oposto a ele. O seu rosto escuro tinha um aspecto peculiarmente rapace.
— Não quero que você fique com medo — declarou Sollozzo. — Sei que você não pertence ao grupo violento da Família. Quero que você ajude os Corleone e que me ajude também.
As mãos de Hagen tremiam quando ele pôs um cigarro na boca. Um dos homens trouxe uma garrafa de uísque e serviu-lhe uma dose numa xícara de café de porcelana. Hagen ingeriu a bebida ardente com prazer. Deu-lhe firmeza nas mãos e tirou-lhe a fraqueza das pernas:
— Seu chefe está morto — comunicou Sollozzo. Fez uma pausa, surpreso com as lágrimas que rolaram dos olhos de Hagen. Depois prosseguiu: — Nós o liquidamos no lado de fora de seu escritório, na rua. Assim que recebi a notícia, eu o apanhei. Você tem de restabelecer a paz entre mim e Sonny.
Hagen não respondeu. Estava surpreso com sua própria dor. E com um sentimento de desolação misturado com o seu medo de morrer. Sollozzo voltou a falar:
— Sonny ficou entusiasmado pela minha proposta. Não é verdade? Você sabe que é a coisa acertada a se fazer também. Narcóticos é o próximo bom negócio. Há tanto dinheiro a se ganhar nisso que qualquer pessoa pode ficar rica em poucos anos. Don Corleone era um velho antiquado, seu tempo tinha passado, mas ele não sabia. Agora ele está morto, nada pode fazê-lo ressuscitar. Estou disposto a fazer uma nova proposta, quero que você fale com Sonny para aceitá-la.
— Você não tem qualquer chance — retrucou Hagen. — Sonny virá atrás de você com tudo o que lhe for possível.
— Isso vai ser a primeira reação dele — disse Sollozzo impacientemente. — Você precisa dar-lhe conselhos sensatos. A Família Tattaglia está por trás de mim com todo o seu pessoal. As outras Famílias de Nova York vão fazer tudo o que for possível para evitar uma guerra em grande escala entre nós. A nossa guerra tem de prejudicar a eles e a seus negócios. Se Sonny resolver topar o negócio, as outras Famílias do país acharão que isso não é da conta delas, até mesmo os amigos mais antigos de Don Corleone.
Hagen de cabeça baixa fixava os olhos em suas próprias mãos, sem responder. Solozzo prosseguiu persuasivamente;
— Don Corleone estava-se esquivando. Nos velhos tempos, eu jamais poderia chegar até ele. As outras Famílias perderam a confiança nele porque ele fez de você seu consigliori e você nem mesmo é italiano, muito menos siciliano. Se isso se tornar uma guerra total, a Família Corleone será esmagada e todo mundo perde, inclusive eu. Preciso dos contatos políticos da Família mais do que preciso mesmo do dinheiro. Assim, fale com Sonny, fale com os caporegimes; você poupará muito derramamento de sangue.
Hagen estendeu a sua xícara de porcelana pedindo mais uísque.
— Vou tentar — replicou. — Mas Sonny é teimoso. E mesmo Sonnny não é capaz de dissuadir Luca. Você tem de se preocupar com Luca. Eu terei de me preocupar com Luca, se apresentar a sua proposta.