— Eu cuidarei de Luca — retrucou Sollozzo calmamente. — Você cuida de Sonny e dos outros dois meninos. Escute, você pode dizer-lhes que Freddie poderia ter sido eliminado hoje junto com o velho, mas meu pessoal tinha ordem rigorosa de não atirar nele. Não quero mais ressentimentos do que os estritamente necessários. Você pode dizer isso a eles, Freddie está vivo graças a mim.
Finalmente, a mente de Hagen começou a funcionar. Pela primeira vez, ele realmente acreditava que Sollozzo não pretendia matá-lo nem mantê-lo como refém. O súbito alívio do medo que lhe percorreu o corpo fê-lo corar de vergonha. Sollozzo observava-o com um tranqüilo sorriso de compreensão. Hagen começou a ponderar os fatos. Se ele não concordasse em defender a causa de Sollozzo, poderia ser assassinado. Mas, afinal, pensou que Sollozzo esperava apenas que ele apresentasse a causa e o fizesse devidamente, como lhe competia fazer como um consigliori responsável. E agora, pensando nisso, ele também admitiu que Sollozzo tinha razão. Uma guerra ilimitada entre os Tattaglia e os Corleone devia ser evitada a todo custo. Os Corleone deviam enterrar o seu pranteado chefe e esquecer, fazer um acordo. E, então, quando chegasse o momento oportuno, podiam vingar-se de Sollozzo.
Levantando os olhos, ele compreendeu que Sollozzo sabia exatamente o que ele estava pensando. O turco agora sorriu. E, de súbito, uma idéia ocorreu à mente de Hagen. Que teria acontecido a Luca Brasi para que Sollozzo estivesse tão despreocupado? Teria Luca feito um acordo? Ele se lembrava de que na noite em que Don Corleone rejeitara a proposta de Sollozzo, Luca tinha sido convidado a comparecer ao escritório para uma conversa particular com Don Corleone. Mas agora não era hora de se preocupar com tais detalhes. Ele tinha de voltar para a segurança da fortaleza da Família Corleone em Long Beach.
— Farei o possível — disse ele a Sollozzo. — Acredito que você tem razão, é precisamente o que Don Corleone queria que nós fizéssemos.
Sollozzo balançou a cabeça com gravidade.
— Ótimo — respondeu ele. — Não gosto de derramamento de sangue, sou um homem de negócios, e sangue custa muito dinheiro.
Nesse momento, o telefone tocou e um dos homens sentados atrás de Hagen foi atendê-lo. Ele ouviu um pouco e depois respondeu laconicamente:
— Está certo, direi a ele.
Em seguida, desligou e dirigiu-se para o lado de Sollozzo e sussurrou no ouvido do turco. Hagen viu o rosto de Sollozzo empalidecer, os seus olhos brilharem de raiva. Ele próprio sentiu um frêmito de medo. Sollozzo olhou para ele especulativamente, e de repente Hagen compreendeu que não ia mais ser solto. Algo ocorrera que podia significar a sua morte. Sollozzo falou:
— O velho ainda está vivo. Cinco balas na carcaça desse siciliano e ele ainda está vivo. — Deu de ombros de modo fatalista. — Azar — disse para Hagen. — Azar meu. Azar seu.
CAPÍTULO 4
QUANDO MICHAEL CORLEONE chegou à casa do pai, em Long Beach, encontrou a estreita entrada da alameda bloqueada com uma corrente. A própria alameda estava iluminada com os holofotes de todas as oito casas, mostrando pelo menos dez carros estacionados ao longo do passeio curvo de cimento.
Dois homens que ele não conhecia estavam encostados na corrente. Um deles perguntou com um sotaque do Brooklyn:
— Quem é você?
Ele se identificou. Outro homem saiu da casa mais próxima e olhou-lhe o rosto.
— Este é o filho de Don Corleone. Vou levá-lo para dentro.
Mike seguiu esse homem até a casa do pai onde dois homens postados à porta deixaram-no entrar juntamente com seu acompanhante.
A casa parecia estar cheia de homens que ele não conhecia, até que ele entrou na sala de estar. Ali, Michael viu a mulher de Tom Hagen, Thereza, sentada hirtamente no sofá, fumando um cigarro. Na mesa de café à sua frente havia uma garrafa de uísque. No outro lado do sofá achava-se sentado o volumoso Clemenza. O rosto do caporegime se mostrava impassível, mas ele suava, e o charuto em sua mão apresentava um brilho completamente preto em conseqüência da saliva.
Clemenza veio apertar-lhe a mão de modo consolador, murmurando:
— Sua mãe está no hospital com seu pai, ele vai ficar bom.
Paulie Gatto levantou-se para apertar-lhe a mão. Michael olhou para ele curiosamente. Sabia que Paulie era guarda-costas de seu pai, mas não sabia que ele tinha ficado em casa doente naquele dia. Percebeu porém certa ten são no rosto escuro e magro. Ele sabia da reputação de Gatto como homem ativo e muito rápido, que sabia fazer trabalhos delicados sem complicações, e hoje ele falhara em seu dever. Notou vários outros homens nos cantos da sala, mas não os reconheceu. Não era gente de Clemenza. Michael ligou os fatos e compreendeu. Clemenza e Gatto eram suspeitos. Pensando que Paulie tivesse estado no local do crime, perguntou-lhe:
— Como está Freddie? Está bem?
— O médico deu-lhe uma injeção — respondeu Clemenza. — Ele está dormindo.
Michael aproximou-se da mulher de Hagen e inclinou-se para beijar-lhe a face. Eles sempre gostaram um do outro. Michael murmurou:
— Não se preocupe, Tom deve estar bem. Você já falou com Sonny?
Thereza agarrou-se a ele por um momento e balançou a cabeça. Ela era uma mulher delicada, muito bonita, mais americana do que italiana e muito apavorada. Ele tomou-lhe a mão e levantou-a do sofá. Depois conduziu-a até o escritório de seu pai, situado na sala do canto.
Sonny estava esparramado em sua cadeira da escrivaninha, segurando um bloco de papel numa mão e um lápis na outra. O único homem que se achava com ele na sala era o caporegime Tessio, a quem Michael reconheceu, compreendendo imediatamente que deviam ser seus homens que estavam na casa e constituíam a nova “guarda do palácio”. Ele também tinha um lápis e um bloco de papel nas mãos.
Quando Sonny os avistou, saiu de trás da escrivaninha e tomou a mulher de Hagen nos braços.
— Não se preocupe, Thereza — disse ele. — Tom está bem. Eles querem apenas apresentar-lhe a proposta, dizem que o soltarão. Ele não trabalha no setor de operações, é apenas nosso advogado. Não há razão para que alguém lhe faça mal.
Sonny soltou Thereza, e então, para surpresa de Michael, ele também ganhou um abraço e um beijo na face. Empurrou Sonny e disse sorrindo sarcasticamente:
— Depois que me acostumei a apanhar de você, tenho de agüentar isso?
Eles freqüentemente brigavam quando eram mais jovens.
Sonny deu de ombros.
— Escute, menino, fiquei preocupado quando não pude encontrá-lo naquela cidade caipira. Não que eu desse a mínima importância se eles o massacrassem, mas eu não gostava da idéia de ter de levar a notícia á velha. Eu tinha de dar-lhe a notícia sobre o papai.
— Como recebeu ela a notícia? — perguntou Michael.
— Bem — respondeu Sonny. — Ela já passou por isso antes. Eu também. Você era ainda muito pequeno para tomar conhecimento disso, e depois coisas se tomaram muito calmas enquanto você crescia. — Fez uma pausa e depois continuou: — Ela está no hospital com o velho. Ele vai ficar bom.
— Que tal irmos até o hospital? — perguntou Michael,
Sonny balançou a cabeça em negação e respondeu secamente:
— Não posso deixar esta casa até que tudo esteja terminado.
O telefone tocou. Sonny apanhou-o e ouviu atentamente. Enquanto ele ouvia, Michael aproximou-se lentamente da escrivaninha e deu uma olhadela para o bloco amarelo no qual Sonny estivera escrevendo. Havia uma lista de sete nomes. Os três primeiros eram Sollozzo, Phillip Tattaglia e John Tattaglia. Foi um rude golpe para Michael interromper Sonny e Tessio quando eles estavam preparando uma lista de homens que deviam ser assassinados.
Depois de desligar, Sonny voltou-se para Thereza Hagen e Michael, dizendo: